Johnny Hooker tinha seis ou sete anos quando viu o filme “Na Cama com Madonna” (1991). Foi um daqueles momentos em que é isto ou é isto, outra coisa não será. E não foi. Hoje, com 31 anos, o músico de Recife é um dos rostos mais vivos do movimento artístico LGBT brasileiro (onde se encontram vozes como Liniker, Linn da Quebrada, Filipe Catto, entre outras) e está prestes a estrear-se em Portugal, com uma tour europeia que o traz ao Musicbox (esteve lá esta sexta e regressa na e terça, dia 11), ao Piquenique Dançante Sobre a Relva, no Porto (sábado) ao Milhões de Festa, em Barcelos (domingo), tudo para ficar mais perto do povo português.

E esta não é mais uma história de um músico brasileiro que fazia muito gosto em tocar em Portugal à boleia da língua e de tudo o que mais estes dois países partilham. No início de 2018, Johnny esteve em Lisboa e além do carinho sentido na rua – a data esgotada de dia 7 no Musicbox foi uma prova disso mesmo – fez questão de ir ao Finalmente. “Fui no Finalmente ver esse show drag tão histórico e aí, sem querer, achei um menino que faz covers das minhas músicas nas boites de Lisboa, fiquei muito emocionado, senti que a gente tinha de vir dar um show aqui ainda no verão”, conta, por telefone. Da mesma forma como Madonna contaminou a criança que Johnny Hooker era, há alguém, bem mais velho, deste lado do Atlântico, a ser contaminado pela canção popular, com tanto de drama quanto de dança, do pernambucano.

Nesse capítulo, Hooker tem dois discos editados, Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito! (2015) e Coração (2017). Objectos onde combina uma ideia glam de um rock tropical, minado de Bowie no seu aspeto mais visual e performático, com uma carga popular e reflexiva, desafiadora, que nem Caetano Veloso. E, logicamente, as duas referências aqui utilizadas não são ao acaso.

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“A minha mãe me mostrou David Bowie, idolatrava, isso foi passando para mim. E mais na adolescência quando descobri a música apareceu Caetano Veloso e me apaixonei profundamente, Caetano também é um artista provocador, também provoca o olhar, o pensamento, ele fala sobre o Brasil de uma forma muito direta e crua, é bonito e chocante”, conta.

Ora se a estes dois astros juntarmos a já mencionada Madonna temos a tríade de ídolos de Hooker, que teima em não largar.

E ainda não é desta que largamos Madonna. É que no dia 14 de Junho de 2018, primeiro dia do Campeonato do Mundo 2018, Johnny Hooker fazia a seguinte publicação no Twitter:

“Nessa copa todo jogo do Brasil vai ter exibição de uma tour de Madonna diferente aqui em casa sincronizada com o jogo para minimizar qualquer potencial de heterossexualidade no ar”.

Tweet que, mais certo que o destino que nem sempre mostra ser assim tão certo, gerou barulho cibernético. E dizemos certo, certinho porque as reações discriminatórias contra as diversas publicações do músico não são de agora: “A sociedade brasileira é ultra conservadora e ultra religiosa, apesar dessa imagem de carnaval, de liberdade, sexo, a gente não é nada disso. Então, desde que eu existo, que fiz o mínimo sucesso, que as pessoas me atacam porque não querem que os LGBT coloquem as questões deles, eles não querem que nenhum gay tenha voz, a gente tem visto uma ascensão do discurso de ódio, de extrema-direita que é muito preocupante, parece que a internet liberou os demónios, o racismo, a homofobia, é muito assustador ser LGBT no Brasil”, desabafa.

O susto, por norma, afasta-se assim, chutando-o para longe, continuando a fazer o que até aqui se fez e se julga ser o que tem de ser feito. E isso, neste caso, é música. Nesse sentido, Johnny Hooker e a restante geração com preocupações LGBT tem dado uma valente lição de insistência “ao país que mais mata gente LGBT no mundo”, como afirma Johnny. E por mais que o trajeto seja longo e a estrada seja curta, teremos sempre a música.

“A música no Brasil sempre foi uma grande barricada de resistência, fico muito feliz que tem essa geração que traz essas questões, e que é filha de um movimento progressista no país e até no mundo. Desde a redemocratização do Brasil, depois da Ditadura, não houve esforços governamentais suficientes em relação à promoção dos direitos LGBT, a gente sofre de um subrepresentação institucional, só há um deputado gay assumido no Congresso, assassinar pessoas LGBT durante a ditadura era uma política de Estado, nesses 30 anos pouco se andou. A música brasileira sempre vem como uma bandeira, para provocar o olhar das pessoas”, afirma.

Recuemos ao tweet anti-Campeonato do Mundo, para que nos possamos servir dele como exemplo de uma sociedade fechada onde todos têm de gostar de futebol e vibrar com eventos de escala internacional. “Eu, enquanto menino nordestino gay já fui perseguido, você não joga à bola no colégio e todo o mundo xinga. Se eu não gosto de futebol, me deixa não gostar”, diz antes de continuar: “É sempre assim no Brasil, tem essa coisa do autoritarismo, a sociedade brasileira quer ser outra, ela no século XVIII sonhava em ser francesa, no século XX ela sonha em ser americana, mas ela nunca sonha em ser ela mesma. Nos últimos 15 anos, querendo ou não, este governo de esquerda olhou para a gente, a gente teve Gilberto Gil como ministro da Cultura, porra. Mas teve gente muito incomodada com isto, tem gente que prefere que a gente seja Miami, nada contra Miami, é só porque a gente é outra coisa”.

Por muito que isto seja música, nem só de música podemos falar. A condição de Johnny Hooker assim o dita, as canções que faz assim o manifestam. Sobretudo em vésperas de Eleições Gerais no Brasil, em Outubro. “Está todo o mundo de cabelo em pé, esse Brasilzão que é o primeiro lugar em assassínio de LGBT no Mundo, o quinto em feminicídio, onde existe um genocídio da juventude negra em curso nas periferias, você dá poder a um projeto de extrema-direita? Isso vai dar guerra civil, seria o apocalipse”, avisa. Até porque, convenhamos, há outras possibilidades de apocalipse mais interessantes, como aquelas que Johnny Hooker pode provocar numa das suas datas em Portugal. É estar por perto.