O grande duelo da noite era entre duas das séries mais vistas e mais rentáveis dos últimos anos. De um lado estava “Game of Thrones”, grande aposta do canal de televisão por cabo norte-americano HBO, vencedora do Emmy de melhor série dramática em 2015 e 2016. Do outro lado estava “The Handmaid’s Tale”, série exibida na plataforma de streaming Hulu, que venceu o mesmo prémio Emmy no ano passado — ano em que, por sinal, “Game of Thrones” não esteve elegível a concurso (devido à estreia tardia da sexta temporada). Foram as duas séries com mais nomeações para os prémios Emmy deste ano e, ao contrário do último ano, desta vez enfrentavam-se numa das grandes categorias da noite. Quem levaria a melhor?

A noite (madrugada em Portugal) trouxe a resposta: “Game of Thrones” venceu mesmo aquela que muitos consideram a categoria mais destacada dos prémios, a de melhor série dramática. A estação por cabo que a exibe, HBO, acabou por ter assim um bom prémio de consolação, depois de se ver pela primeira vez ultrapassada nas nomeações (112 contra 108) e igualada nas vitórias (23 galardões cada) por um serviço de streaming televisivo, no caso a Netflix, nos prémios mais prestigiados da indústria televisiva dos Estados Unidos da América. A derrota de “The Handmaid’s Tale” não se cingiu apenas à categoria de melhor série dramática: na categoria de melhor atriz principal, por exemplo, a protagonista Elisabeth Moss era uma das grandes favoritas e viu Claire Foy, do elenco da série “The Crown”, levar o prémio para casa.

A diversidade que não se viu e o pedido de casamento

O anúncio final da vitória de “Game of Thrones” pôs fim a uma longa maratona televisiva de três horas. A 70.ª cerimónia dos prémios Emmy decorreu na noite desta segunda-feira (madrugada em Portugal) no teatro Microsoft, em Los Angeles, no estado da Califórnia. Foi uma gala com poucos momentos memoráveis, ficando na retina a proclamação de uma maior diversidade étnica e racial nas nomeações, por parte de atores, produtores e executivos da indústria televisiva, que não se traduziu em maior diversidade nos vencedores.

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Uma das figuras do entretenimento que o notou foi o multifacetado humorista, apresentador, ator, argumentista, cantor e produtor televisivo britânico James Corden, quando falou em #Emmysowhite (#prémiosEmmytãobrancos) a partir do palco. Não se enganou: nas principais categorias, a atriz Thandie Newton, do elenco de Westworld, foi a única a subir a palco para receber um prémio Emmy, na categoria de melhor atriz secundária de uma série dramática, entre realizadores, atores e argumentistas negros, Regina King foi a segunda atriz negra a vencer um prémio (entre 12), na categoria de Atriz Principal de séries curtas mas com episódios longos e independentes entre si, pelo seu papel em “Seven Seconds”. Sandra Oh, alvo de uma nomeação histórica que a tornou a primeira mulher de ascendência asiática a ser indicada para o Emmy de melhor protagonista de uma série dramática, saiu de Los Angeles sem o prémio.

Num polo oposto, houve um momento memorável e que motivou surpresa e aplausos de quase todos os que se deslocaram ao teatro Microsoft, esta segunda-feira: quando subiu ao palco para receber o prémio de melhor realização de um especial de variedades, musical ou de comédia pelo seu trabalho de direção da cerimónia dos Óscares, feito para a estação televisiva ABC, o produtor e realizador Glenn Weiss, de 57 anos, dirigiu-se à namorada, Jan Svendsen. “Perguntas-me porque é que não gosto de te chamar minha namorada”, introduziu, para logo a seguir responder: “Porque quero chamar-te minha mulher”. Revelando que a sua mãe tinha falecido há duas semanas, Weiss chamou a então ainda namorada, em vias de se tornar noiva, ao palco. Depois de ela lhe dizer o esperado “sim”, colocou-lhe no dedo o anel “que o meu pai pôs à minha mãe, há 67 anos”. Mais tarde, o humorista e apresentador John Oliver agradeceu a Jan Svendsen: “Ainda bem que disse que sim. Poderíamos estar a falar aqui de uma noite completamente diferente”.

Prémios Emmy. O histórico pedido de casamento que ninguém esperava

Na comédia, “Marvelous Mrs. Maisel” goleou “Atlanta”

Na categoria de “Melhor Série Cómica”, o vencedor seria sempre uma surpresa. Afinal, desde 2007, apenas três séries venceram este Emmy e nenhuma estava este ano a concurso. Eram elas “Veep” (que venceu nos três últimos anos), “30 Rock” e “Uma Família Muito Moderna”. A última não foi nomeada para “Melhor Série Cómica” pela primeira vez desde que chegou à televisão, em 2009. A vitória teria, assim, de ir para uma das seis séries nomeadas este ano: “Atlanta”, “Barry”, “black-ish”, “Curb Your Enthusiasm” , “Glow” e “The Marvelous Ms. Maisel”.

“Marvelous Mrs. Maisel”, da Amazon, bateu a concorrência e não apenas na principal categoria destinada às séries de comédia. A série criada por Amy Sherman-Palladino venceu em mais quatro grandes categorias: a de melhor atriz principal de uma série de comédia, pelo desempenho de Rachel Brosnahan (interpreta a personagem Miriam “Midge” Maisel), a de melhor atriz secundária de uma série cómica, devido à interpretação de Alex Borstein da personagem Susie Myerson, a de melhor argumento de uma série humorística e a de melhor realização. O argumento foi escrito por Amy Sherman-Palladino (que também dirigiu) e por alguns colaboradores da criadora da série, como o marido Daniel Palladino, também produtor executivo, Kate Fodor e Sheila R. Lawrence.

A série “Barry” somou também duas importantes vitórias no segmento da comédia, vencendo nas categorias de melhor ator secundário — Harry Winkler, que aos 72 anos e à sexta nomeação venceu o seu primeiro Emmy pela interpretação da personagem Gene Cousineau — e melhor ator principal, conquistado por Bill Hader, que interpreta o protagonista que dá nome à série, Barry Berkman.

Quem saiu praticamente de mãos a abanar, não conquistando nenhuma das principais categorias para as quais estava nomeada (melhor série de comédia, melhores atores principal e secundário de uma série de comédia e melhor atriz secundária de uma série desse segmento) foi “Atlanta”. A série cómico-dramática criada pelo criativo Donald Glover, que também é humorista, DJ, rapper e cantor, que é conhecido na música pelo nome Childish Gambino e que em “Atlanta” é criador, argumentista e ator principal, foi aclamada pela crítica televisiva desde que estreou, mas venceu apenas duas categorias técnicas dos prémios Emmy e uma categoria menor de interpretação, a de Melhor Ator Convidado de uma Série de Comédia, pela prestação de Katt Williams. Estava nomeada para 13 galardões nesta noite.

Pouca política, pouco #Metoo, algumas homenagens

Naquela que foi a primeira cerimónia dos prémios Emmy a decorrer depois das denúncias de assédio sexual de que o grande produtor de Hollywood, Harvey Weinstein, foi alvo, que resultaram depois no aumento de denúncias de sexismo e assédio sexual que resultaram no movimento #Metoo, ouviram-se poucos comentários sobre desigualdade de género na indústria televisiva. Curiosamente, o início da 70ª cerimónia dos prémios Emmy até pareceu sugerir que o tema seria predominante, já que o monólogo inicial dos apresentadores — Michael Che e Colin Jost, humoristas do segmento “Weekend Update” do talk-show “Saturday Night Live” — não fugiu ao tema. “O que Hollywood precisa é de pessoas a desinibir-se no local de trabalho”, apontou corrosivamente Colin Jost, a propósito dos convidados poderem beber álcool na cerimónia dos Emmy. “É uma honra partilhar esta noite com tanta gente criativa e talentosa de Hollywood… que ainda não foi apanhada”, disse ainda Michael Che.

A política era outro dos temas que prometia marcar a cerimónia dos prémios Emmy. O nome de Donald Trump, contudo, não foi explicitamente proferido por nenhum dos principais intervenientes da gala. Os discursos mais explícitos sobre o assunto vieram dos criadores e equipa do programa de reality tv Rupoul’s Drag Race, que venceram um prémio Emmy e apelaram em palco ao amor próprio e ao respeito pela comunidade LGBT, e também de Rachel Brosnahan. A atriz premiada de “The Marvelous Mrs. Maisel” lembrou que a série fala sobre “uma mulher que está a encontrar uma voz e é isso que está a acontecer com o país neste momento”.

“Uma das formas mais importantes de encontrarmos e usarmos as nossas vozes é votar”, apontou Rachel Brosnahan, acrescentando: “Votem, apareçam nas eleições e levem um amigo às urnas. Muito obrigada”.

O que não faltaram foi homenagens às figuras da sociedade norte-americana que morreram desde a cerimónia anterior dos prémios Emmy, não só da televisão. A cantora Aretha Franklin não foi esquecida, como também não o foram o político John McCain, o ator Burt Reynolds e o empresário e fundador da revista Playboy, Hugh Hefner, entre vários outros.