O papa afirmou nesta quarta-feira que o histórico acordo com a China, que concede ao Partido Comunista Chinês (PCC) uma palavra na nomeação dos bispos, tem já precedentes, e apontou os casos de Portugal e Espanha.

“Não podemos esquecer que (…) durante 350 anos foram os reis de Portugal e Espanha a nomear os bispos, e que o papa abdicou da sua jurisdição”, disse.

Numa conferência de imprensa a bordo do avião papal, Francisco falou pela primeira vez de um acordo que põe fim a mais de 70 anos de antagonismo entre Pequim e o Vaticano, e assumiu que este vai causar sofrimento entre os fiéis da Igreja católica clandestina, que é independente do PCC.

Francisco afirmou que assume inteira responsabilidade e que ele, e não Pequim, terá a última palavra na nomeação de novos bispos. China e Vaticano romperam os laços diplomáticos em 1951, depois de Pio XII excomungar os bispos designados pelo Governo chinês. Os católicos chineses dividiram-se então entre duas igrejas: a Associação Católica Patriótica Chinesa, aprovada por Pequim, e a clandestina, que continuou fiel ao Vaticano.

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A maior divergência continua a residir na nomeação dos bispos. O Vaticano considera que é um direito seu nomear os bispos, visando preservar a sucessão apostólica que remonta aos apóstolos de Jesus Cristo. A China considera a exigência do Vaticano uma violação da sua soberania.

Devido à disputa, o regime chinês nomeou, ao longo das últimas décadas, vários bispos sem o consentimento do papa, alguns dos quais foram depois excomungados pelo Vaticano. Os padres que se mantiveram fiéis ao Vaticano são frequentemente detidos ou perseguidos.

Francisco, e antes dele o papa Bento XVI, tentaram unir as duas igrejas, e anos de negociações culminaram agora num acordo. O papa reconheceu que ambos os lados tiveram que abdicar de algo nas negociações, e admitiu que membros da igreja clandestina chinesa “vão sofrer” como resultado.

“É verdade, eles vão sofrer. Existe sempre a dor num acordo”, disse.

O papa garantiu já ter recebido mensagens que comprovam a “fé de mártir” dos católicos chineses e a sua disponibilidade para aceitar o que foi decidido. Ele apelou aos crentes para que rezem “por aqueles que não entendem ou que têm muitos anos a viver clandestinamente”. A causa dos crentes chineses que durante anos foram perseguidos, por se manterem fiéis ao Vaticano e recusarem a Igreja aprovada pelo regime, tem sido defendida pelo cardeal e bispo-emérito de Hong Kong Joseph Zen.

Zen afirmou que, com este acordo, a Igreja vendeu-se ao regime comunista de Pequim. Francisco afirmou que o acordo apela para um processo de diálogo sobre possíveis candidatos a bispo, mas que a decisão final cabe ao papa.

“Não se trata de serem eles a nomear. É um diálogo entre possíveis candidatos”, afirmou Francisco. “O processo é feito em diálogo, mas Roma nomeia. O papa nomeia. Isso ficou claro”, disse.

O acordo, cujo texto detalhado não foi ainda publicado, inclui o reconhecimento pelo Vaticano de sete bispos nomeados por Pequim, enquanto dois bispos da igreja clandestina terão que se afastar. Francisco afirmou que assume responsabilidade pessoal pelo acordo e que assinou o decreto de reconciliação com os sete bispos.

O acordo foi anunciado no sábado, com o Vaticano a afirmar que, a partir de agora, todos os bispos na China estão em comunhão com Roma. O Vaticano afirmou tratar-se de um texto provisório, sugerindo que poderá ser revisto periodicamente.