É uma espécie de bastião indie, o festival que fica a um canto distante dos outros, que se mantém orgulhosamente só, num orgulho que em Coura não é nacionalista, é simpático e bonacheirão. De preferência de barriga cheia com os petiscos minhotos que se encontram nas redondezas e de corpo bem fresco, seja com cerveja gelada seja com as águas do Rio Taboão, acessíveis só aos mais corajosos. Mas bom, as tardes estão quentes e não há maneira de contornar o sol que aquece muito os dias, antes de caírem as noites frescas.

Por um lado, o Vodafone Paredes de Coura parece estar imune ao hip hop (Skepta é a exceção que confirma a regra) e R&B eletrónico que contaminam cada vez mais os festivais de música nacionais, do NOS Primavera Sound ao Super Bock Super Rock. Isto sem falar de tantos outros mais recentes. Por outro lado, não tem a ambição popular de um NOS Alive, o festival vencedor do ano: deixa a nostalgia sossegada e as velhas glórias que traz nem são assim tão velhas nem tiveram uma glória comparável à de bandas como os Pearl Jam, só a título de exemplo. Com o Rock in Rio, claro, não se compara, até porque tem os pés firmados em terreno alternativo.

As apostas são as mesmas das edições anteriores: encontrar o melhor da música rock e folk alternativas no presente, descobrir a próxima revelação do universo indie. E se o cartaz desta edição parece ter menos impacto do que os anteriores, isso deve-se em grande parte à ultrapassagem desses géneros musicais pelo hip hop e novo R&B. Não é que o cartaz não seja bom, está só ancorado num universo que parece cada vez mais de nicho. Confortável, ainda assim e aprazível ao ouvido.

O ano passado, o Vodafone Paredes de Coura foi assim. @ João Porfírio

No primeiro dia, depois dos concertos na vila, depois dos primeiros mergulhos no rio Taboão, depois da vista se habituar à paisagem idílica que rodeia o festival, é no rock que depositamos as esperanças para aquecer a noite. Para o fim de tarde e o início de noite, haverá demónios cantados com doçura.

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Marlon Williams

Palco Vodafone, 19h40

O número de grandes obras nascidas da dor e do azedume é tão grande que deve ser irresistível não empregar as frustrações ao serviço de qualquer coisa redentora. De um disco, por exemplo. De um quadro. Ou de um livro. O neozelandês Marlon Williams deve ter pensado nisso, ou se calhar não pensou, tinha mesmo era de dar uso à caneta e tirar da cabeça uma separação dolorosa, no caso com a antiga namorada, a cantora Alduous Harding. Claro que quem fugir dos sintetizadores como o diabo da cruz não vai gostar, quem tiver a sensibilidade bem trancada numa gaveta também não. Mas o tal disco, Make Way For Love, editado este ano, é bom, a espaços é tocante e Marlon Williams é um bom performer, na senda de um Alex Cameron mas com um pouco mais de substância e de transparência. É a estreia de Marlon Williams em terras portuguesas, é o primeiro concerto a não perder do festival.

Linda Martini

Palco Vodafone, 21h10

Falar do rock português dos últimos 20 anos é, em parte, falar deles. Vamos mais longe: falar do rock português, ponto, que não houve assim tantas bandas como eles desde que em 1965 e 1966 uns quantos jovens importaram as guitarras do ié-ié para o Teatro Monumental. Mas isso é outra história, volte-se aos Linda Martini. Nunca foram uma banda de músicos especialmente virtuosos, preocupados em mostrar técnica exuberante. A receita sempre foi outra: fibra e nervo com fartura, riffs de guitarra de quem queria virar o mundo de pernas para o ar e letras urbanas com versos para colar na parede do quarto. O melhor é que a energia não se perdeu e a banda reinventou-se. Abriu outros caminhos, explorou outros estilos e ritmos, apurou a escrita e até arrisca canções épicas como “Se Me Agiganto”. E ainda bem. O último disco, homónimo e editado já este ano, é o melhor em alguns anos e bate-se sem medo com os primeiros Olhos de Mongol e Casa Ocupada. Não surpreende e não agita as águas como a estreia mas mostra que o crescimento não tem de ser aborrecido nem previsível. Se “roubassem” a noite aos restantes, não seria surpresa.

King Gizzard and the Lizard Wizard

Palco Vodafone, 23h15

Se há dois anos ainda surpreenderam alguns festivaleiros mais distraídos em Paredes de Coura, apesar de duas atuações anteriores em Lisboa (quem eram aqueles rapazes meio loucos que pareciam deliciosamente incontroláveis em palco?), este verão já não há surpresas para quase ninguém. Os discos têm saído em catadupa nos últimos anos: só em 2017 foram cinco. Este ano tem sido de pausa nas gravações e dedicação total aos concertos, e até é em palco que australianos de Melbourne fazem a diferença. A fórmula musical não é a mais vanguardista ou disruptiva que já se ouviu, é rock de garagem com tons psicadélicos que pode ir parar a qualquer paragem durante uma atuação, como se fez no passado, como eles fazem bem com o seu toque hoje em dia. O regresso é bem vindo.