Os veículos eléctricos já não assustam os potenciais clientes, o que os afasta dos carros alimentados por bateria é o tempo necessário para as recarregar, o que pode demorar entre 30 minutos e muitas horas, dependendo da potência disponível. Isto e a necessidade de encontrar um posto de carga livre e, caso habite em Portugal, que não tenha sido vandalizado ou que esteja operacional, o que não é tarefa fácil.
Este que é o maior drama para quem ousa pensar adquirir um veículo accionado por energia eléctrica, está em vias de ser ultrapassado por um grupo de químicos da Universidade de Glasgow, que desenvolveram as flow batteries, o que em português se pode traduzir por baterias de fluxo. A descoberta rompe com tudo o que até aqui sabíamos de acumuladores.

Mudar o líquido em vez de ligar à corrente

As baterias convencionais, mesmo as de iões de lítio a que recorrem a maioria dos veículos eléctricos, armazenam a energia com que se abastecem, mais rapidamente a partir da rede eléctrica nacional, a alta potência (de 50 a 350 kW), ou mais lentamente, quando ligadas à tomada lá de casa, a baixa potência (3,7 a 7,4 kW). Nada disto acontece com os novos acumuladores. Em vez de lhes fornecer energia, o condutor vai pura e simplesmente “mudar-lhe o electrólito”, ou seja, retirar o líquido velho e substituí-lo por um novo. Operação que pode ser realizada numa bomba de gasolina.
O truque das flow batteries, e da sua capacidade de armazenamento, reside das nanomoléculas que existem no líquido (essencialmente água), que são capazes de guardar energia eléctrica ou hidrogénio em forma de gás, consoante o caso. Depois, se solicitadas como acontece num veículo eléctrico, elas fornecem energia (ou hidrogénio) durante um determinado período de tempo, o que lhes permite assegurar a desejável autonomia. E assim que esta chega ao fim, basta visitar uma “bomba de combustível” para substituir o líquido consumido por outro novo, numa questão de segundos.

10 vezes mais capacidade e carregamento em segundos

Além da rapidez na operação de abastecimento, a flow battery tem ainda a vantagem de oferecer uma capacidade de armazenamento 10 vezes superior, devido ao líquido com alta concentração de nanomoléculas. Os investigadores responsáveis pela descoberta, Leroy Cronin, Mark Symes e Jia Jia Chen, publicaram um artigo na última edição da Nature Chemistry e dizem acreditar “que são necessários sistemas de armazenamento de energia mais flexíveis e com maior capacidade, para suavizar os picos e os buracos no consumo”.
“A nossa tecnologia não só fornece uma solução electroquímica para este problema, como garante aos veículos eléctricos uma maior capacidade energética e, simultaneamente, uma forma mais rápida de recarregar as baterias”, assegura ainda o regente da cadeira de Química da Universidade de Glasgow, Leroy Cronin.

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Ferrugem e água. Com nanomoléculas

Segundo Cronin, as revolucionárias baterias de fluxo são constituídas basicamente por um óxido metálico – aquilo a que os investigadores chamam de exotic rust, ou ferrugem exótica – e, para serem recarregadas, apenas têm de ser enchidas de líquido (água) com nanomoléculas. A grande vantagem é que podem ser abastecidas de forma similar ao habitual nos veículos a gasolina ou diesel, isto é, na bomba de combustível.

A revolução será total, se tudo correr bem – como esperamos – na passagem da produção de pequenas para quantidades industriais”, afirma Cronin, com o professor da faculdade escocesa a garantir que o líquido proporcionará a mesma autonomia dos actuais veículos a gasolina ou gasóleo.

Sobre as dificuldades que espera encontrar, o responsável pela equipa de investigadores recorda que produzir o líquido com nanomoléculas não é muito complexo, mas fazê-lo em quantidades industriais representa um desafio. De todas as formas, tranquiliza o químico, “já passámos de um pequeno protótipo para uma coisa maior e tudo parece continuar a funcionar na perfeição”, o que leva a que esteja em alta a confiança desta equipa apoiada por fundos da Universidade de Glasgow, do Conselho de Investigação Europeu e do Conselho de Investigação de Engenharia e Física.

Baterias a “água” não são novas

O notável desempenho da equipa de investigadores de Glasgow não teve propriamente a ver com a descoberta das baterias com nanomoléculas, mas sim de as terem conseguido fazer funcionar. Esta solução tecnológica já é conhecida há muito, pois nos últimos anos mais do que uma empresa afirmou estar a estudar essa possibilidade e prometer boas notícias a todo o momento. Que entretanto nunca chegaram.

O exemplo mais conhecido é a NanoFlowcell, companhia que apresentou um protótipo eléctrico muito interessante,  que anunciava 760 cv (no acumulado de quatro motores) e uma autonomia de 1.000 km. O veículo em causa era o Quant 48Volt, que prometia conseguir gerar energia com o recurso a um líquido milagroso, que contudo nunca provou existir, o que por outro lado não lhe assegurou as verbas necessárias para a tecnologia que desenvolveu.

Quant 48Volt promete 1000 km de autonomia a baixa voltagem