As abelhas estão a adquirir “um gosto” por pesticidas semelhante ao vício em nicotina desenvolvido por fumadores. Segundo um estudo divulgado na quarta-feira pelo Proceedings of the Royal Society B., ainda que inicialmente evitem as plantas contaminadas com pesticidas neonicotinóides, as abelhas acabam por desenvolver, a longo prazo, uma preferência por estas plantas. Assim, o risco de pesticidas nocivos contaminarem as colónias é superior ao anteriormente pensado.

“Queríamos perceber se as abelhas conseguem detetar pesticidas e eventualmente aprender a evitá-los, alimentando-se antes das comidas não contaminadas que lhes oferecíamos”, explicou Andres Arce, que liderou a equipa de investigação, ao The Guardian.

O estudo consistiu na observação de 10 colónias de abelhas ao longo de 10 dias. Durante este período, os cientistas expuseram os insetos a duas soluções açucaradas, uma das quais estava contaminada com tiametoxam (um tipo de pesticida neonicotinóide). “Tendo opção de escolha, as abelhas parecem evitar a comida contaminada com neonicotinóides. No entanto, consoante os espécimes vão experimentando a comida contaminada, começam a devolver uma preferência por esta”, relatou outro dos cientistas envolvidos no projeto, Richard Gill.

“Curiosamente, neonicotinóides afetam recetores nervosos nos insetos semelhantes aos recetores afetados pela nicotina nos mamíferos. A nossa descoberta de que as abelhas adquirem um gosto por neonicotinóides evidencia certos sintomas de comportamento aditivo, o que é interessante dadas as caraterísticas da nicotina em humanos”, conclui.

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Segundo o estudo, estes pesticidas — semelhantes à nicotina na constituição química — estão entre as principais ameaças às abelhas. “A exposição a neonicotinóides pode prejudicar as funções motoras, aprendizagem, orientação e navegação [das abelhas], o que pode reduzir individualmente o desempenho de forragear [procurar alimento]”, pode ler-se no estudo.

Impacto na colónia

A investigação sugere ainda que existe o risco de os pesticidas, que afetam as abelhas individualmente, terem um impacto no coletivo superior ao que os cientistas pensavam até aqui. “Isto pode afetar o funcionamento da colónia, levando a uma redução do crescimento e número de novos indivíduos reprodutivos produzidos, particularmente quando combinado com outros fatores ambientais locais como a presença de patogénicos ou a falta de comida”, acrescenta o documento.

Contudo, os cientistas salvaguardam que são necessários mais estudos para compreender as implicações desta descoberta. “Precisamos agora de conduzir mais estudos para tentar e perceber o mecanismo que motiva a aquisição desta preferência”, enfatiza Arce.

“Embora o neonicotinóides sejam controversos, se os efeitos de substitutos em insetos que não têm como alvo não forem compreendidos, acredito que seja sensato tirar proveito do conhecimento atual e de futuros estudos para fornecerem um guia para o uso destes pesticidas de forma mais responsável, em vez de uma proibição completa”, confirma Gill.

Em 2013, a União Europeia baniu três tipos de pesticidas neonicotinóides considerados prejudiciais às abelhas. Este ano, a proibição foi alargada a todas as produções que não sejam cultivadas em estufas fechadas. A medida deve entrar em vigor no final do ano.