Setembro de 1968. Pela primeira vez, os US National Championships, disputados até então apenas por tenistas amadores, dão lugar ao US Open — e as portas abrem-se aos profissionais. A final é épica e coloca frente a frente Arthur Ashe, um amador atleta da casa, e Tom Okker, um profissional holandês. Ao fim de cinco sets de alta intensidade, o afro-americano venceu. Acabado de se tornar o primeiro vencedor do US Open, Arthur Ashe leva para casa um título que impressionou os presentes, um troféu imponente — e 280 dólares.

Não, estes não eram os valores praticados na época. O prémio previsto para o vencedor era de 14 mil dólares (na edição deste ano, que se inicia esta segunda feira e decorrerá até 9 de setembro, chega aos 3,8 milhões). A verdadeira razão para Arthur Ashe receber tão reduzido prémio ao sagrar-se o primeiro vencedor do US Open foi mais simples e dolorosa para o histórico atleta: estava inscrito como amador, pelo que apenas recebia o prémio diário de participação (20 dólares). Resumindo: levou para casa o equivalente a 14 dias de trabalho; o mesmo que ganharia em caso de derrota. Já Tom Okker teve sorte: como o finalista vencido era tenista profissional, levou os 14 mil dólares para casa.

Arthur Ashe foi o primeiro afro-americano a vencer três provas do Grand Slam: US Open, Australian Open e Wimbledon (Créditos: Getty Images)

Foi com 25 anos que o jovem Ashe chegou ao US Open com a quinta posição do ranking, depois de ter vencido os United States Amateur Championships em junho desse ano. À sua frente no lote de favoritos tinha Rod Laver, Tony Roche, Ken Rosewall e John Newcombe, quatro australianos que lhe permitiam entrar no torneio sem a pressão e obrigação de vencer, mas com possibilidades reais de chegar ao fim em primeiro.

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Começou bem e, nas qualificações, arrumou os três primeiros encontros em três sets, seguindo para os quartos de final sem problemas. Aí, cruzou-se com o sul-africano Cliff Drysdale (posição 16), venceu em quatro sets e foi para as meias-finais. Aí, a concorrência começava a apertar, com o compatriota Clark Graebner (7.ª posição) a vencer o primeiro set, mas a ver Arthur Ashe levar a melhor nos três seguintes e seguir para a final, onde encontrava o holandês.

O derradeiro encontro seria o da consagração de Ashe, mas também o mais difícil, já que foi a primeira partida com cinco sets que o afro-americano disputou no Open, com vitórias no primeiro, terceiro e quinto sets (14-12, 6-3 e 6-3) contra os triunfos de Okker (5-7 e 3-6). Para tal, em muito ajudaram os 26 ases conseguidos pelo campeão, que demonstrou ainda uma capacidade de resposta acima da média às ofensivas do holandês.

Em 1968, Arthur Ashe venceu o US Open, ajudou os EUA a conquistarem a Taça Davis e subiu ao número um do ranking norte-americano (Créditos: Getty Images)

Se a recompensa pela vitória não chegou sob a forma de prémio final, apareceu como sinal de reconhecimento, no final do ano: a 12 de dezembro de 1968, Arthur Ashe chegou à liderança do ranking de tenistas norte-americanos, depois de uma época onde, para além da conquista do US Open, comandou a equipa dos Estados Unidos a uma decisiva vitória por 4-1 sobre a Austrália, recuperando assim o título da Taça Davis que fugia à seleção americana há cinco anos.

A Taça Davis era, aliás, outro ponto importante no legado de Ashe, que, ao ser convocado para a formação norte-americana ainda no ano de 1963, se tornou o primeiro afro-americano a integrar a seleção de ténis dos Estados Unidos na Taça Davis, sendo também o primeiro a vencê-la, na edição desse ano. Seguir-se-iam vitórias em 1968, 1969 e 1970, no auge de uma carreira que não ficaria completa sem mais dois grandes torneios conquistados: o Open da Austrália (1970) e Wimbledon (1975), sendo também assim o primeiro afro-americano a vencer três torneios do Grand Slam (apenas faltou o Open de França, onde não foi além dos quartos de final em 1970 e 1971).

No total, foram cinco títulos em grandes competições num total de sete finais. A juntar às vitórias individuais no US Open, Austrália e Wimbledon, Arthur Ashe ganhou ainda em pares no Open de França de 1971 e no Australia Open de 1977, acabando a carreira em 1979, com um registo de 996 vitórias, 398 derrotas e 47 torneios conquistados.

[Veja Arthur Ashe em ação na final vitoriosa de Wimbledon, Londres, 1975]

Com 36 anos, Arthur Ashe podia olhar para trás e perceber que havia tomado de assalto um desporto maioritariamente dominado por brancos, sendo um elemento importante na afirmação dos afro-americanos no seu país e defensor acérrimo dos seus direitos nos Estados Unidos e em países como a África do Sul, onde Ashe chegou a competir e a discursar contra a desigualdade racial.

Na defesa dos praticantes de ténis, ajudou a fundar a Associação de Profissionais de Ténis (ATP), a organização que hoje tutela a modalidade a nível mundial e que permitiu aos profissionais unirem-se e protegerem os seus interesses, ficando para sempre ligado à história do ténis mundial. Acabaria ainda por, em 1988, desenvolver e ser co-fundador da National Junior Tennis League em várias cidades norte-americanas, ajudando a promover a modalidade, no mesmo ano em que publicou 1600 páginas intituladas A Hard Road to Glory: A history of the African-American athlete. 

Arthur Ashe defendeu os direitos dos afro-americanos e discursou pela igualdade racial, dentro e fora do país, em várias manifestações (Créditos: Getty Images)

Em 1979, Arthur Ashe sofreu um ataque cardíaco que necessitou de cirurgia e o impediu de continuar a jogar. Em 1983, novo ataque, nova cirurgia, mas piores consequências: o norte-americano viria a comunicar, já em 1992, que contraíra VIH na sequência da segunda operação. No final desse ano, a revista Sports Illustrated nomeava o tenista para Desportista do Ano e, um ano depois, iria criar a Fundação Arthur Ashe no Combate à sida.

A 6 de fevereiro de 1993, Arthur Ashe não resistiu à doença. Para trás, deixou um legado desportivo e humanitário longe de se esgotar dentro de campo. “Trouxe um nível de consciência ao jogo, estivesse a falar na África do Sul ou em cidades pequenas dos Estados Unidos contra políticas raciais discriminatórias. A influência do Arthur no ténis não desapareceu com o seu abandono“, afirma a multicampeã Pam Shriver.

Esta segunda-feira começa a 51.ª edição do US Open (a 138.ª se contarmos com o anterior formato amador de US National Championships). É no Estádio Arthur Ashe, em Nova Iorque, que o suíço Stan Wawrinka, vencedor da edição de 2016, disputará o seu primeiro duelo desta edição frente ao búlgaro Grigor Dimitrov. O recinto batizado em honra de Ashe é o palco principal do encontro e acolherá a final da prova, onde Nadal, Wawrinka e companhia procurarão repetir o feito de Arthur, 50 anos depois. Com uma grande diferença: em caso de vitória, arrecadarão bem mais do que 280 dólares.

O Arthur Ashe Stadium, em Nova Iorque, é o palco principal do US Open e acolhe o derradeiro encontro do evento, dia 9 de setembro (Créditos: Getty Images)