O primeiro contacto com a iniciativa do Parlamento Europeu chegou-lhe através do Facebook ou do LinkedIn, Gonçalo Gomes já não se recorda bem. Lembra-se de que se inscreveu no site com informações sobre as eleições do próximo ano. Pouco depois, o estudante de 20 anos recebia um email que anunciava o prémio do concurso: assistir, em Estrasburgo, aquele que será o último discurso sobre o Estado da União do atual presidente da Comissão Europeia. Só precisava — coisa pouca — de ser um dos dez maiores angariadores de novos inscritos para o site destavezeuvoto.eu a nível europeu. Não só conseguiu ficar no top 10 como ainda bateu toda a concorrência, ao garantir cerca de 550 novos inscritos.
No próximo dia 10, Gonçalo há de entrar num comboio em Roterdão — cidade holandesa onde está a iniciar um Erasmus de seis meses — em direção a Estrasburgo. É a primeira vez que visita a cidade francesa onde, uma vez por mês, os eurodeputados se juntam em plenário. “Estou mesmo muito entusiasmado, vou ter contacto com deputado europeus, é uma oportunidade única de estar em contacto direto com aquela que gostava que fosse uma realidade no meu futuro”, diz o estudante de Economia.
Erasmus, livre circulação, Parlamento Europeu: nada mais europeu que isto. Quando soube que podia assistir ao discurso de Jean-Claude Juncker, o jovem, natural de Viseu, já só pensava em “tentar cativar malta para se interessar pelo Parlamento Europeu e pelas eleições do próximo ano”, conta ao Observador. Falou com amigos, falou com familiares, falou com os todos os seus “contactos” das redes sociais e mais algum de que se lembrasse, e acabou por vencer todos os concorrentes dos 27 países da União em que houve participação (o segundo lugar foi para um cidadão espanhol).
As pessoas aderiam muito facilmente, todas queriam ajudar-me porque era um amigo que lhes estava a pedir ajuda para um fim muito concreto e, além disso, havia pessoas que também viam neste objetivo uma oportunidade de combater o populismo e a incerteza” que pairam sobre as próximas eleições. Esses, quiseram “juntar-se a uma causa que lhes faz sentido”, diz o jovem estudante de Economia.
É através das explicações de Gonçalo Gomes que chegamos à justificação do Parlamento Europeu para lançar o site destavezeuvoto.eu e as várias iniciativas que vão marcar os próximos nove meses, até às eleições europeias de maio de 2019. “O Parlamento Europeu tem de acompanhar o ar dos tempos, em que a comunicação política é feita através das redes sociais, para combater o paradoxo de termos uma população de eleitores jovens, entre os 18 e os 24 anos, que, tendo uma das opiniões mais favoráveis em relação à União Europeia, acaba por participar pouco nas eleições”, explica ao Observador o chefe do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, Pedro Valente da Silva.
O Parlamento Europeu quer fazer alguma coisa para reparar essa falha quase crónica entre haver uma população jovem que até se revê na União Europeia — como Gonçalo Gomes — mas que não sente interesse suficiente pelo projeto europeu para sair de casa no dia das eleições e votar.
“Não é uma abstenção que revele uma posição política vincada” anti-Europa, garante Pedro Valente da Silva. É, antes, “por razões prosaicas ou fúteis, porque acham que têm algo mais importante para fazer” que esses jovens não vão às urnas no dia das eleições. Nas instituições europeias chamam-lhe “abstenção por razões técnicas”. Se esse universo for menor que o de 2014, por ligeira que seja a diferença, Valente da Silva dá a batalha por ganha.
A campanha que segue os exemplos de Macron e Corbyn
Um site que desmistifique a ideia de que determinado protagonista vive numa realidade distante e desfasada do quotidiano dos seus interlocutores — onde é que já vimos isto? “Houve a campanha de Emmanuel Macron, também houve a campanha de Jeremy Corbyn”, reconhece o representante do Parlamento Europeu em Lisboa. “O que pretendemos é usar esse tipo de campanha, que consegue mover e associar pessoas, porque as campanhas tradicionais com anúncios nos jornais e os spots televisivo têm o seu papel, mas não passam a mensagem para a população mais jovem.”
O site foi lançado em junho e, até agora, já conta com “mais de 2000 pessoas inscritas” e Gonçalo Gomes conseguiu, sozinho, um quarto desses “seguidores”. Não é o número mais impactante, mas Pedro Valente da Silva acredita que “o céu é o limite” e que, passada a fase de verão, esse universo comece a ganhar uma dimensão mais significativa.
Mesmo com as semelhanças óbvias face aos modelos usados por Macron, em França, e Corbyn, no Reino Unido, para disputar eleições, há uma diferença de fundo: o site do Parlamento Europeu é sobre… o Parlamento Europeu. “Não há um rosto”, resume Valente da Silva. E, não havendo uma figura impulsionadora, sobram os factos. “Esta campanha foi decidida ao nível político mais alto do Parlamento Europeu, não podemos dizer que seja neutra, tem o mote de assinalar aquilo que a União Europeia e o Parlamento Europeu fazem pela cidadãos.”
A explicação do chefe do gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa levanta o véu sobre as razões mais profundas para este esforço das instituições europeias. No Parlamento Europeu, nos últimos meses tem vindo a ganhar força o receio de que as próximas eleições europeias representem um soco no estômago do projeto europeu. O segundo soco, depois do Brexit. Sondagens, estudos de opinião, inquéritos mais ou menos discretos têm sugerido que, depois do fenómeno Le Pen, o crescimento dos movimentos nacionalistas e euro-céticos se prepara para romper as fronteiras de países com grande peso no tabuleiro das decisões europeias. Basta pensar em Itália, na Alemanha, Polónia, Hungria para imaginar o que seria um hemiciclo repleto de representantes europeus cujo foco principal na sua ação política tem sido o ataque ao próprio projeto europeu.
Neste cenário, Portugal assemelha-se, cada vez mais, a um oásis, um pequeno canto aparentemente imune ao populismo, ao nacionalismo, ao discurso arreigado contra os emigrantes do norte de África e do Médio Oriente, à defesa de saída ao estilo Brexit. Pedro Valente da Silva reforça a ideia com números que mostram o apoio de 78% dos portugueses à União Europeia (“Estamos no topo”, diz). O último barómetro diz até que 46% dos portugueses consideram “muito importante” votar em maio do próximo ano e que 64% dos eleitores quer maior intervenção europeia nos desígnios nacionais.
Mas não há um “truque de mágica” que transforme essas opiniões em boletins de voto colocados nas urnas. E, num ano em que os eleitores portugueses também serão chamados a escolher o futuro Governo, é possível que uma escolha para o Parlamento Europeu se transforme num prólogo das legislativas.
Seria ingénuo dizer que o ciclo eleitoral poderá não ter impacto nas eleições europeias, mas esse ciclo também deve levar a um despertar da consciência política” que se traduz em maior interesse na discussão dos assuntos de dimensão europeia.
Depois do primeiro passo que é a inscrição no site criado para as europeias, a ação das redes sociais deve começar a ganhar tração. “A engrenagem é lançada pelo Parlamento Europeu, mas aquilo que se espera é que o site tenha vida própria, que as pessoas comecem a partilhar os conteúdos e que a discussão se desenvolva a partir daí” para que, em maio, “as pessoas vão votar”, diz o responsável do gabinete europeu em Lisboa.
“Arrisco-me a dizer que os desafios são maiores do que eram em 2014, mas a panóplia de temas também é mais vasta que os temas discutidos em 2014, que andaram muito à volta de questões financeiras”, defende Pedro Valente da Silva, que resume assim a sua esperança: “A popularidade da UE, neste momento, comparada com a de 2014, é maior, apesar de todos os desafios, até porque maior parte das pessoas está convencida de que a resposta aos diversos problemas tem de ser dada a nível europeu”, defende o representante do Parlamento Europeu em Portugal.
Surfar a onda da inclusão
Quem se inscrever no site destavezeuvoto.eu passa a receber informações regulares sobre as áreas do seu interesse e daquilo que tem sido a ação dos eurodeputados, sobretudo nos últimos cinco anos. Está tudo montado para tornar mais evidente o “impacto positivo” de Bruxelas e Estrasburgo na vida de cada um dos cidadãos europeus: do ambiente aos transportes, saúde, educação e lazer. O lançamento oficial está marcado para o próximo sábado, precisamente o mesmo dia em que em que elementos do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia se encontram em Carcavelos para uma outra iniciativa: uma aula de surf adaptado.
Como é que Europa e surf adaptado se conjugam numa mesma ação de promoção? A pergunta é imediata mas Nuno Vitorino também tem resposta rápida: “Temos uma Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia querem ter papel ativo para dizer que defendem os direitos das pessoas com deficiência”, explica o presidente da Associação Portuguesa de Surf Adaptado (SURFaddict). Numa linha, a Europa é de todos e para todos, por igual, e as pessoas com deficiência são apenas uma das faces dos vários nichos a que os responsáveis europeus se dedicam.
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Nem é preciso lançar o desafio. Nuno Vitorino começa a contar uma história que ilustra aquilo de que aqui se fala. Foi há poucos dias, estava em São Torpes. O surfista — ele próprio uma pessoa com deficiência — estava na água quando se aproximaram dois irmãos, um deles com uma tetraplagia. “Foram precisas seis pessoas com aquela criança, uma à frente, outra nas costas, uma na zona da anca, outra nos pés e mais duas na zona de inside (com água pelos joelhos)”, conta. A família queria que o menor tivesse aquela experiência.
Mas nós olhámos para o outro miúdo e pensámos: ele não pode ficar ali a olhar”, recorda Vitorino. E em segundos estavam os dois, lado a lado, na água a surfar. “Ele pôde ver o sorriso na cara do irmão enquanto a prancha seguia com a onda.”
Há seis meses, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia lançaram um desafio ainda maior à SURFaddict. A ideia passava por organizar um ação de sensibilização que “dissesse às pessoas para irem votar daí a um ano”. No próximo sábado, Nuno Vitorino vai ter na água 60 pessoas com deficiência e outros tantos voluntários a dar apoio na praia de Carcavelos. São 150 pessoas na praia, diretamente envolvidas na ação, sem contar com todos os envolvidos na operação de logística. “É uma loucura”, atira o dirigente.
Tudo por mais um voto nas urnas, tudo por menos um ponto na abstenção. Gonçalo Gomes participa pela primeira vez numas eleições europeias, depois da estreia como eleitor nas autárquicas do ano passado. É um confesso “otimista” em relação à resposta que os europeus vão dar daqui a dez meses contra o euroceticismo; é mais contido sobre a estratégia que a União Europeia definiu para travar essa batalha. “Não sei se é suficiente para reverter o gap, provavelmente não, mas é muito eficiente para aproximar eleitorado mais jovem” de Bruxelas.