Não, não fomos à Lua apenas naquela vez em que Neil Armstrong deu “um pequeno passo para o Homem, um grande passo para a Humanidade”. Antes já tínhamos viajado até lá, embora sem alunar, duas vezes: uma na noite de Natal de 1968 e outra em maio de 1969. E depois ainda voltámos a pisar a Lua mais cinco vezes até 1972. No total, 24 pessoas chegaram pelo menos perto da Lua. Dessas, uma dúzia alunou efetivamente no nosso satélite natural e abriu um novo capítulo para a exploração espacial.

Quase três décadas depois, a SpaceX, comandada por Elon Musk, voltou a pôr a Lua no horizonte ao afirmar que faria em breve viagens tripuladas até à Lua para fomentar uma nova forma de turismo: a espacial. Esta madrugada deu-nos mais novidades sobre isso: Yusaku Maezawa, a 14.ª pessoa mais rica do Japão, com uma fortuna avaliada em 3,6 mil milhões de dólares, será o primeiro astronauta privado da História. E o primeiro a ir ao espaço apenas para passear.

Yusaku Maezawa nasceu em Kamagaya, uma cidade no distrito japonês de Chiba, a 22 de novembro de 1975. Começou a juntar a sua fortuna quando tinha 18 anos: o japonês decidiu emigrar para os Estados Unidos com uma namorada — deixando para trás uma banda musical — e, de regresso ao Japão, a coleção de álbuns do próprio Maezawa tornou-se a base da primeira empresa, que vendia álbuns e CDs importados pelo correio. A Start Today, nome desse negócio, evoluiu depois para a ZOZO, um site de compras online.

Apesar do sucesso astronómico do japonês dentro do próprio país, o mundo não sabia muito sobre ele até maio de 2016. Nesse ano, Yusaku Maezawa chamou a atenção por ter comprado um quadro sem título do pintor Jean-Michel Basquiat por 57,3 milhões de dólares. Em dois dias havia de gastar um total de quase 100 milhões de dólares em obras de Bruce Nauman, Alexander Calder, Richard Prince e Jeff Koons.  Um ano mais tarde, investiu 110,5 milhões de dólares noutra peça de Basquiat. Bateu um novo recorde nessa altura. E esta madrugada voltou às manchetes por ter comprado não um lugar no novo foguetão da SpaceX, mas todos os lugares disponíveis dentro dele.

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Comprou foguetão inteiro para levar artistas com ele

Assim que a SpaceX marcou a conferência de imprensa para esta terça-feira, começaram as apostas sobre quem seria o aventureiro a bordo do foguetão que pode substituir todos os outros veículos espaciais desenvolvidos pela empresa. Havia duas restrições: devia ser alguém com muito (mesmo muito) dinheiro; e era provavelmente alguém natural do Japão porque quando Taylor Harris — uma reconhecida comentadora do jogo Minecraft — lhe perguntou se seria ele próprio a tripular a viagem, Elon Musk respondeu com um emoji da bandeira nipónica.

Um dos primeiros nomes a surgir foi o de Yusaku Maezawa, o multimilionário e colecionador de arte criador da Start Today: é que Maezawa afirmou ter “uma declaração pessoal a fazer” em meados de setembro. A adensar ainda mais o mistério esteve o facto de, no mesmo dia em que a SpaceX anunciou ter vendido um bilhete para a Lua, o japonês ter partilhado uma imagem negra com a frase “There are no limits” — em português, “não há limites” — no Instagram. Minutos antes de a conferência de imprensa da SpaceX começar, Maezawa também anunciava um direto na sua página de Instagram.

Em frente aos sete motores Raptor que farão parte do foguetão a viajar até à Lua, Yusaku Maezawa admitiu estar nervoso por não saber falar muito bem inglês:

“O meu nome é Yusaku Maezawa e sou do Japão. Podem chamar-me MZ. Finalmente posso dizer-vos que eu escolhi ir à Lua. Estou muito feliz por estar aqui, agradeço muito poder partilhar esta declaração convosco e com gente que nos segue em todo o mundo”, disse o empresário numa referência às palavras de John F. Kennedy quando anunciou os planos de alunar em 1969. “Não comprei um lugar apenas no foguetão. Comprei todos os lugares do foguetão. Isto tem muito significado. Pensei muito sobre todas as variáveis de ser o único passageiro. Mas também pensei como isto pode contribuir para a paz. Este é o meu sonho de vida”.

Yusaku Maezawa é um reconhecido colecionador de arte e essa é a veia que não vai dar deixar de parte nesta viagem: “Desde que fui criança que sonho com a Lua. Escolhi ir à Lua com artistas. Quando pensei em que artistas gostava de levar pensei em Basquiat, John Lennon, Michael Jackson, Coco Chanel, Pablo Picasso e Andy Warhol. Mas nenhum deles estava entre nós. E eu sei que há por aí muitos artistas entre nós que podiam embarcar nisto. Por isso, vou convidar seis a oito artistas para se juntarem a mim em 2023 e a criarem algo depois da viagem“. A esse projeto Yusaku Maezawa chamou “Dear Moon”. E já está nas redes sociais. Questionado sobre quem serão esses artistas, Yusaku Maezawa apenas garantiu que seriam sempre artistas de que ele gosta.

Numa conversa com os jornalistas, Elon Musk sublinhou que “não foi a SpaceX que escolheu Yusaku Maezawa, foi ele que escolheu a SpaceX”:

“Ele procurou-nos e pagou muito dinheiro por esta viagem. Não vou dizer quanto, mas foi muito dinheiro. E isto é perigoso. Não é um passeio no parque. Não é como apanhar um avião. Há hipóteses de isto correr mal. Vamos fazer tudo para que isso não aconteça, mas ele teve de ser muito corajoso para fazer isto”. Quando um jornalista japonês perguntou ao curador de arte quanto pagou por aquele negócio, Yusaku Maezawa também disse: “Não posso responder a isso hoje”. Mas Elon Musk não resistiu a fazer uma piada: “Pelo menos vai ser gratuito para os artistas. E eu acho que isso é um gesto incrível”.

O foguetão que vai pôr a Lua no nosso horizonte 50 anos depois

De uma maneira ou de outra, a notícia de que a SpaceX tinha assinado um contrato com o primeiro passageiro privado do mundo a voar ao redor da Lua a bordo do Big Falcon Rocket, um veículo de lançamento topo de gama da empresa de Elon Musk, chegou no final da semana passada: “Este é um passo importante para permitir o acesso de pessoas comuns que sonham em viajar para o espaço. Descubra quem vai voar e porquê na segunda-feira”, prometeu a SpaceX através das redes sociais. A novidade não era que o Big Falcon Rocket seria o veículo espacial escolhido pela SpaceX para viajar até à Lua: isso já Elon Musk tinha anunciado no voo inagural do Falcon Heavy quando, em conferência de imprensa, reforçou que todos os recursos financeiros investidos noutros foguetões vão ser desviados para o BFR. É com esse foguetão que Elon Musk quer ir a Marte. Antes quer fazer um test drive à Lua.

Isso foi anunciado no evento da SpaceX em setembro do ano passado quando Elon Musk falou sobre a importância de nos tornarmos “uma espécie multi-planetária”:

“O futuro é largamente mais entusiasmante e interessante se formos uma civilização exploradora do espaço e uma espécie multi-planetária do que se não formos. Queremos ser inspirados pelas coisas, queremos acordar pela manhã e pensar que o futuro vai ser incrível. E sermos uma civilização exploradora do espaço é isso mesmo. É sobre acreditar no futuro, pensar que ele vai ser melhor que o passado. E eu não consigo pensar em nada mais entusiasmante do que ir lá para cima e estar entre as estrelas“, começou ele por dizer.

Aliás, essa ideia foi repetida na conferência de imprensa desta madrugada. Visivelmente nervoso — como está sempre quando fala em público — Elon Musk disse que viajar para lá da Terra é inevitável. E vital:

A razão de criar a SpaceX foi acelerar o facto de nos termos de tornar uma espécie multi-planetária. Pode haver alguns eventos naturais ou provocados pelo Homem que acabem com a civilização como a conhecemos. É importante que levemos a vida para lá da Terra. Devemos agir o mais depressa possível”. Elon Musk diz ter os olhos em Marte e na Lua em primeiro lugar, depois em Vénus e nas luas de Júpiter. E, a seguir, nos planetas noutros sistemas solares: “Há tantas coisas que tornam as coisas tristes e depressivas, mas isto é algo que anima as pessoas, que nos deixa orgulhosos por sermos ser humanos. Espero que as pessoas o vejam dessa maneira”, acrescenta.

Para tal, Elon Musk já contava com o Big Falcon Rocket, um foguetão que pretende que seja ainda mais poderoso do que o Saturn V. Só que antes não sabia como pagá-lo. E nesse dia anunciou como:

“Acho que o mais importante que tenho para vos dizer hoje é que já sei como pagá-lo. Na apresentação do ano passado [2016] ainda estávamos a tentar perceber qual seria a forma certa de pagar esta coisa. Passámos por várias ideias como uma angariação de fundos. Nada disso vingou. Mas agora achamos que já temos a forma de o fazer, que é tornar todos os nossos outros sistemas redundantes. Queremos criar um sistema que substitua o Falcon 9, o Falcon Heavy e o Dragon Crew. Se fizermos isso, então todos os recursos que usamos nesses foguetões podem ser aplicados neste sistema”.

Big Fucking… perdão, Falcon Rocket: o foguetão que vai à Lua

A novidade que realmente foi avançada pela SpaceX é que há mesmo alguém disponível para pagar quase 100 milhões de euros para ser pioneiro nas viagens comerciais a outros planetas, principais ou secundários, do Sistema Solar. Embora a SpaceX nunca tenha especificado quanto custaria um bilhete nessas circunstâncias, Daniel Huot, um porta-voz da NASA, já revelou que a agência espacial norte-americana paga à Roscosmos, a agência espacial russa, praticamente 77 milhões de euros por uma viagem a bordo da Soyuz. Por outro lado, como a NASA não tem nenhum veículo espacial pronto a voar para a Estação Espacial Internacional, a agência americana espera baixar esse valor para os 55 milhões de euros com as parcerias com a SpaceX. Ainda assim, o preço seria sempre astronómico.

De acordo com os esquemas mostrados pela SpaceX, a viagem até à Lua vai demorar uma semana:

“A missão vai chegar a 125 milhas da superfície da Lua, completando um trânsito lunar antes de regressar a Terra”. Isto vai custar cerca de oito mil milhões de dólares, estimou a Elon Musk na conferência de imprensa. Mas Elon Musk até estava disponível para investir mais: “Devia haver uma base na Lua. Estamos em 2018, como é que é possível não haver o raio de uma base na Lua? Estava na hora de todos podermos ir lá. O Big Falcon Rocket está preparado para ir a qualquer planeta do Sistema Solar, quer tenha atmosfera ou não”.

Quanto ao Big Falcon Rocket — anteriormente mais conhecido por Big Fucking Rocket, mas para o qual Elon Musk quis encontrar “um nome mais apropriado”  — está em desenvolvimento. A próxima geração de foguetões SpaceX será completamente reutilizável, transportará 150 toneladas de material para o espaço e terá um custo estimado entre os sete milhões de dólares e os 335 milhões de dólares. E todos os verbos estão no futuro porque o Big Falcon Rocket ainda não passa de um protótipo: o foguetão nunca foi formalmente apresentado ao público, nunca foi testado, nem sequer montado na totalidade. Isso só deve acontecer no início do próximo ano, estima a empresa. Mas já há quem ponha as mãos no fogo por esta máquina com 106 metros de altura e mais de 4 milhões de toneladas.

A par das novidades acerca dos aventureiros, a SpaceX aproveitou a ocasião para anunciar que fez algumas alterações ao desenho do Big Falcon Rocket que tinha anunciado há uns meses. A asa delta prevista para a aeronave foi completamente removida e substituída por um conjunto de três barbatanas que servem para melhorar a estabilidade aerodinâmica do veículo. E na traseira do foguetão os sete motores Raptor foram protegidos com uma rede que pode servir como blindagem térmica. Esse levantar de véu da SpaceX mereceu quase tanta atenção das redes sociais como a notícia de que já havia um bilhete comprado à SpaceX para ir à Lua.

Elon Musk acredita absolutamente que é neste foguetão que os primeiros seres humanos vão chegar à Lua. O CEO da Boeing, por outro lado, disse que “as primeiras pessoas a alunar vão chegar num foguetão Boeing”. Questionado por um jornalista se essa concorrência o incomoda, Elon Musk endireitou os ombros, levantou a cabeça e respondeu: “Game on”, uma expressão inglesa que pode ser traduzida por “desafio aceite”.

Estes avanços declarados pela SpaceX chegam dez anos depois do primeiro voo bem sucedido da empresa para a baixa órbita terrestre. Isso foi recordado por Elon Musk no discurso que fez esta madrugada: “Tivemos três tentativas falhadas antes de pormos um foguetão no espaço. Se não resultasse à quarta desistiria. Emocionalmente foi um lançamento muito difícil. É uma mudança enorme num percurso de 10 anos. Não conheço ninguém que acharia que chegaríamos tão longe, nem mesmo eu. Eu diria que era improvável. Mas cá estamos nós”, sublinhou o CEO da empresa, que aproveitou para agradecer à NASA, a agência espacial norte-americana pelo apoio ao projeto: “A NASA foi fundamental para o sucesso da SpaceX”.