As Portas de Benfica separam Lisboa da Amadora, mas também famílias que recebem manuais gratuitos em toda a escolaridade obrigatória de outras com faturas que podem facilmente chegar aos 400 euros, um exemplo, entre muitos, de um país desigual.

Construídas como um posto alfandegário, as Portas de Benfica, que obrigaram durante muitos anos ao pagamento de um imposto para quem queria entrar na capital com mercadorias, voltam agora a definir uma fronteira com custos para quem está fora de Lisboa.

Quem vive na capital recebe gratuitamente da autarquia manuais durante toda a escolaridade obrigatória, enquanto ‘fora de Portas’, na Amadora, só são beneficiados os alunos abrangidos pela medida do Governo, que oferece os livros até ao 6.º ano. Este é apenas um exemplo que deixa de fora os alunos de escolas que distam pouco mais de um quilómetro do agrupamento de escolas de Benfica, em Lisboa.

Segundo contas feitas pela Lusa ao preço médio do cabaz de manuais pedidos pelas escolas, as famílias gastam sempre mais de 200 euros (no 9.º ano), podendo passar os 400 euros no ensino secundário.

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Quem tenha um filho no 7.º ou no 8.º ano e decida comprar todos os manuais e livros de atividades gasta cerca de 330 euros. No 9.º ano, a fatura desce para os 230 euros, mas no secundário volta a subir, podendo chegar aos 400 euros nos anos finais de ensino, segundo contas feitas pela Lusa com base nas listas de manuais disponibilizadas pelas escolas.

A Câmara de Lisboa decidiu pagar os manuais até ao 12.º ano, indo além daquilo que o Estado se compromete a oferecer a todos os alunos da escola pública (1.º e 2.º ciclos).

Mas este não é um caso único. No distrito de Faro, por exemplo, os alunos de Olhão recebem gratuitamente todos os manuais até terminarem a escolaridade obrigatória, ficando em vantagem em relação aos estudantes de outras cidades algarvias, como Loulé, que financia até ao 9.º ano, ou Faro, que se fica pela gratuitidade garantida pelo Estado.

O mesmo acontece com os alunos da Vidigueira, no distrito de Beja, de Vinhais e Macedo de Cavaleiros (ambos em Bragança), em Figueira de Castelo Rodrigo (Guarda) ou em Oleiros (Castelo Branco), segundo um levantamento feito pela Agência Lusa.

Estas são algumas das autarquias que decidiram financiar os livros até ao final do secundário o que pode significar uma poupança de mais de 300 euros por ano.

A estes valores, as famílias são confrontadas com uma longa lista de material escolar que não tem deixado indiferente as autarquias.

Mesmo não oferecendo os manuais até ao final da escolaridade obrigatória, muitas câmaras têm ido além do que é oferecido pelo Ministério da Educação.

Há quem ofereça livros até ao 3.º ciclo, como é o caso da vila alentejana de Barrancos ou de Vila Flor, em Bragança, e Vila Velha de Ródão, em Castelo Branco.

Muitas autarquias do país oferecem aos alunos os livros de fichas e atividades para os anos em que o Estado garante os manuais gratuitos, numa lógica de complementaridade.

Há quem dê ao privado aquilo que o Estado só garante para o público, como a autarquia de Braga, ou quem disponibilize dois manuais a todos os alunos do 7.º ao 12.º ano, independentemente de frequentarem escolas públicas ou privadas (caso do Barreiro).

Outras autarquias optaram por dar liberdade às famílias para escolher: em Santo Tirso, Vila Nova de Gaia, Espinho, Oliveira de Azeméis e Murtosa atribuem cheques para que possam escolher o que mais precisam.

Os alunos da Murtosa, em Aveiro, que decidam completar o ensino secundário no concelho recebem ainda uma bolsa de estudo anual de 400 euros.

Existem outras autarquias, como Oeiras ou Melgaço, que preferem concentrar os apoios nos alunos carenciados, aumentando os ‘plafonds’ já definidos pela ação social escolar.

O resultado é um país desigual em termos de financiamento da educação pública e de apoio às famílias.

“É verdade que umas autarquias favorecem mais, outras menos. Seria bom que ao nível da Associação Nacional dos Municípios Portugueses pudessem pensar em equilibrar e tornar mais equitativo os apoios que as autarquias dão aos seus munícipes. Acho que é uma questão de igualdade”, disse à Lusa Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).

Nem Jorge Ascensão, nem Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), têm conhecimento de que esta situação desigual tenha colocado pressão nos concelhos onde as autarquias são mais generosas para com as famílias, motivando, por exemplo, matrículas em escolas de concelhos vizinhos, recorrendo à morada do local de trabalho, e não de residência, dos encarregados de educação, para beneficiar de maiores apoios.

Filinto Lima acredita mesmo que o processo de pressão até poderá ser “o inverso”, ou seja, as autarquias com menos apoios tentarem acompanhar aquelas que mais ajudam as famílias.

Para já, os limites orçamentais fixaram para 2018-2019 a gratuitidade dos manuais até ao 6.º ano de escolaridade, mas as pressões partidárias nas negociações do próximo Orçamento do Estado já se fazem sentir.

O PCP quer que o orçamento de 2019 preveja manuais gratuitos cedidos a título definitivo aos alunos até ao 12.º ano, ou seja, abrangendo toda a escolaridade obrigatória.