O Governo de Espanha vai propor uma alteração à lei da Memória Histórica para poder desenterrar os restos mortais do ditador Francisco Franco do Vale dos Caídos. Segundo o El País, depois de ter esbarrado na oposição da família do ditador à sua exumação, o executivo de Pedro Sánchez prepara-se para aprovar em Conselho de Ministros uma alteração à lei que permita contornar o veto familiar.

Já no domingo, a agência Efe tinha noticiado que o Conselho de Ministros desta sexta-feira, 24 de agosto, ia alterar a lei da Memória História, criada em 2007, durante o segundo mandato do socialista José Luiz Zapatero, e que permitiu à altura que fossem desenterradas valas comuns da Guerra Civil espanhola.

Agora, a alteração que o Conselho de Ministros deverá aprovar em decreto-lei, e que depois terá de apresentar para votação no Congresso dos Deputados, não passará de uma “simples modificação” que consistirá na criação de “um par de artigos”, escreve o El País, sem entrar em mais detalhes.

A 3 de agosto, depois de uma reunião do Conselho de Ministros, e antes de partir de férias, Pedro Sánchez tinha dado sinais de que a exumação de Francisco Franco não seria tão rápida quanto teria pensado, mas que seria ainda assim “muito, muito em breve”. “Mas, se esperámos 40 anos, também podemos esperar uma semanas ou uns dias…”, disse.

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Entre deputados, há (algum) consenso para desenterrar Franco

O tema das exumações de valas comuns é fonte de debate no Congresso dos Deputados — nos programas eleitorais das últimas eleições, de 2016, PSOE e Unidos Podemos defendiam o seu financiamento pelo Estado; já o Ciudadanos e o PP não referiam o tema — mas o debate parece ser menos aceso quando se fala do caso particular de Francisco Franco.

Além de ter o acordo dos partidos à sua esquerda (Unidos Podemos) e das forças independentistas e regionalistas, o que só por si chegaria para aprovar uma alteração à lei da Memória Histórica, o Governo de Pedro Sánchez não deverá contar com a oposição dos partidos à sua direita.

Da parte do Ciudadanos, Albert Rivera já adiantou que o seu partido deverá aprovar a exumação de Francisco Franco se o projeto do Governo de Pedro Sánchez passar por transformar o Vale dos Caídos num “cemitério nacional” que transmita a ideia de “união”, referindo como exemplo o Cemitério de Arlington, no estado da Virginia, EUA, criado para enterrar soldados dos dois lados da Guerra Civil americana:

Uma coisa é que se apresente uma lei onde haja um projeto sério para converter o Vale dos Caídos num cemitério nacional, como o de Arlington, onde estão todos, independemente do lado em que lutaram, enterrados juntos. Outra coisa é querer dividir Espanha de forma artificial em dois lados.”

Já do PP, de Pablo Casado, o discurso sobre este tema é pouco claro — o que leva alguns a crer que, em vez de apoiar ou opor-se a uma revisão da lei da Memória Histórica que permita desenterrar Franco, o PP deverá antes abster-se. Esta segunda-feira, em declarações ao La Sexta, Pablo Casado disse: “Não gastaria nem sequer um euro a desenterrar Franco e também não gastaria um euro para voltar a enterrá-lo”. E, depois, disse uma frase que está a ser apontada como o sinal mais evidente de que o PP pode abster-se:

Não vou defender esse edifício nem quem está enterrado nele, incluindo por razões familiares, como neto de alguém que sofre represálias do regime franquista, mas Espanha tem de olhar para o futuro.”

Família mantém oposição, Igreja retirou-a

Retirar os restos mortais de Francisco Franco do Vale dos Caídos é uma antiga reivindicação da esquerda espanhola, mas só com a subida ao poder de Pedro Sánchez é que um governo assumiu esse objetivo. Ao anunciar esta pretensão, Pedro Sánchez contou com duas oposições logo ao início: primeiro, da Igreja Católica, já que o ditador está enterrado numa basílica no Vale dos Caídos, onde rege o direito canónico; depois, a família de Francisco Franco, cujos sete netos se opuseram em bloco ao desenterramento do corpo do seu avô.

No entanto, à medida que o tema foi sendo discutido ao longo dos últimos meses, a Igreja Católica mudou de posição e deixou claro que não ia tomar uma posição sobre este tema — o que, na prática, resulta no consentimento perante a possibilidade de uma exumação do ditador. “A Igreja não toma nenhuma decisão, que toma decisões é o Governo e a família”, disse o cardeal de Madrid, Carlos Osoro.

Já a posição da família de Francisco Franco tem sido de total oposição à exumação do ditador. Em declarações ao La Razón, fonte da família do caudillo disse desconhecer a lei que será discutida em Conselho de Ministros (“não temos qualquer ideia daquilo que o Governo está a preparar”) e voltou a insistir: “Não admitimos uma exumação. Enquanto não houver um mandado judicial, ninguém vai exumar nada”.

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