É apresentada como uma medida preventiva, uma solução de recurso para o caso, não desejado, de as negociações entre o Reino Unido e a União Europeia não chegarem a um acordo que estabeleça a forma como os dois lados se vão relacionar — em termos comerciais, legais e outros — depois de o país abandonar o projeto europeu. Numa conferência de imprensa, antes de serem divulgadas as primeiras “notas técnicas” para um cenário de “não acordo” nas negociações, o responsável de Londres pelo diálogo com Bruxelas, Dominic Raab, garantiu que tem havido “progressos constantes” no diálogo mas também explica que o país tem de se “preparar para a possibilidade de as discussões não alcançarem o resultado” desejado.

As 25 “notas técnicas” que Downing Street divulgou esta quinta-feira (na página do departamento do Brexit) servem, antes de mais, para atacar à nascença as versões equívocas de um cenário pós-Brexit duro. Os restantes documentos, num total de cerca de 80, deverão ser tornados públicos “até ao final de setembro”, prevê Raab. Mas aquilo que as primeiras informações mostram é que, apesar da mensagem tranquilizadora do responsável pelas negociações, a população sentirá, de facto, um impacto concreto na sua vida quotidiana se o acordo não for alcançado.

Daquilo que já se conhece, os cidadãos britânicos a viver em qualquer um dos países da União Europeia depois do Brexit poderão perder o acesso às suas contas bancárias no Reino Unido e os pensionistas a viver fora do país poderão ficar sem acesso às suas pensões, avança o The Guardian, que já começou a analisar os 25 documentos divulgados. Ao mesmo tempo, avança o mesmo diário, os consumidores poderão ter de lidar com pagamentos mais lentos e mais caros quando fizerem compras de produtos europeus.

Há também uma consequência carregada de ironia neste cenário traçado pelo Governo britânico: depois de décadas a apontar o dedo ao peso burocrático que a União Europeia representava para Londres, a saída dura do projeto europeu levará a um aumento significativo dos processos administrativos no setor empresarial.

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O Reino Unido não vai, ainda assim, atravessar uma “fome de sanduíches” no país se os dois lados não se entenderem — esse é um dos mitos urbanos que já começaram a ganhar força e que o Governo britânico quer desmontar rapidamente. Outra ideia é a de que também está garantido um stock de fármacos para as primeiras semanas após a formalização do Brexit, agendada para março do próximo ano, para garantir que a população não fica sem acesso a medicamentos. Em qualquer dos casos, em nenhum cenário está previsto que o Exército seja colocado a “distribuir alimentos” nas ruas do país (outra história de “fazer levantar os cabelos” e que tem estado a ganhar força).

Além de tentar tranquilizar a população, o Governo também pretende explicar às empresas (sobretudo, as grandes empresas, sublinha Dominic Raab) aquilo que terão de fazer na eventualidade de um não acordo. Nos últimos meses, os alertas e os sinais de preocupação vieram de setores tão diferentes como os da Saúde, Segurança, Agricultura, Finanças e até Diplomacia.

Existe um receio de que as autoridades britânicas possam perder acesso às bases de dados europeias onde está guardada a informação de cidadãos com registo criminal, teme-se o “colapso” nas exportações de bens alimentares produzidos no Reino Unido e o impacto financeiro de uma saída dura e antecipa-se que um “divórcio conturbado” com Bruxelas possa criar “fissuras” que levem “uma geração a sarar” (nas palavras do próprio responsável pelas relações externas do Reino Unido, Jeremy Hunt).

Corbyn fugiu seis vezes a esta pergunta: “O Reino Unido fica melhor após o Brexit?”

De volta à conferência de imprensa do responsável britânico pelas negociações do Brexit, o “pragmático” Dominic Raab apostou numa mensagem em tom pedagógico e tranquilizador — para os britânicos e para a própria União Europeia. Mesmo que as negociações falhem, garantiu, o Reino Unido continuará a ser um país “responsável” e dedicado em pagar até ao último cêntimo a fatura da saída a Bruxelas.

Quem não ficou convencido com as explicações de Raab foi o Partido Trabalhista. Numa declaração feita depois da exposição do secretário para o Brexit, e já depois de as primeiras 25 notas técnicas terem sido tornadas públicas, o elemento do partido responsável por acompanhar as negociações diz que o discurso de Raab mostra que Downing Street “simplesmemte não está preparada para um cenário de não acordo”.

O discurso foi parco em detalhe, magro em substância e não deu quaisquer respostas sobre como os ministros pretendem mitigar as consequências graves de uma saída da União Europeia sem acordo”, assinalou Keir Starmer.

Se esse cenário se concretizar, isso representa “o completo falhanço da estratégia de negociação do Governo”, diz o trabalhista. O prazo final para a concretização de um acordo (ou para o falhanço das negociações) termina daqui a dois meses.