No cinema, os tubarões têm duas eras: AS e DS, Antes de Spielberg e Depois de Spielberg. Antes de Spielberg, os tubarões eram apenas animais aquáticos perigosos que apareciam como protagonistas secundários nos filmes de ação, de aventuras e de James Bond. Depois de Spielberg e de “O Tubarão”, de 1975, os tubarões transformaram-se nos monstros marinhos privilegiados do cinema de terror, manifestando-se das mais variadas e fantasiosas formas. Já tivemos, entre muitos outros, tubarões italianos e mexicanos foleiros plagiados de “O Tubarão”, tubarões mutantes, tubarões geneticamente modificados, tubarões-fantasma, tubarões com duas cabeças, tubarões que voam em tornados, tubarões que nadam sob a areia e debaixo do gelo, e tubarões falantes mafiosos nos desenhos animados.

“Meg: Tubarão Gigante”, de Jon Turteltaub, propõe-nos agora o Megalodonte, um tubarão descomunal (18 metros, 50 toneladas) que se extinguiu há alguns milhões de anos e que era o top gun dos predadores dos oceanos no período Miocénico. Não é a primeira vez que esta bisarma pré-histórica aparece no cinema. O Megalodonte já abrilhantou alguns filmes de série Z, daqueles com orçamentos de fome e atores anónimos que saltam diretamente para vídeo, caso de “Megalodon” (2004), “Jurassic Shark” (2012) ou a série “Mega Shark”, que vai em quatro títulos e foi apropriadamente classificada por um crítico de cinema americano como “Mega Crap”. A novidade de “Meg: Tubarão Gigante” é que é feito por um grande estúdio de Hollywood em co-produção com a China, e tem o granítico Jason Statham no principal papel.

[Veja o trailer de “Meg-Tubarão Gigante”:]

Claramente concebido à medida do mercado chinês, desde a presença no elenco em papéis de destaque da cantora e atriz Li Bingbing e de Winston Chao (revelado nos anos 90 por Ang Lee em “O Banquete de Casamento” e “Comer Beber Homem Mulher”) à total ausência de sangue, mesmo nas sequências de deglutição do Megalodonte (e não são poucas), passando pela localização da história na Fossa das Marianas, perto da costa da China, “Meg: Tubarão Gigante” assemelha-se ao produto aberrante de uma fusão falhada do ADN de “Moby Dick”, de “O Tubarão” e de “Parque Jurássico”. E é uma daquelas produções com um corpo gigantesco e uma cabeça atacada de microcefalia. Ou seja, invulgar arcaboiço mas escassa vida cerebral. 

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[Veja a entrevista com Jason Statham:]

Enquanto espetador, estou pronto a suspender a descrença e a aceitar, como postula esta fita, que o fundo da Fossa das Marianas não é feito de rocha mas sim de uma substância porosa; que há mais oceano para lá desta, e que nele podem habitar estranhas formas de vida abissal e ter sobrevivido um Megalodonte; e que por ação humana, sob a forma de um mini-submarino de exploração, se tenha aberto uma passagem temporária entre estas duas camadas do Oceano Pacífico, por onde aquele se esgueirou. O que eu já não engulo são as delirantes liberdades que “Meg: Tubarão Gigante” toma com as leis da física e da biologia marinha, pelas quais o Megalodonte se desloca à velocidade de uma lancha de corrida, ou manobre na água, dê saltos e faça acrobacias com toda a agilidade e graça de um golfinho num aquaparque. “Filme de Verão” não tem necessariamente que rimar com “estupidificação”.

[Veja a entrevista com Li Bingbing:]

Além deste tão descarado quanto hilariante abuso da verosimilhança, “Meg: Tubarão Gigante” é um filme que não mete medo. A partir do momento em que o Megalodonte aparece, acabou-se a expectativa, a tensão e a possibilidade de uma gestão mínima do terror, substituídos pelo frenesim repetitivo e pelo exibicionismo dos efeitos digitais. E até estes deixam a desejar, sobretudo nas sequências em que o monstro está em cena, turvas e mal acabadas. Quanto a Jason Statham no papel de Jonas Taylor, o cínico mergulhador especializado em salvamentos a grande profundidade, não é por andar aqui à pancada com um Megalodonte que deixa de ser um poderoso canastrão. Até um prato de choco frito consegue ser mais expressivo e ter maior convicção dramática do que ele.

[Veja a entrevista com o realizador Jon Turteltaub:]

Resumindo e concluindo, “Meg: Tubarão Gigante” mete água por todos os lados. Só que a fita está a secar tudo em redor em matéria de lucros de bilheteira à escala mundial, e é baseada no primeiro de uma série de sete livros de Steve Alten, autor especializado no terror marinho à base de criaturas pré-históricas e cujo herói é o citado Jonas Taylor. Logo, esperem-lhe por mais descerebrados mastodontes aquáticos destes para os verões dos próximos anos.