A história de Janki Goud, uma rapariga de 23 anos que vive no estado de Madhya Pradesh, na Índia, podia ter acabado como a de muitas jovens da sua idade. Com cinco anos perdeu a visão, uma debilidade que naquela região — onde em 2016 ocorreram 4.882 violações de um total de 38.947 a nível nacional — é considerada um fator de vulnerabilidade, no qual as mulheres e crianças cegas são mais propícias a serem vítimas de abusos sexuais.
Na minha aldeia, não tinha qualquer problema por causa da minha cegueira, mas quando fui para a aldeia ao lado, os meus movimentos eram restritos. Quando ninguém está comigo e eu não consigo ver, algumas pessoas tentam tirar vantagem dessa oportunidade”, explicou Goud à CNN.
O rumo de Goud mudou quando começou a aprender técnicas de auto-defesa e judo, impulsionada por um projeto da organização não governamental Sightsavers, criado em 2014 com o objetivo de dar a oportunidade a mulheres e crianças cegas na Índia de aprenderem a protegerem-se fisicamente contra possíveis ataques. Hoje, o judo não é apenas uma forma de auto-defesa para a jovem indiana, mas uma paixão que adquiriu ao longo do tempo. Goud entrou no mundo das competições, sagrou-se campeã nacional da modalidade e ficou em terceiro lugar no Campeonato de Judo Asiático e da Oceânia, no Uzbequistão.
“Não tinha muitos conhecimentos sobre auto-defesa quando comecei no judo. O treinador motivou-me a mim e às pessoas que, como eu, não podem ver”, explicou a atleta, acrescentando que, desde que integrou o programa, ganhou mais confiança e uma nova vida. “A minha família está a sentir-se bem. Isto mudou a minha vida”. Na sua região, contou à We.News, já é considerada um exemplo e tem recebido pedidos de aulas de judo “até mesmo por raparigas que não têm problemas de visão”.
It's a proud moment for us as Janki Goud leaves from Jabalpur to participate in IBSA Judo World Cup which will be held in Antalya, Turkey from 19th to 26th April 2018.
Sightsavers along with its partner Tarun Sanskar continues to support Janki since 2010. pic.twitter.com/mv8H10ie8P— Sightsavers India (@SightsaversIN) April 18, 2018
Os membros da ONG lembram-se de Janki Goud quando foi abordada pela primeira vez para integrar o projeto: tinha uma confiança tão baixa que mal dizia uma palavra. Segundo a reportagem da CNN, os treinadores da Sightsavers são especialmente formados para ensinar mulheres com problemas de visão, ao utilizar o contacto físico e sons como palmas e instruções muito claras e fáceis de entender.
Jayahree Kumar, responsável pelo programa que começou os treinos de judo, diz que já são 200 as mulheres que integram o projeto e o objetivo é crescer em mais regiões da Índia, que conta com cerca de oito milhões de pessoas cegas. “As mulheres tinham uma auto-estima tão baixa e a sua linguagem corporal era tão negativa que eu percebi que tínhamos de organizar um programa para estas jovens, para que pudessem sair das suas casas”. A pergunta, revela, era muitas vezes a mesma: “Se alguém me ataca, como me vou proteger? Sou uma pessoa cega e não posso fazer nada”.
Segundo Clare Gilbert, um professor de saúde ocular, esta falta de confiança deve-se ao facto de que “a maior parte das dificuldades que encontram surgem não por aquilo que não conseguem fazer ou que acham difícil, mas pelo que elas não conseguem fazer devido à atitude das suas famílias, que querem protegê-las, e da comunidade, que as desencoraja ou abusa delas”.
Esta prática de auto-defesa, diz Jayahree Kumar, ajuda as mulheres a conseguirem escapar em casos de emergência e, em algumas situações, como a de Goud, a dar um novo rumo à sua vida.