É certo que há a Ferrari e a Koenigsegg, com alguns outros exemplos pontuais a surgirem igualmente nos EUA e Japão, mas tirando estas (poucas) excepções, a regra na indústria automóvel sempre foi a liderança alemã. Eram os seus carros que lideravam em qualidade, mas também em potência e sofisticação mecânica. Porém, a realidade que ninguém contestava, durante a era dos motores a gasolina e diesel, começa a ser agora colocada em causa, com a chegada dos veículos eléctricos.

Explicações para isto não faltam, mas na área automóvel ou em qualquer outra indústria, sempre que mudam as regras do jogo, surgem outros players na liderança. Os motores eléctricos e, sobretudo, as baterias apanharam os tradicionais fabricantes de automóveis, com destaque para os alemães, completamente desprevenidos.

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Audi, BMW, Mercedes e Porsche  há muito que oferecem berlinas familiares e SUV de dimensões generosas com mais de 500 cv, extraídos de motores V8 sobrealimentados capazes de ‘envergonhar’ a maioria dos desportivos que por aí circulam. Sob as siglas RS, M e AMG eram propostas “máquinas” que poucos ou ninguém conseguia acompanhar, com os fabricantes alemães a dominar o mercado a seu bel-prazer. Até chegarem os eléctricos, pois agora a conversa é outra.

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Jaguar e Tesla dão cartas

Com a apresentação do Mercedes EQC, o SUV eléctrico que foi revelado ontem, bem como o que já se sabe sobre o Audi e-tron, que vai ser mostrado ao público pela primeira vez dentro de 12 dias (a 17 de Setembro), começa a ser evidente que a tradicional vantagem dos alemães sobre os adversários desapareceu. E nem é forçoso falarmos da Tesla, que está sozinha no mercado dos eléctricos e a vender Model S desde 2012, o que lhe garante seis anos de avanço sobre todos os outros nesta nova tecnologia. Basta pensarmos na Jaguar que, a partir do nada, conseguiu ser mais rápida do que os germânicos a conceber e a produzir um eléctrico – e logo um SUV, concorrente do EQC e do e-tron.

O eléctrico inglês que põe os alemães em sentido. E a Tesla

Para nos apercebermos como este raciocínio faz sentido, comecemos pela potência, que é agora mais fácil de incrementar do que no tempos dos motores a gasolina, pois basta ligar ao fornecedor e encomendar unidades motrizes com mais uma ou duas (ou mais) centenas de cavalos, com custos menores do que passar de um quatro cilindros a gasolina para um V8 biturbo. O problema é que isso obriga a maiores baterias para garantir a desejada autonomia. E acumuladores maiores implicam mais peso e mais custos, ou não fosse a bateria a peça mais cara de um carro eléctrico. A Mercedes montou no EQC dois motores de 150 kW (204 cv), exactamente os mesmos do I-Pace e já anunciou que mesmo a futura versão AMG terá um aspecto mais desportivo, mas não diferenças na mecânica. Isto permite à Tesla a vantagem de continuar a liderar, pois o seu Model X já oferece uma gama completa, que vai do 75D de 333 cv ao P100D de 612 cv, passando pelo 100D de 423 cv.

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A Audi parece mais bem apetrechada para a luta, pois para começar, recorre logo a uma bateria de 95 kWh, se bem que mantenha os mesmos 408 cv, divididos por duas unidades, que monta à frente e atrás. A vantagem deste construtor é já ter arrancado com a fabricação do seu e-tron, que vai começar a vender no início de 2019, o que lhe oferece uma dezena de meses de avanço sobre o EQC.

Aceleração e autonomia são da Jaguar e Tesla

Com a mesma potência do Jaguar e mais 200 kg de peso, em parte por ser mais comprido (4,76 contra 4,68 metros), só um milagre poderia evitar que o EQC perdesse para o I-Pace. O que se confirma, com a Mercedes a anunciar 0-100 km/h em 5,1 segundos, contra 4,8 do SUV inglês, a que é necessário juntar a desvantagem na velocidade máxima, com o SUV alemão a estar limitado a 180 km/h, enquanto o Jaguar sobe até aos 200 km/h. Nesta batalha, o Model X está a anos-luz, pois apesar de ser maior (5,05 m) e mais pesado (mais 100 kg que o EQC), atinge 250 km/h e os 100 km/h em 4,9 segundos na versão 100D, para depois o P100D elevar a fasquia para 250 km/h e 3,1 segundos (um pouco menos em modo Ludicrous).

Na autonomia, componente fundamental num eléctrico, o EQC anuncia 450 km, mas fá-lo de acordo com a norma que já ninguém usa, a NEDC, abandonada por ser demasiado optimista. Nesta ordem de grandezas, 450 km em NEDC traduzem-se habitualmente em valores próximos dos 320 a 330 km em WLTP, o que é bastante curto para um veículo deste calibre. E basta comparar com os 480 km (em WLTP) do Jaguar ou os 565 km do Model X 100D (este em NEDC), enquanto o Audi e-tron anuncia 400 km, também em WLTP.

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Mesmo que se introduza o Porsche Taycan nesta equação, com 600 cv e 3,5 segundos de 0-100 km/h, o familiar desportivo da marca alemã tem dificuldades em impor-se ao Model S P100D, ficando mais próximo do Model 3 Performance, o que jamais aconteceria caso as “almas” destes veículos fossem a gasolina.

E quanto mais desportivos… pior

Se o panorama entre as berlinas e os SUV desportivos eléctricos não favorece os fabricantes alemães, a situação é ainda mais crítica quando o tema é superdesportivos movidos a electricidade. É certo que a Mercedes está a desenvolver o Project One, com cerca de 1.000 cv (600 cv do motor a gasolina e o resto de três unidades eléctricas), mas este superdesportivo vê-se limitado a 350 km/h, ao passo que o Tesla Roadster fala em mais de 400 km/h e o croata Rimac C_Two em 412 km/h. E ambos prometem ultrapassar 100 km/h em 2 segundos. Tudo valores que são impensáveis de alcançar para os melhores Audi RS, BMW M, Mercedes AMG e até Porsche Turbo S.

Roadster. O superdesportivo mais barato chega à Europa

É claro que o potencial tecnológico dos fabricantes alemães continua a ser brutal, mas agora no capítulo da fabricação e da montagem, e em tudo o que diga respeito às suspensões e ao chassi. Porque quando se fala de baterias, densidade energética, custo por kWh e gestão de energia, os alemães vão ter de pagar uma pesada factura, pelos anos que têm de atraso na implementação desta nova solução mecânica. E a prova disso é a diversidade de soluções para dominar os carros eléctricos, pois se o Grupo Volkswagen (o que inclui Audi e Porsche) apostaram numa gama de plataformas específicas para os veículos a bateria, a BMW não quis ir por aí, preferindo criar novas plataformas que servissem simultaneamente para carros movidos a bateria e a combustíveis fósseis. Entretanto, a Mercedes optou por plataformas específicas para os eléctricos, mas que sejam capazes de lidar com as fuel cells a hidrogénio, para quando elas se assumirem como alternativa, o que até é uma boa ideia.

Nitidamente, os construtores alemães foram apanhados em contrapé por esta nova moda dos carros a bateria e, além do actual esforço para recuperarem, é bom ter presente que Jaguar e Tesla. A prova disso é que o fabricante americano já revelou ter algumas novidades para reforçar o Model S e X, aguardando apenas que todos os seus concorrentes mostrem o jogo, para responder à altura. Ou tentar.