Ainda não há data para a detenção do nono elemento de um grupo de inspetores da Polícia Judiciária Militar (PJM), militares da GNR e um civil que terão encenado a entrega das armas de Tancos, em outubro do ano passado. O Estado-Maior General das Forças Armadas (de que dependem os militares em missão fora do país, como é o caso do único suspeito da PJ ainda em liberdade) mantém-se em silêncio sobre o caso e, na República Centro Africana, a missão da União Europeia espera “indicações” de Lisboa para fazer regressar o militar do Exército.

Num dos três comunicados divulgados esta terça-feira sobre o processo paralelo ao caso de Tancos (a chamada Operação Húbris), a Procuradoria-geral da República lembra que, de acordo com o Estatuto dos Militares das Forças Armadas,  a detenção de militares no ativo, fora de flagrante delito, “é requisitada aos seus superiores hierárquicos pelas autoridades judiciárias”. Isso é válido tanto para a detenção para o diretor da PJM — que depende hierarquicamente do ministro da Defesa — como para o militar do Exército que integra a missão de treino da União Europeia na República Centro Africana.

Tancos. Como o diretor da PJ Militar terá protegido assaltante e encenado operação para passar à frente da PJ

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O pedido das diligências que envolvam outros órgãos de soberania, esclareceu o Ministério Público na mesma nota, “deve ser encaminhado, via hierárquica, através da Procuradoria-Geral da República” para os superiores hierárquicos — neste caso, os superiores militares. É disso que estão à espera quer o Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), em Lisboa, quer o comando da missão da União Europeia, em Bangui, capital da República Centro Africana.

O Diário de Notícias escrevia na terça-feira que o pedido de detenção feito pelos procuradores João Melo e Vítor Gonçalves, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, já tinha seguido para o gabinete do almirante Silva Ribeiro, mas a posição oficial do EMGFA é a mesma desde que a operação rebentou: o porta-voz “não comenta” a operação da PJ.

E, em Bangui, é tempo de esperar por ordens e papéis: “Oficialmente, estamos a aguardar que chegue toda a documentação” do EMGFA com as “indicações” sobre o que fazer e como fazer para que o militar do Exército regresse a Lisboa.

Do lado da PGR, não houve até ao momento a confirmação pedida pelo Observador de que essas indicações já tenham sido remetidas ao comando militar. Não há, por isso, data para que o major Vasco Brazão abandone a missão para ser constituído arguido por suspeitas de ter praticado, no mínimo, parte dos crimes de que os nove envolvidos no processo são suspeitos: entre a associação criminosa, denegação de justiça (por terem sido criadas dificuldades à investigação da PJ), prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário (do suspeito que, alegadamente, foi protegido), abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas.

O major é um ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar e liderou a equipa de investigadores da PJM no caso da morte dos dois comandos do curso 127.  

Tensão entre polícias leva a mexidas na equipa

Vasco Brazão é uma das peças-chave na investigação da PJ, que esta terça-feira levou à detenção do diretor-geral da PJM, de três inspetores da sua instituição, outros três militares da GNR e um civil, presumível co-autor do assalto aos Paióis Nacionais de Tancos.

A versão que a polícia liderada por Luís Augusto Vieira apresentou, desde o início, para explicar a recuperação das armas furtadas dos Paióis Nacionais de Tancos passou por uma alegada chamada anónima em que eram dadas indicações sobre o local onde tinham sido depositadas caixas com material de guerra — sem especificar que se tratava do material de Tancos. Vasco Brazão foi quem atendeu essa chamada.

Já passava das três da manha quando o telemóvel do piquete da PJ Militar tocou. O telefonema coincidiu com o turno de Vasco Brazão. De acordo com o comunicado divulgado horas mais tarde, esse telefonema terá resultado na apreensão, na Chamusca, de várias caixas de material de guerra. Depois de uma perícia nos paióis de Santa Margarida, os inspetores terão percebido que o material coincidia, “praticamente” na íntegra, com o que tinha sido levado de Tancos.

É isso que diz o comunicado, mas não é essa a versão que a PJ acredita corresponder à verdade. Quando recebeu a denúncia, o major do Exército já desempenhava um papel determinante na condução de um processo em que a PJM deveria apenas “coadjuvar” a missão da Judiciária civil para encontrar os autores do assalto. Em outubro, era ele o responsável “de facto” da operação, apesar de, no papel, essa responsabilidade continuar a ser atribuída ao inspetor-chefe João Bengalinha.

Investigação a Tancos. Uma guerra entre duas polícias

Há, desde logo, uma diferenciação da PJ em relação a estas duas personagens da operação: na terça-feira, o capitão foi ouvido como testemunha pela Polícia Judiciária, e não se prevê que esse estatuto venha a mudar no sentido de ser constituído arguido no processo. O destino do major é bem diferente, porque tudo indica que, quando aterrar em Portugal, seja imediatamente detido, como já aconteceu com outros quatro inspetores envolvidos na investigação.

A entrada de Brazão em cena aconteceu logo após os primeiros momentos de tensão entre as duas polícias envolvidas no caso de Tancos. A PJM reclamava acesso a um processo que a PGR tinha colocado nas mãos na polícia civil. A determinado momento, os inspetores militares propõem avançar com uma detenção, mas esse plano não se concretizou e as relações agudizaram-se.

O major começa a orientar a ação da equipa da PJM, estabelece pontes com outros inspetores colocados na delegação do Porto e, a 18 de outubro, recebe a alegada denúncia anónima. O Ministério Público acredita que Vasco Brazão sabia da encenação da chamada anónima e que terá alinhado num plano desenhado por Luís Augusto Vieira, diretor da PJM, para passar para a frente da investigação. É isso que justificação a intenção de avançar com a detenção do militar.

Identificações em cima do prazo

Um dia depois da surpresa com a notícia das detenções na PJM e na GNR, tudo apontava para que as atenções se virassem para o Campus de Justiça. Era lá que o juiz de instrução João Bártolo deveria fazer a identificação dos arguidos e avançar com os inquéritos. Devido a dificuldades processuais, esse momento passou quinta-feira, num desafio às 48 horas que a lei estipula para que isso seja feito.

A partir das nove horas da manhã, os arguidos devem começar a chegar à zona oriental da cidade de Lisboa. E está previsto que, uma hora mais tarde, comecem as identificações. Para cumprir as tais 48 horas legais, deverão ser todos colocados na mesma sala para, só depois, João Bártolo avançar, um a um, com os primeiros interrogatórios — sendo que, de acordo com a SIC Notícias, pelo menos três arguidos já mostraram interesse em prestar declarações.

A lei estipula que “o arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam” (artº 141 do Código de Processo Penal). Se, pelo menos, a identificação formal dos oito arguidos não foi feita dentro desse prazo, os militares e o civil terão de ser libertados, uma vez que a sua detenção passa a não ter sustentação legal.