O canil municipal de Leiria deixou de abater animais abandonados desde 2016, apesar de o espaço estar em sobrelotação, revelou à agência Lusa a vereadora da Câmara de Leiria Ana Esperança.

“Desde 2016 que tomámos a difícil decisão e antecipámos o início da lei, deixando de receber animais para abate. E não abatemos por lotação ou sobrelotação”, revelou a vereadora com o pelouro do serviço médico-veterinário na Câmara de Leiria.

Admitindo que a lotação do espaço está “sempre esgotada”, a autarca afirma que há sempre “alguma rotatividade” de animais e que nem sempre os cães identificados como errantes são recolhidos para o canil, precisamente devido à sobrelotação. “Deslocamo-nos ao local e, muitas vezes, só recolhemos o animal se ele estiver ferido ou se estiver em risco a sua saúde ou a da população. A lei obriga-nos a recolher o animal na via pública, mas, por outro lado, não permite que o coloquemos num sítio onde possa não ser bem tratado. Se o animal estiver bem de saúde, integrado na zona e não colocar em risco nem a saúde da população nem a sua própria saúde, muitas vezes, fica no local”, confessou Ana Esperança.

O médico veterinário municipal, Flávio Amado, acrescentou que “cumprindo a lei, com a lei”, é a forma que tem para gerir o canil. “Somos seletivos na recolha, mas nunca deixamos nenhum animal sem ser observado”, reforçou.

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Flávio Amado considerou que apesar das dificuldades que trouxe o fim do abate, em 2016, no canil de Leiria, esta decisão “trouxe algo de bom, que foi a consciencialização das pessoas de que existe um problema”. “Esse problema é gerado pela população, porque temos défices de educação e de formação. Desta forma, haverá falta de dignidade no tratamento do animal”, constatou o veterinário, afirmando que o abandono só será resolvido quando houver consciencialização de não tratar “os animais como coisas, mas como seres com necessidades e com sentimentos”.

Há vários anos que Leiria procura um espaço para um novo canil. Ana Esperança admitiu que a Câmara precisa “urgentemente de construir”, embora garanta que o espaço atual tem “as condições dignas para os animais”. “Há cerca de três ou quatro anos que andamos à procura de um terreno, que não pode estar no meio das casas e que tivesse alguma área que permitisse o crescimento e fazer um conjunto de atividades, nomeadamente uma sala de formação, onde possamos trabalhar com as escolas”, disse Ana Esperança.

Para a vereadora, é “fundamental o trabalho de sensibilização com os mais pequenos para a adoção responsável, para o que é ter verdadeiramente um animal”.

O terreno, com “pouco mais de 10 mil metros quadrados”, foi encontrado. “Estamos na fase de fazer a escritura do terreno. Gostaria muito que durante o ano de 2019 pudéssemos ter essa obra. Temos tentado melhorar as condições do nosso canil. Fizemos uma sala de recobro, porque todos os animais que são doados no nosso canil já são esterilizados. A segunda fase será esterilizar todos os que aqui temos, pois uma das soluções para este problema será a esterilização”.

Em breve, serão também construídas mais “duas ou três celas”. “Não vão resolver o problema, porque nem a construção do novo canil vai resolver o problema de excesso de animais”.

A solução, insistiu Flávio Amado, passa pela “educação e formação da população”, que deve estar “sensibilizada”. Aliás, uma das estratégias para dar resposta ao aumento de animais errantes será “recolher, esterilizar e devolver” os animais às ruas. Esta é também a solução apontada pela vice-presidente da Associação Zoófila de Leiria, Ana Morgado.

Sem gatil, esta será também a opção para os gatos abandonados. “Temos parcerias com associações e o objetivo é que giram as colónias [gatos] de forma a fazer o programa CEDE: captura, esterilização e devolução”, referiu o médico, ao afirmar que a eutanásia continua a ser permitida nos casos de “extrema doença grave, situações de agressividade ou de evidências de que o animal não tem capacidade para ser adotado, não tem integração com os seus congéneres ou com a população em si”.

Ana Morgado considera que o fim do abate – medida que aplaude – vai ser “caótica”. “Desde que saiu a lei do não abate, o nível de abandono na região de Leiria aumentou drasticamente. Leiria não está preparada porque não fez o trabalho que inicialmente deveria ter sido feito”, nomeadamente a “sensibilização das pessoas”, que “entregam os animais porque mudam de casa ou porque mordeu ou destruiu as flores”.

Na Associação Zoófila de Leiria, criada em 1999, estão 58 animais e outros dez em famílias de acolhimento. A associação recebe “100 mensagens por dia” na sua página a denunciar a presença de cães errantes nas ruas, revelou a voluntária. “É humanamente impossível dar resposta a tanto. Nem a associação nem as câmaras municipais conseguem dar resposta a tanto animal abandonado”.

Além da falta de espaço, os custos são também elevados. A associação voluntária tem “mais de 2.000 euros em dívidas nos veterinários” e conta com a ajuda dos sócios. “A Câmara cede-nos as instalações e ajuda com a água”.

A adoção no canil ou na associação nunca dá resposta ao número de animais abandonados. “Se saem dois, tenho dez para entrar”, disse Ana Morgado, explicando que aposta na “adoção responsável” e que procura “adequar o animal à pessoa”. “Se aparecer uma pessoa idosa, não vou dar um cão aos saltos”.

Na visita ao canil de Leiria, a agência Lusa encontrou uma família à procura de um cão para adotar. Vasco Duarte, que foi bombeiro municipal durante 35 anos, no concelho, escolheu um animal de “pequeno porte” para “fazer companhia” à sobrinha e à tia de 90 anos. “Tinha um cão grande, mas ele morreu”.

Vasco Duarte explicou que optou pelo canil, porque “há variedade para escolher e é mais barato do que estar a comprar”. Antes de seguir para a família, o veterinário irá colocar um chip, desparasitar, vacinar e esterilizar o animal.

Flávio Amado confessou que um canil “nunca será um local de bem-estar”, pois “ninguém gosta de estar preso”. “Mas é a população que tem de dar a resposta e adotar de uma forma responsável. Temos de ter noção do espaço que temos, das condições de vida e do nosso quotidiano, de forma que o animal não venha a ser um problema. O que acontece, muitas vezes, é que as adoções são feitas por ‘flash'”, alertou o médico veterinário.