O Telescópio Espacial Hubble, um satélite com um grande telescópio com capacidade para observar luz visível e infravermelha, pode ter encontrado mais evidências de um satélite natural a orbitar um planeta fora do Sistema Solar, anuncia um relatório divulgado esta quarta-feira na revista Science.

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Dizer que Kepler-1625b está a oito mil anos-luz da Terra significa que um astronauta demoraria oito mil anos a chegar a esse exoplaneta se viajasse à velocidade da luz, que é de aproximadamente 300 mil metros por segundo.

Essa possível exolua foi encontrada em redor do planeta Kepler-1625b, um gigante gasoso com o tamanho de Júpiter a oito mil anos-luz de distância da Terra. Mas a existência deste corpo celeste não é novidade: em julho de 2017, os autores deste relatório já tinham publicado outro no The Astronomical Journal onde escreviam que tinham identificado “sinais que podemos esperar de uma lua”. Agora apenas há mais provas de que esse corpo pode mesmo ser um satélite natural.

Tudo começou quando o Telescópio Espacial Kepler, uma sonda equipada com telescópio enviada para o espaço em busca de exoplanetas, se concentrou em observar 284 planetas para lá do Sistema Solar para tentar identificar possíveis luas em redor deles.

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Assim como esses exoplanetas são encontrados quando o brilho de uma estrela diminui em intervalos de tempo mais ou menos regulares — indicando que há um corpo à volta dela que a ofusca durante algum tempo –, as possíveis exoluas também são identificadas quando o telescópio deteta uma diminuição da luminosidade refletida por um planeta. A essa técnica os astrofísicos chamam método de trânsito.

Representação da estrela Kepler-1625, a 8 mil anos-luz da Terra. O círculo negro maior representa Kepler-1625b, um gigante gasoso que o orbita. O outro círculo representa uma possível lua, Kepler-1625b-i. Créditos: Dan Durda.

Eis o que sabemos sobre este corpo celeste: chama-se Kepler-1625b-i, tem o tamanho de Neptuno, 80ºC de temperatura, gira em torno de um planeta com o triplo do tamanho, tem uma órbita parecida com a lua neptuniana de Tritão, fica a entre 35 e 45 raios planetários de Kepler-1625b, parece estar a aquecer (e a insuflar) à medida que a estrela também evolui e, embora esteja na zona habitável da estrela mais próxima — que tem nove mil milhões de anos –, não terá condições de suportar vida por provavelmente ser gasoso.

Não se sabe como é que se formou, mas assim como se desconfia que a Lua não se formou ao mesmo tempo que a Terra, o mesmo acontece aqui: o mais provável é que Kepler-1625b-i fosse um astro independente que, ao vaguear em redor da estrela, tenha sido apanhado pelo campo gravitacional do planeta que agora parece orbitar. Mas certezas não nenhumas. “Nem sequer de que realmente existe”, sublinham os investigadores.

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O Wide Field Camera 3 é um instrumento que capta imagens no espetro da luz visível. É o dispositivo mais moderno, e também o mais recente, com que o Telescópio Espacial Hubble foi equipado.

Tudo isto vem repetido no relatório publicado esta tarde na Science, mas esses dados já eram conhecidos o ano passado. A diferença é que, agora, os cientistas aproveitaram que o Hubble, quatro vezes mais poderoso que o Kepler, ia vasculhar a região do espaço onde fica este sistema estelar para poder olhar melhor para ele: “O Telescópio Espacial Hubble monitorizou o trânsito do Kepler-1625b que ocorreu a 28 e 29 de outubro de 2017 com Wide Field Camera 3. Um total de 26 órbitas, perfazendo 40 horas, foram dedicadas a observar o evento”.

Foi assim  que os astrofísicos encontraram dois sinais de que Kepler-1625b-i pode ser uma exolua: o primeiro é a tal diminuição da luminosidade do planeta e o segundo é “o efeito gravitacional” que esse corpo celeste parece ter no Kepler-1625b. As novidades vêm deste último: “Um resultado claro vindo da nossa análise é que o trânsito do Kepler-1625b ocorreu 77,8 mais cedo do que era expectável, indicando uma variação do tempo de trânsito no sistema”.

Captura de ecrã de uma animação com imagens da câmara do Hubble. Créditos: Alex Teachey e David Kipping.

Essa variação já foi muito utilizada para detetar exoplanetas tão pequenos como a Terra: quando um planeta anda em redor de uma estrela sem que outro corpo celeste se intrometa, então os telescópios conseguem vê-lo num período fixo e previsível; mas se houver outro astro a interagir com ele, a órbita do planeta vai sofrer perturbações que farão com que o período em que os telescópios o detetem seja variável.

Isso é o que acontece com os planetas orbitados por luas. E é o que parece acontecer com Kepler-1625b: “Ambos os sinais aparecem na forma de trânsito. Cerca de 3,5 horas após o trânsito de Kepler-1625b ter terminado, o Telescópio Espacial Hubble registou um segundo decréscimo mais discreto no brilho da estrela, um escurecimento indicativo de uma lua ‘a seguir o planeta como um cão segue o dono na coleira’”, pode ler-se no relatório publicado esta quarta-feira.

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Este relatório chama-se “Evidence for a large exomoon orbiting Kepler-1625b” e é assinado por Alex Teachey e David M. Kipping, ambos investigadores da Universidade de Columbia, Estados Unidos da América.

É por isto que os cientistas depositam tanta esperança em Kepler-1625b-i: se este astro não for um satélite natural, então a probabilidade de encontrar sinais iguais ao detetado pelo Kepler é de um em 16 mil, preveem os astrofísicos.

Mas os cientistas sabem que essas crenças podem mesmo estar erradas: apesar de os telescópios nunca terem encontrado evidências de outros planetas principais em redor da estrela Kepler-1625, não é impossível que “essa anomalia [na órbita] possa ser causada por influência gravitacional de um hipotético segundo planeta no sistema”. Além disso, segundo os investigadores, “Kepler-1625b-i não pode ser considerado uma exolua confirmada antes de ter sobrevivido ao longo escrutínio de longos anos, observações e ceticismo da comunidade; e talvez a deteção de objetos semelhantes”.

Outro aspeto que causa estranheza na hipótese de estarmos perante o primeiro satélite natural confirmado fora do Sistema Solar é o facto de, a ser uma lua, Kepler-1625b-i ter características muito diferentes das que observamos em luas do nosso sistema estelar: “Uma lua deste tamanho realmente não é algo muito antecipado na literatura”, explicou em conferência de imprensa Alex Teachey, um dos autores do estudo. Ainda assim, outros dados suportam a teoria de uma exolua: Kepler-1625b-i tem um terço do diâmetro do planeta principal (a Lua é 3,7 mais pequena em diâmetro que a Terra) e 1,5% da massa dele (a Lua tem 1,23% da massa da Terra).

Certo é que a comunidade científica acredita que as luas são tão comuns fora do Sistema Solar como são cá dentro. No entanto, David Kipping, o outro autor do estudo, explicou esta segunda-feira que dos quatro mil exoplanetas encontrados pelo Kepler, a esmagadora maioria nunca foi sondada na busca por exoluas porque “são tão quentes e tão próximos às estrelas que não julgamos que sejam bons sítios” para as procurar: “Nós pesquisamos uma amostra de quase 300 que são um pouco mais distantes, mas que mesmo assim têm períodos orbitais superiores a 30 dias, por isso mesmo assim são muito próximos. Como este era um planeta do tamanho de Júpiter muito longe da estrela, então talvez tenha luas porque elas são muito comuns em Júpiter“, justificou.