Sejam quais forem as limitações físicas de cada um, o desejo e a satisfação sexuais são para todos. Esta foi a premissa em cima da mesa na primeira sessão do novo ciclo de conversas sobre sexualidade, no Museu da Farmácia, em Lisboa. E, num sítio onde se contam cinco mil anos de história da relação do homem com a sua saúde, a pergunta é: por onde começar? Bem, o programa arrancou já última sexta-feira, dia 28 de setembro, e o mote foi dado por um recipiente pré-colombiano, que faz parte da coleção do museu.

A peça, com a figura de um anão, era usada na cultura Colima para guardar medicamentos. Tal como em outras civilizações pré-colombianas — Azteca, Inca e Maia — e no Antigo Egito, o nanismo era frequentemente representado em gravuras e objetos. Este, em particular, vai despertar uma discussão sobre sexualidade e diferentes níveis de incapacidade motora e cognitiva, ou seja, diversidade funcional. “A necessidade de prazer sexual existe, independentemente da nossa ‘normalidade'”, esclarece João Neto, diretor do Museu da Farmácia, ao Observador.

A jornalista e socióloga Isabel Freire moderou esta primeira conversa. Rui Machado, um dos criadores do movimento “Sim, nós fodemos”, a psicóloga Diana Santos e a educadora sexual para adultos Carmo Gê Pereira sentaram-se para trocar ideias sobre como os limites físicos e mentais não anulam a vontade e a possibilidade de ter sexo.

O cinto de castidade tão em voga nos séculos XVII e XVIII © Luís Silva Campos

Será assim até setembro do próximo ano, uma sexta-feira por mês. “Esta ideia parte de uma conferência e de uma visita temática que organizámos no ano passado em torno de 5.000 anos de história da sexualidade, dentro do museu”, explica o diretor. A iniciativa foi um sucesso, embora este continue a ser um dos núcleos museológicos mais subestimados de Lisboa. Um preconceito que é preciso mudar, sobretudo atraindo os olhares paras as estrelas da coleção. Há peças que parecem saídas de histórias mirabolantes, daquelas que se contam e recontam ao longo de gerações. Entre elas, está um objeto conhecido como cinto de castidade. O seu uso foi corrente durante os séculos XVII e XVIII e a maioria das mulheres usavam-no para se protegerem contra violações. Mais tarde, quando as grandes fábricas se abrem à mão-de-obra feminina, o cinto continuou a ser útil para as mulheres que saiam da fábrica e percorriam longos e perigosos caminhos até casa.

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Interessante? Saiba que também há uma versão masculina, muito em voga no tempo em que a masturbação era vista como uma prática nociva para a saúde dos mancebos. “A designação Museu da Farmácia faz com que as pessoas imaginem logo o armário dos medicamentos lá de casa, que, quando abrem, está cheio de caixinhas e frasquinhos”, admite o diretor. As conversas põem o museu e o seu espólio em diálogo com temas tão diferentes como a história, a ciência, a justiça e a saúde. “Teremos uma sessão dedicada à sexualidade e à revolução dos cravos. Aí, vamos partir de um preservativo ou da caixa da primeira pílula comercializada em Portugal”, continua.

“Isto mostra bem a versatilidade de temas que o museu pode ter. E o trabalho dos museus não é ter as peças todas arrumadas em prateleiras, mas fazê-las dialogar entre elas e com outras áreas e criar um entendimento dos nossos visitantes”, conclui o diretor. Psicólogos, juízes e até um egiptólogo estão entre o rol de especialistas que vão passar pelo Ciclo de Conversas sobre Sexualidade, no Museu da Farmácia. E do conjunto de peças que os vai inspirar está também uma engenhoca sueca a que podemos chamar de primeira versão do vibrador, bem menos portátil do que o objeto que conhecemos hoje e criada com fins muitos menos recreativos. Na realidade, pelo aparato, parece mais um desfibrilhador. Era um vibrador medicinal e só podia ser vendido com receita médica e autorização do pai ou do marido. Energia acumulada, nervos à flor da pele e histeria — eis os males femininos numa sociedade ocidental evoluída do século XIX. Uma questão de saúde familiar, portanto.

Este preservativo raro do século XVII faz parte da coleção do Museu da farmácia © Luís Silva Campos

Um preservativo do século XVII, outra raridade do museu lisboeta. O propósito, tal como hoje, era evitar o contágio da doença sexualmente transmissível mais popular na época. A sífilis propagava-se e os homens protegiam-se como podiam, com uma bolsa fálica feita de pele de intestino de ovelha. Violência, gravidez, VIH/sida, somatização, género, religião, mitos, educação, sedução e magia, sexualidade e o 25 de Abril e hábitos sexuais na viragem do século XIX são os temas que vão ocupar a agenda de conversas do Museu da Farmácia até setembro de 2019, mês para o qual o diretor, João Neto, prevê uma edição best of.

As datas são anunciadas na página de Facebook do museu. A entrada é gratuita, mas requer inscrição prévia através do endereço museudafarmacia@anf.pt.