O discurso de encerramento da Festa do Avante! é sempre um momento político relevante no início do ano parlamentar. É atrás do púlpito montado no Palco 25 de Abril na Quinta da Atalaia, no Seixal, que o secretário-geral do PCP dá os primeiros tiros de partida para o ano que se segue. Falando para o coração dos comunistas e fazendo mira aos adversários – e não só -, a intervenção pauta-se tendencialmente por um tom corrosivo e por conteúdo ideologicamente carregado. No domingo, Jerónimo de Sousa fa-lo-á pela 14ª vez. Não deve fugir ao estilo habitual instituído originalmente por Álvaro Cunhal. Mas pode, à semelhança dos últimos anos, trazer novidades orçamentais. Será o terceiro do género desde que a “geringonça” começou e com um ano eleitoral à porta.

Medinismo e Pedronunismo cruzam-se em terreno comunista

Desde sempre que a festa serviu para marcar o início do novo ano político. E nunca fechou a porta a figuras de partidos adversários. Marcelo Rebelo de Sousa era uma das personalidades pertencentes a outro espectro ideológico que mais vezes eram vistas no recinto. Desde que foi para Belém, deixou de participar. Mas recentemente os comunistas conquistaram um fã do festival em terras alheias: Pedro Nuno Santos. O secretário de estado dos Assuntos Parlamentares vai passar pela Festa do Avante! pelo terceiro ano consecutivo, num ritual da diplomacia da “geringonça”.

Mas, pelo segundo ano consecutivo, não vai ser o único socialista a passar pela Quinta da Atalaia. Há outro com quem corre o risco de se cruzar, e não é um socialista qualquer: é o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina. O autarca justifica a presença na festa por ser filho de dirigentes comunistas.

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Medina e Pedro Nuno representam duas alas diferentes dentro do Partido Socialista e são os dois homens apontados no interior do PS como os principais candidatos a uma futura liderança do partido. Não será concerteza em terreno comunista que vão disputar apoios, mas não deixa de ser curiosa a coincidência. Medina chegará pelo final da manhã, Pedro Nuno tem visita agendada para o início da tarde.

De todas as rentrées políticas, A Festa do Avante! é a que mais pessoas consegue reunir e a que mais mediatismo atrai. Enraizada na cultura comunista, costuma atrair muita gente para além dos círculos políticos. Em grande parte, devido aos concertos que acontecem nos vários palcos da festa. Este ano, Xutos & Pontapés, Jorge Palma, Sérgio Godinho, Capitão Fausto ou Dead Combo são alguns dos nomes que vão marcar presença no evento.

Com um teor menos político, Jerónimo de Sousa vai inaugurar a Festa do Avante! esta sexta-feira com uma pequena intervenção às 19h00, como é habitual. No sábado, o secretário-geral do PCP vai passar pelo Espaço Criança para falar “atenção dada na Festa do Avante! à luta para afirmar direitos a crianças e pais num Portugal com futuro”.

O que esperar do discurso de Jerónimo de Sousa

O discurso ainda não está escrito. Em 2016, Jerónimo de Sousa falou pela primeira vez na Quinta da Atalaia depois da formação da “geringonça”. Tinham passado onze meses desde as eleições legislativas que culminaram com a atual solução de governo. Internamente, os comunistas digeriam ainda a nova realidade, pesando as vantagens e desvantagens. O acordo parlamentar entre os partidos de esquerda e o PS era ainda uma novidade e não tinha convencido todos os comunistas. Meses antes, as questões em torno da continuidade do secretário-geral no cargo tinham sido tema de debate e de análise nos mais diversos fóruns. Mais do que falar para o país, Jerónimo de Sousa tinha de falar para dentro, dando uma prova de força e de confiança. Assim foi.

A sua intervenção serviu para deixar algumas críticas ao PS, destacar a importância do partido no condicionamento da governação e estabeleceu ainda as diretrizes sobre as quais iam reger-se as conversas sobre o Orçamento do Estado para 2017 quando o PCP se sentasse à mesa das negociações. Vangloriou-se por ter conseguido que o PCP mantivesse “ total liberdade e independência políticas, agindo em função do que serve os interesses dos trabalhadores”; e apresentou as condições para aprovar o OE: “descongelamento das carreiras na Administração Pública”, “aumento do salário mínimo nacional para 600€” e das pensões, com “um aumento mínimo não inferior a 10€ por mês”.

Se em 2016 a desconfiança ainda podia ser percetível nas hostes comunistas, em 2017 esse sentimento deu lugar à confiança na influência do PCP junto do Governo. No ano passado, o discurso de Jerónimo de Sousa foi, em parte, marcado pelas eleições autárquicas que aconteciam um mês depois – que se revelariam muito duras para o partido, que perdeu 10 presidentes de câmara, nove dos quais para o PS. O secretário-geral voltou a passar em revista os feitos conquistados pelos comunistas e renovou as críticas ao Governo. Pelo meio, lançou as primeiras pistas sobre a estratégia para o Orçamento do Estado para 2018.

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Quando subir ao palco principal da festa no domingo, e avaliando pelas intervenções que tem feito na Festa do Avante! desde que a “geringonça” se formou, Jerónimo de Sousa vai certamente trazer no bolso exigências sobre o orçamento, críticas às limitações impostas pelo PS nos avanços que o PCP queria que tivessem ido mais longe e uma análise ao ano político que se segue. Do PCP, a única garantia dada ao Observador é que se falará “na situação política” atual. Deve, por isso, abordar temas como a divergência entre professores e o Governo, o estado da ferrovia, o impasse da CGD ou a falta de condições no SNS têm sido causas pelas quais os se têm batido nas últimas semanas.

Um arranque a falar dos prejuízos da Festa

Na edição desta sexta-feira, primeiro dia da Festa do Avante!, o Jornal de Negócios avançou com a notícia (acesso limitado) de que nos últimos quatro anos a festa teve um resultado líquido negativo de quase um milhão de euros. Segundo o diário, o PCP registou prejuízos 941 mil euros com a Festa do Avante! desde 2014, invertendo o rumo de lucro até então alcançado. Os dados foram fornecidos pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP).

Já esta sexta-feira, o PCP reagia à notícia através de um comunicado em que recusa “as insinuações de secretismo que acompanham a peça” e onde justificam o aumento dos gastos nos últimos anos:

As contas da Festa não podem ser vistas nos últimos quatro anos à margem dos importantes investimentos ali realizados para ampliar a área, proporcionar melhores condições aos visitantes e prosseguir a valorização e diversificação da oferta cultural. Reduzir a Festa do Avante! a uma iniciativa de angariação de fundos só pode ser expressão de uma visão economicista”, escrevem os comunistas

A Festa do Avante! vai decorrer entre esta sexta-feira e domingo, na Quinta da Atalaia. Além das intervenções políticas, vai contar com concertos, exposições, atividades desportivas e debates temáticos.