São sobretudo casais muito jovens com crianças pequenas, algumas delas recém-nascidas, os que procuram fugir da crise abatida sobre a Venezuela e encontrar paz nos países vizinhos. A maior parte procura os que falam espanhol, como a Colômbia ou o Peru, por exemplo, para evitar a barreira da língua, mas entre 50 mil e 60 mil já chegaram de autocarro ao pobre estado brasileiro de Roraima. “Só mesmo quem vem de uma miséria muito grande é que procura outra para fugir”, diz Francisco Assis ao Observador.

O presidente da Comissão do Parlamento Europeu para o Mercosul esteve na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, em junho, para chefiar uma Delegação do Parlamento Europeu ao Estado de Roraima, programada em conjunto com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). E viu com os próprios olhos que, apesar dos esforços internacionais para ajudar esses refugiados, nem os mais de 70 milhões de euros até agora investidos pela União Europeia parecem chegar para amenizar a situação. É por isso que se prepara, esta quinta-feira, para perguntar a Federica Mogherini, Alta Representante da União Europeia para Política Externa e Segurança, se a Comissão Europeia está “em condições de avançar com um novo pacote de ajuda financeira aos países vizinhos da Venezuela”.

Francisco Assis. Créditos: Adelino Meireles/ Global Imagens

Atravessar a Amazónia em busca de paz

Os refugiados venezuelanos que preferem procurar socorro no Brasil costumam chegar de autocarro à fronteira entre os dois países: “Alguns percorrem milhares de quilómetros de autocarro, na tentativa de escapar à desestruturação e à escassez de bens alimentares e medicamentos. Depois, o dinheiro esgota-se, por isso alguns ficam em Roraima e outros fazem 750 quilómetros a pé para atravessar a Floresta da Amazónia“, descreve Francisco Assis. De outro modo, só de barco ou avião.

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Enquanto esteve em Pacaraima, uma pequena cidade do estado de Roraima onde foram montados campos de refugiados e alguns acampamentos selvagens para os venezuelanos, Francisco Assis conheceu um casal novo que tinha um bebé de dois meses nos braços: “Muitos destes refugiados têm formação e até tinham trabalho na Venezuela, mas o dinheiro já não lhes servia de nada. Já não conseguiam comprar comida nem medicamentos. Contaram-me que só tinha acesso a um número mínimo desses bens quem tivesse ligação ao regime de Maduro. Havia alguns que estavam a fugir porque sofriam de perseguição política, mas eram poucos: a maior parte dos refugiados estava ali para fugir da miséria”, recorda ele.

Uma refugiada de 17 anos segura a filha de 12 dias numa maternidade em Boa Vista, Roraima, Brasil. Neste momento, uma em cada quatro mulheres que dá à luz nesse hospital é venezuelana. Créditos: MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images.

Quem escolhe refugiar-se no Brasil em vez de ir para a Colômbia, Peru ou Chile — os países que mais refugiados venezuelanos recebem — fá-lo porque lá tem direito aos mesmos serviços públicos que os cidadãos de nacionalidade brasileira: as crianças podem ir à escola e as famílias têm acesso aos cuidados de saúde. Mas nem isso facilita a integração dos venezuelanos: “O Brasil tem demonstrado uma abertura e uma generosidade enormes. Tem feito um esforço muito grande, interessante até, para acolher estas pessoas. Mas o ambiente tem ficado cada vez mais tenso porque o estado de Roraima, onde muitos ficam, também é extremamente pobre”.

Francisco Assis explica que “alguns brasileiros não entendem quando veem venezuelanos num centro de saúde que nem para eles tem capacidade”: “Começam a aumentar os assaltos e, com esses atos violentos, os brasileiros começam a culpar os venezuelanos, mesmo quando não foram eles. Não é xenofobia. É a resposta a uma situação anómala de um estado que recebe 60 mil pessoas e que é muito grande, mas que na verdade não é tanto assim porque as infraestruturas não são sequer suficientes para quem já vive lá“.

Um refugiado venezuelano pede boleia e trabalho em Pacaraima, Roraima, Brasil. Créditos: MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images.

Uma “crise regional grave” comparável à da Síria

É assim no Brasil e é assim nos outros países vizinhos da Venezuela, que já assumiram estar a ter problemas em absorver tantos refugiados. Todos concordam que as consequências do regime de Nicolas Maduro está a ter projeção na América Latina e que já todos entraram “numa crise regional grave, que muitos comparam ao conflito na Síria no que toca às repercussões que teve nos territórios à volta”: “Vi que a situação se está a deteriorar e francamente não fiquei surpreendido”, admite Francisco Assis: “Tem chegado ajuda internacional, mas é, claramente, insuficiente”.

O governo brasileiro sabe disso e tem feito esforços para amenizar a situação: quando esteve em Brasília, Francisco Assis soube que está a ser planeada uma forma de levar alguns dos refugiados que chegam a Roraima para outros estados brasileios “com maior estrutura financeira e com melhores perspetivas de futuro, como São Paulo ou o Rio de Janeiro“. O Brasil chama a esse plano “internalização”, mas tem encontrado resistência desses estados mais abastados: “Tudo se agudizou com a aproximação das eleições de outubro. Têm sido levadas a cabo algumas campanhas algo xenófobas que aumentam os populismos e que têm alimentado um ambiente explosivo”, explica o presidente da Comissão do Parlamento Europeu para o Mercosul.

Refugiados voltam para o lado venezuelano da fronteira com o Brasil. Vão esperar pela manhã seguinte para obter documentos e fugir do país. Créditos: MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images.

Perante o cenário que encontrou na pequena cidade de Pacaraima, Francisco Assis pede, agora, mais apoio financeiro da Comissão Europeia aos países que acolhem os venezuelanos que abandonam o país de origem em busca de um futuro melhor. É que “segundo previsões do Fundo Monetário Internacional, a inflação na Venezuela atingirá os 13.000% em 2018, o que corresponde a um aumento dos preços, em média, de quase 1,5% por hora. A pobreza afeta já 87% da população venezuelana e o nível de pobreza extrema ascende a 61,2%“, recorda o eurodeputado.

À comunidade internacional só cabe “manter uma posição de apoio” e “ajudar quem luta pela imposição de uma democracia na Venezuela”. A solução para a crise “tem de ser interna”, acredita Francisco Assis: “Não tenho qualquer problema em dizer que o regime de Nicolas Maduro é um regime absolutamente criminoso, de apodrecimento e o mais letal que existe neste momento. A Venezuela é um país com um potencial enorme e ele deitou tudo por terra ao tornar-se cada vez mais autoritário e ditatorial. Temo o pior para a Venezuela, temo um conflito sangrento”.