Afinal, o conselho nacional do PSD convocado para esta quarta-feira, nas Caldas da Rainha, não vai votar as propostas de alteração dos estatutos do partido, tal como estava previsto na ordem de trabalhos. A informação foi confirmada ao Observador pelo secretário-geral do PSD, José Silvano, também coordenador do grupo de trabalho dedicado ao tema, que explica que “algumas distritais mostraram vontade de ter mais tempo para debater as propostas internamente”.

Em causa estão propostas de alteração dos estatutos que foram apresentadas no congresso de fevereiro, mas que não chegaram a ser votadas, tendo vindo a ser debatidas desde então no âmbito de um grupo de trabalho. No dia 29 de agosto, o grupo de trabalho consensualizou um conjunto de propostas, e seriam essas propostas que iriam a votos esta quarta-feira no conselho nacional. Entre elas encontram-se, por exemplo, algumas ideias consideradas “inofensivas”, como a realização de uma convenção nacional entre congressos, ou a criação da figura do provedor do militante, mas também outras como o pagamento de quotas preferencialmente por débito direto para evitar o pagamento massificado de quotas. As propostas seguiram para as distritais, e deveriam ser votadas esta quarta-feira mas, de acordo com José Silvano, algumas distritais alertaram a direção do partido de que cabe às assembleias distritais analisá-las (e não às comissões políticas distritais), pelo que era preciso mais do que apenas 12 dias para as convocar e para debater.

“O grupo de trabalho não se opõe a que a votação seja adiada para o próximo conselho nacional”, disse Silvano, sendo que o próximo conselho nacional será daqui a dois meses, entre novembro e dezembro.

Fontes contactadas pelo Observador mostraram-se de pé atrás face a este adiamento por recearem que estejam a ser preparadas outras alterações aos estatutos do partido que, de uma forma ou outra, venham a funcionar como “blindagem” ao líder do partido, para “tornar a sua liderança intacta”. Numa altura em que Rio tem entrado em guerra aberta com os críticos internos, sugerindo mesmo que abandonem o partido em vez de o tentarem “destruir” por dentro, várias são as vozes que, em surdina, vão pensando no que vai acontecer até às eleições — e depois delas. Rio já disse, na festa do Pontal, que pretende cumprir os mandatos até ao fim, como sempre fez, e na memória dos críticos está ainda uma frase dita pelo vice de Rio, David Justino, ainda na fase de campanha das direitas, onde sugeriu que o PSD se devia “habituar” a não correr com os líderes quando perdem eleições.

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Um dos conselheiros habitualmente visto como desalinhado, Luís Rodrigues, afirma ao Observador que não vai abdicar do seu tempo no conselho nacional para dar a sua visão da situação político-partidária. No seu entender, Rio deve cumprir o mandato até ao fim, mas se, por um lado, não deve disparar contra os opositores internos — “porque temos de saber transmitir as mensagens próprias no momento certo” –, também os putativos candidatos ao pós-Rio não se devem posicionar já. “Não é altura para se apresentarem porque isso prejudica a imagem do partido”, defende.

Outra fonte ouvida pelo Observado põe o período de discussão do Orçamento do Estado (que vai decorrer até novembro) como o deadline para Rio provar que consegue descolar nas sondagens. Os 24% atribuídos ao PSD na recente sondagem da Aximage assustaram os sociais-democratas, que registam a quebra face aos 27% de intenções de voto que Rio tinha quando assumiu os comandos do partido debaixo de muita contestação interna. “Se o PSD não crescer significativamente durante, ou depois, do debate do Orçamento do Estado é porque não conseguiu mostrar aos portugueses qual é a alternativa para o país que defende”, diz a mesma fonte.

Rio vai apresentar proposta para a saúde. Conselheiros queriam ver documento antes

Sem a “discussão e votação das propostas de alteração estatutária”, o conselho nacional, que é o órgão máximo entre congressos onde se faz habitualmente a “análise da situação política”, fica com mais tempos para a análise política, restando apenas dois pontos na agenda: 1) “aprovação do regulamento eleitoral” e 2) “apresentação e debate do documento estratégico para a política de saúde”. Mas também aí os conselheiros estão de pé atrás. É que, no início desta semana, os conselheiros receberam a proposta da direção com as alterações ao regulamento eleitoral, mas não receberam o tal documento estratégico para a política de saúde. O que quer dizer, no entender de várias fontes ouvidos pelo Observador, que a direção do partido está “com pouca vontade de dialogar”.

“Depois da polémica que houve sobre esse documento, se quisessem mesmo que fosse debatido já tinham enviado o documento para as pessoas. Assim parece que não querem que seja debatido”, diz um conselheiro ao Observador, lembrando os percalços do pré-anunciado documento com a política do PSD para a saúde que já era para ter sido apresentado em julho, mas que foi adiado devido às críticas. Elaborado no âmbito do Conselho Estratégico Nacional, o documento foi visto com maus olhos por alguns dirigentes sociais-democratas por alegadamente, numa das suas versões, prever a possibilidade de o utente escolher entre ser tratado no setor público ou no privado, o que foi visto como um passo para a privatização da saúde. De acordo com o jornal Público, essa espécie de privatização levou até a ameaças de demissão por parte de dois membros da comissão política nacional numa reunião em meados de julho — ameaças essas que foram desmentidas pela direção do partido num tweet polémico onde o PSD personalizou o ataque a uma jornalista do jornal Público.

Caberá ao presidente do partido fazer a apresentação da proposta do Conselho Estratégico para a política de saúde, esperando-se depois algum debate sobre o tema. Um dos conselheiros disse ao Observador que a informação que tinha por parte da mesa do conselho nacional era de que o documento só “seria distribuído na altura”, mas alguns conselheiros queriam ter acesso prévio para o poderem analisar — “e pedir opiniões a quem domina o tema”.

No discurso que fez na festa do Pontal, há duas semanas, Rui Rio dedicou uma parte da intervenção ao tema da saúde, e aos problemas sentidos no SNS, e aproveitou para se defender logo das críticas. “Sou social-democrata desde antes do 25 de Abril — não sou liberal nem socialista — e o que é que isto quer dizer? Que defendo a iniciativa privada, mas nunca rejeitarei a intervenção do Estado sempre que ela é necessária. E na saúde, o Estado tem de ser o primeiro protagonista, não só por imperativos constitucionais mas porque é o que acreditamos para a defesa do SNS”, disse.

Recordando que o primeiro-ministro tinha acusado o PSD de querer privatizar a saúde, devido às notícias que surgiram sobre a primeira versão do documento social-democrata, Rui Rio disse que António Costa estava apenas a “agitar um papão que ele próprio sabe que não existe” para “distrair os portugueses dos reais problemas no setor da saúde”.