[artigo originalmente publicado a 24 de setembro de 2018 e atualizado a 28 de maio de 2019]

Começamos por insistir neste palavra: pinta é dos aspetos mais importantes na definição de uma estrela pop. Quer-se uma poupa intocável com brilhantina, querem-se ondas lisas e/ou esvoaçantes. Ora a cabeleira de Ed Sheeran tem tudo menos ADN pop, são semi-caracóis ruivos que mais parecem sacados de um estudante de engenharia (brincadeira, a maior parte dos estudante de engenharia têm mais estilo).

As camisas quadriculadas e os óculos à bibliotecário também não ajudam. Mas quem somos nós, afinal, para questionar o estilo de uma das maiores estrelas da música popular atual, que enche tudo o que é sala, que testa todos os sistemas de controlo de decibéis assim que sobe a palco, que vende discos como nenhum outro artista (pelo menos assim foi em 2017; o tema “Shape of You” foi o mais tocado no Spotify nesse mesmo ano)? Ed Sheeran não tem propriamente a imagem mais comum de uma popstar, lá isso não tem. Mas isso, além de ser ótimo, é só um detalhe na história de sucesso deste inglês que vai estar em Portugal para encher dois estádios da Luz, um este sábado, outro no domingo, 1 e 2 de junho.

Em 2011, e ainda que tenha editado música (sobretudo EPs) de forma independente desde 2004, o single “The A Team” serviu de catapulta para atuações em programas de televisão (particularmente no “Later… with Jools Holland”) e para posições cimeiras dos tops de música e das plataformas de streaming. “Oh sick, I’m number two on iTunes”, dizia numa entrevista ao jornal britânico The Telegraph em Agosto de 2011, ainda espantado com tal rebuliço. E é precisamente aí, um mês antes de editar “+”, que afirma:

“Ainda não me habituei aos gritos. Não sou propriamente material de boy band, pois não?”.

Se nos permitem responder não, não é, mas pelos vistos não precisa. É esse objeto pouco boy band, que o The Sun apresentava, à data, como o próximo Justin Bieber, que agora está entre nós à boleia do seu terceiro disco Divide. E logo no Estádio Luz, palco bastante inusitado. Se esta não é a desculpa perfeita para recordar de onde vem Ed Sheeran e até onde pode chegar, bom, então não sabemos qual vai ser. Portanto, vamos a isso.

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[“Shape of You”:]

De menino de coro ao sofá de Jamie Foxx

Ed Sheeran nasceu em Halifax, West Yorkshire, terra desde sempre associada à indústria têxtil, à transformação de lã em camisolas quentes e confortáveis. Mas, enquanto miúdo, cresceu em Framlingham, Suffolk, terra que parece não ter muito mais que um castelo dos tempos medievais. Neto de avós paternos irlandeses, cresceu no seio de uma família católica tendo sido educado como tal. Aos quatro anos começou a cantar no coro da igreja (aos quatro anos? Não perguntámos diretamente ao músico porque não conseguimos, mas esta informação, em nossa defesa, aparece em tudo o que é artigo e biografia sobre o cantor) e pouco depois já se atirava a uns quantos acordes na guitarra.

Às tantas, a música tornou-se tão importante que, como em tantos outros casos, lá se foi a escola aos 16, trocada por um bilhete para Londres. Na grande cidade havia de ir a todas, como quem deposita o chapéu no chão à espera de uns trocos, como quem tenta parar uma estação de metro inteira, como quem, gradualmente, foi começando a tocar em pequenos bares e começando a congregar pequenos grupos de adeptos.

Em 2010, antes do grande salto comercial, parte para Los Angeles sem contactos nem contratos. Aí volta a mesma fórmula do chapéu no chão, até que um convite para tocar no The Foxxhole, clube gerido pelo ator Jamie Foxx, serviu para mudar o jogo. Ou pelo menos para dar descanso às costas: é que Foxx gostou tanto de Sheeran que o convidou para ficar em sua casa até ao final da sua estadia em Los Angeles. E quem tem a bênção de um couchsurfing no sofá de Jamie Foxx tem a carreira feita. Só pode. Mesmo com aquela falta de pinta. E “pinta” podia ser o nome do meio de Jamie Foxx. Jamie “Pinta” Foxx, por exemplo. Adiante.

[“Happier”:]

Em 2011 editava +. Era o primeiro álbum e o começo de uma tendência de dar símbolos matemáticos às capas dos discos. O que é que isso interessa. O homem começou a dar que falar, a passar nas rádios, a ser artilhado à bruta e a ganhar prémios. Tudo com a fórmula mais simples que há: uma voz afinada, uma guitarra pelo mesmo caminho e canções que se não são feitas de verdades pessoais disfarçam muito bem, com aquela interpretação de desgraçado que veio do nada, conseguiu visibilidade e não deixa de transpirar honestidade. O melhor dos fabricantes de talentos não consegue fazer um produto com estas variáveis todas. Isto ou aparece da realidade ou nada feito.

Adeus redes sociais, olá Beyoncé

Como qualquer artista bem de saúde, às tantas o melhor é fazer uma pausa nas redes sociais. Ed Sheeran assim o fez, em 2015, depois do largo sucesso do seu segundo disco, “X”. Tornava-se óbvio que já não estávamos na presença do jovem de guitarra ao ombro, sempre pronto para dar uns acordes. E a necessidade de não ter holofotes incididos sobre si, de fugir porque às tantas é de mais, podia ser entendido como tique de artista sério, ou de artista que percebeu que algumas coisas merecem carinho e atenção, outras nem por isso.

Mas verdade seja dita, quem esgota o Estádio de Wembley por três dias seguidos (em junho de 2018) já pode tudo. No total, foram mais de 200 mil pessoas que o viram nessas três datas. Só nessas três datas. Foram os seus maiores concertos até agora. Apesar de tanta fama e seguidores, tantos milhões na conta, Ed Sheeran parece sempre manter o humor de rapaz que não pertence a este universo. E a humildade de quem se espasma por poder partilhar palco com alguns dos maiores artistas do universo.

Por exemplo, quando, numa entrevista à Entertainment Weekly em 2015, o questionam sobre qual o momento da sua vida onde se sentiu mais rockstar, a resposta foi curiosa, quase própria de um fã:

“Atuar com a Beyoncé. Esse foi o único momento em que me senti uma rockstar. Nos meus concertos ainda sou um bocado um tipo britânico e estranho com uma guitarra acústica. Mas quando estás num palco com a banda do Stevie Wonder, o Gary Clark Jr. e a Beyoncé e eles dão-te uma guitarra elétrica para os braços, bom, aí podes sentir-te um bocado do rock”.

[com Beyoncé e Gary Clark Jr.:]

Como é que se explica este fenómeno?

Bom, a melhor das explicações está nas canções. O terceiro álbum, ÷, surgiu em 2016, e trazia “Shape of You” e “Castle on the Hill”. Pelo menos estas. E bastam estas para se perceber este fenómeno: melodias em formato “cantemos todos”, construídas entre o lamechas e o “ai se eu te pego”. E a sentimentos destes todos nós correspondemos, de uma maneira ou de outra. Se à obra juntarmos o formato pelo qual nos chega — ora a loucura da internet, ora a frequência com que o rapaz é citado em programas de talentos, por exemplo — está feita a conta final.

Claro, há muitos que que criticam Ed Sheeran. Como Morrissey, que disse em 2015, à Boulder Weekly, que “não podíamos ficar muito pior” referindo-se à música de Sheeran (mas enfim, Morrissey já teve melhores dias no discurso).

Por outro lado, num artigo de 2017 no USA Today, o editor sénior da Billboard, Jem Aswad, tenta uma explicação para o tremendo sucesso do britânico: “Ele já está a esgotar estádios, não se pode ir muito mais longe do que isso, mas ao que parece ele vai conseguir. A sua música é multi-geracional e o seu ar inofensivo é algo que tanto afasta as pessoas como, ao mesmo tempo, abre possibilidades para uma maior aceitação de um maior número de pessoas, de vários espectros da sociedade”.

A isto teremos logicamente que juntar os dois Grammys e a colaboração com gente como Taylor Swift, The Weeknd, armas sempre preciosas para aumentar o número de admiradores. E já agora – isto não tem por base qualquer experimentação científica – o ar de cromo pode ser um atrativo nestes casos. Acabamos todos a dizer “ó, mas ele é fofinho, até”. E enquanto assim for, Ed Sheeran continuará a vender discos, continuará a provocar histeria. Por cá, recordamos, tudo acontece a 1 e 2 de junho.