Em 1951, Ingmar Bergman estava em maus lençóis financeiros. Acabado de se casar pela terceira vez aos 33 anos, tinha três famílias para sustentar. As produtoras de cinema suecas encontravam-se em greve, para protestar contra os altos impostos cobrados pelo Estado ao setor dos espetáculos. Os teatros haviam fechado para as tradicionais férias de verão e o seu contrato com o Teatro Municipal de Gotemburgo tinha expirado. Por isso, quando a Unilever sueca lhe propôs filmar nove anúncios à sua marca de sabonete Bris (Brisa), que precisava de mudar de imagem, oferecendo-lhe um gordo cheque, dando-lhe carta branca criativa e o orçamento mais alto da história da publicidade na Suécia, Bergman nem pestanejou. Foi buscar o seu diretor de fotografia Gunnar Fischer e outros técnicos com quem trabalhava nos seus filmes, contratou uma jovem atriz de 15 anos chamada Bibi Andersson para entrar num dos anúncios e meteu mãos à obra.

Anos mais tarde, Bergman escreveria no livro Images: My Life in Film: “Originalmente, aceitei os anúncios do Bris para salvar a minha vida e a dos meus familiares. Mas na verdade isso era secundário. A razão real para os fazer foi porque me deram toda a liberdade e dinheiro e podia fazer exatamente o que queria com a mensagem do produto. E sempre senti dificuldade em ter ressentimentos quando a indústria se precipita para a cultura com um cheque na mão. Toda a minha carreira no cinema foi paga pelo capitalismo privado. Nunca consegui viver só à custa dos meus lindos olhos! Enquanto patrão, o capitalismo é brutalmente honesto e bastante generoso — quando acha que isso será benéfico. Nunca devemos duvidar daquilo que valemos no dia a dia — é uma experiência útil que nos torna mais fortes.”

https://youtu.be/LoswO7bl_mA

Feitos em 35 mm, para serem exibidos nos cinemas, os nove anúncios ao sabonete Bris foram rodados com o mesmo equipamento e em condições de produção exatamente iguais à de um filme de longa-metragem. Ingmar Bergman era o único senhor a bordo, com controlo total no estúdio, dos argumentos à montagem, e aproveitou a oportunidade para fazer experiências, brincar com forma e conteúdos e exibir o seu sentido de humor, enquanto fazia sempre passar a mensagem publicitária contratada: mostrar o sabonete Bris como o melhor e mais eficaz do mercado (“Mata as bactérias!”), usado por pessoas que sabem o que é bom (a classe média com rendimentos confortáveis) e não querem ser socialmente proscritas por terem odor corporal.

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Ao mesmo tempo que cumprem a sua função comercial, os nove anúncios são variados, inteligentes, originais, brincalhões e cheios de fantasia, e o realizador usou-os para testar ideias que poria em prática em filmes futuros. Num deles, Bergman parodia a novidade dos filmes em 3D, que detestava; outro, começa numa corte do século XVIII, que se revela ser um filme projetado numa parede do estúdio, passando a câmara para  a locutora que está a fazer a narração daquele, e do anúncio; noutro, aparece um teatrinho de marionetas, um dos motivos do cinema do realizador, e semelhante a um que teve quando era criança; outro começa num hospital que é afinal um cenário de um estúdio onde vai ser rodado um anúncio… Ao sabonete Bris; outros incluem sonhos, cinema mudo, atores disfarçados de bactérias e de sabonete a lutar. E há um ainda que alinha imagens aparentemente sem nexo, mas tudo faz sentido no fim.

https://youtu.be/d3eG7iwx2MQ

Segundo notou o crítico sueco Frederik Gustaffson, especialista na obra de Ingmar Bergman, nestes nove anúncios, ele “desconstrói o ato de fazer cinema, usando todos os truques à sua disposição para nos enganar e deliciar”. E enquanto todos têm a mesma mensagem, “Comprem Bris, o sabonete antibactérias, livre, saudável e fresco”, têm também “diferentes cenários e modos de execução”. Bergman claramente divertiu-se a fazê-los, ao mesmo tempo que mostrava o seu génio visual e o seu consumado perfeccionismo, e metia no bolso um cheque que lhe resolvia os problemas de liquidez. A qualidade e o impacto destes anúncios terá mesmo levado a que conseguisse financiamento para os seus filmes seguintes, caso de “Mónica e o Desejo” ou “Sorrisos de Uma Noite de Verão”

A marca Bris acabaria por ser retirada do mercado sueco pela Unilever alguns anos depois, e Ingmar Bergman nunca mais voltaria a filmar anúncios publicitários. Mas o valor e o interesse cinematográfico destes nove são tão grandes como a sua capacidade de persuasão. É que Bris, originalmente chamado Luz do Sol, era um sabonete com pouca reputação na Suécia e associado às classes trabalhadoras (“Bom para lavar as mãos e o macacão do mecânico da oficina onde levamos o carro a consertar”, como disse Anders Roennqvist, co-realizador de um documentário sobre os nove anúncios). Mas publicitado em celulóide por Bergman, Bris parece digno de uma estrela de cinema, como os do seu mais famoso e finaço primo Lux.