A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tem divulgado esta semana um conjunto de deliberações concluídas até ao final do primeiro trimestre de 2018. Entre os problemas identificados contam-se a morte dos doentes por erros nos procedimentos, a falta de intervenção atempada ou as transferências entre hospitais, entre outras situações com impacto na saúde e vida dos utentes. As situações que agora foram alvo de instrução dizem respeito aos anos de 2016 e 2017.

Só em 2017, a ERS recebeu 70.120 reclamações, segundo um relatório publicado em maio de 2018. Os três motivos mais frequentes para reclamações dizem respeito a procedimentos administrativos, tempos de espera e a relação entre os utentes e os profissionais de saúde. Ainda durante o ano de 2017, já tinham sido emitidas decisões relativas a 62.579 processos de reclamações, elogios ou sugestões (de um total de 80.049 processos).

Os erros médicos

Uma utente que se encontrava internada no Hospital de Faro, depois de ter sido operada a uma fratura no colo do fémur, caiu da cama durante o internamento. A utente acabou por falecer dois dias depois. Este não foi, contudo, o primeiro caso de queda nesta unidade hospitalar. A ERS concluiu que os procedimentos levados a cabo pelo Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA) “não se revelaram aptos nem suficientes para a proteção dos direitos e interesses legítimos da utente em causa”. Daí que tenha emitido uma instrução para o CHUA “garantir de forma permanente a existência dos recursos materiais necessários para a prevenção adequada do risco de queda dos utentes” e que cumprisse as normas para a identificação das causas do problema.

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O serviço de atendimento permanente do Centro de Saúde de Oliveira do Hospital recebeu um doente idoso com um episódio de urgência que não foi devidamente tratado e acabou por resultar na morte do utente. A ERS concluiu que a “qualidade dos cuidados prestados não foi a mais adequada nem tempestiva – tanto mais quando se tratava de um idoso num estado geral de debilidade”. Mais, “atentos os indícios existentes, a atuação do prestador não se orientou por uma lógica preventiva, a qual apontaria, desde logo e conforme resulta do Parecer do Perito consultado pela ERS, para a necessidade de, pelo menos, o utente não receber alta médica imediatamente no próprio dia, antes devendo ser observado novamente ou realizar exames adicionais”.

Na instrução ao Agrupamento de Centros de Saúde Pinhal Interior Norte, que detém o centro de saúde em questão, a ERS diz que a unidade de saúde deve “garantir, numa lógica preventiva de atuação, a realização de todos os meios complementares de diagnósticos aplicáveis de acordo com as boas práticas clínicas vigentes, assegurando uma adequada prestação de cuidados de saúde face ao hipotético diagnóstico em presença, se necessário articulando, para esse efeito, o reencaminhamento célere do utente para outras unidades hospitalares”. Nenhuma destas situações se verificou na prestação de cuidados ao doente.

Uma das reclamações recebida na ERS indicava que a Unidade Local de Saúde da Guarda teria trocado os medicamentos de duas doentes, de idade e nome similar. Apesar de uma das doentes ter falecido poucos dias depois, a ERS não encontrou indícios de que a morte se devesse à troca de medicação, mas à situação clínica grave em que já se encontrava a doente. O perito médico consultado confirmou que o “registo clínico efetuado que não correspondia à doente”, mas também afirmou que “não existe evidência de troca de medicação entre doentes”. Ainda assim, a ERS “propõe a emissão de uma recomendação à ULS da Guarda, no sentido de assegurar, de forma permanente e em qualquer situação, o registo fidedigno, completo, organizado e atualizado no processo clínico dos utentes de toda a informação relativa à sua situação clínica”.

Uma criança de sete deu entrada no Hospital de São José, depois de encaminhada pelo Hospital de Torres Novas e pelo Hospital Dona Estefânia, com uma obstrução no ouvido. No parecer da ERS, a criança “deveria ter sido imediatamente intervencionada em contexto de serviço de urgência” ou, não o sendo de imediato, deveria ter ficado internada para uma intervenção em momento a programar. Mas a médica que observou a criança acabou por mandá-la para casa com a recomendação que marcasse consulta no centro de saúde. A família optou por levá-la a uma unidade particular onde foi operado para tirar o lápis que tinha no ouvido, noticia o jornal de Notícias.

“Enquanto Serviço de Urgência Polivalente em que se constitui, deve prestar os cuidados de saúde de forma efetivamente tempestiva, antecipatória, preventiva e garantidora do bem-estar e saúde dos utentes, não os reenviando para os centros de saúde para agendamento de nova consulta nem os sujeitando a períodos de espera excessivos”, refere a ERS na instrução emitida.

Uma utente ficou com uma compressa esquecida depois sutura do períneo (entre a vagina e o ânus) após o parto. O parto e a sutura ocorreram na Maternidade Alfredo da Costa, pertencente ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, mas só mais de uma semana depois o problema foi identificado no Hospital do Litoral Alentejano, em Santiago do Cacém, onde a utente deu entrada de urgência com uma compressa putrefacta esquecida na vagina, noticia o Correio da Manhã. A ERS considera que a unidade hospitalar deve garantir que todas as compressas usadas para estancar o sangue são retiradas e que nada deve ficar esquecido no doente.

Há pelo menos cinco reclamações por falta de anestesistas no Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães. Na instrução emitida a ERS lembra que as grávidas têm direito à analgesia durante o parto — incluindo a epidural —, que o hospital deve garantir que tem asseguradas as escalas de anestesistas e que, caso não tenha, encaminhe os utentes para outro hospital.

Os tempos de espera

Em novembro de 2016, um utente realizou uma TAC (tomografia axial computorizada) por causa de um problema de pedra nos rins. O exame foi feito no seguimento de uma consulta de urologia no Hospital Distrital de Santarém, mas o doente nunca foi chamado para conhecer o resultado do exame. Só teve acesso aos resultados 10 meses depois quando foi a uma consulta. “Importa que o prestador adote procedimentos internos aptos a assegurar que os resultados de quaisquer exames complementares de diagnóstico por si realizados, sejam comunicados aos utentes, da forma mais expedita possível”, refere a ERS.

A 28 de novembro de 2017, um utente viu finalmente a operação bariátrica realizada pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central. O utente esperou 383 dias pela intervenção apesar de o seu grau de prioridade determinar que não podia exceder os 270 dias e isto depois de já ter esperado 580 dias desde que tinha iniciado o percurso para tratamento cirúrgico da obesidade. Por isso, a ERS emitiu uma instrução para que o centro hospitalar em questão garanta os Tempos Máximos de Resposta Garantidos, emitindo os devidos vales de cirurgia caso não consiga dar resposta em tempo útil.

Os Tempos Máximos de Resposta Garantidos também não foram respeitados no agendamento de uma consulta da especialidade de Cirurgia Vascular no Centro Hospitalar de S. João, no Porto. Mais, o centro hospitalar rejeitou por duas vezes o pedido de agendamento de consulta solicitadas pelo Agrupamento de Centro de Saúde Grande Porto III – Maia/Valongo.

Outro utente, na Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (ULSNA), viu cancelada por duas vezes a consulta da especialidade da tiroide. “A utente teve consulta marcada para os dias 5 de setembro de 2016, 23 de janeiro de 2017 e 28 de agosto de 2017, tendo a mesma sido apenas realizada em 18 de setembro de 2017, um ano após a primeira marcação”, refere a ERS.

“Não é aceitável que por causa imputável à ULSNA, a utente tenha esperado mais de um ano pela consulta de seguimento de que precisava, o que é particularmente relevante se considerarmos que a situação da utente não é única, porquanto houve outros utentes que viram as suas consultas adiadas e tardiamente remarcadas, conforme registos de agendamento remetidos pelo prestador aos autos”, nota a ERS.

Dois utentes do Centro Hospitalar de Lisboa Central tiveram de esperar seis dias por uma cirurgia na especialidade de ortopedia no contexto de um episódio de urgência. Na instrução emitida, a ERS entende que o centro hospitalar deve “garantir que todas as cirurgias cuja necessidade de realização seja aferida em contexto de urgência sejam realizadas nas primeiras 48 horas após a admissão do utente” e, caso não tenham possibilidade de o fazer, que transfiram o doente para outro hospital.

As transferências são outro dos problemas identificados pela ERS. Um utente foi transferido do Centro Hospitalar de Leiria (CHL) para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), sem que a família fosse previamente informada, não cumprindo o direito ao acompanhamento previsto por lei. O mesmo utente foi sujeito a duas novas transferências hospitalares no espaço de 24 horas, do CHUC para o Hospital de Santo André, que também integra o Centro Hospitalar de Leiria, e, daí, novamente, para o Hospital Distrital de Pombal (CHL). A ERS emitiu uma instrução para os dois centros hospitalares e uma recomendação para Instituto Nacional de Emergência Médica.