Das bicas encapsuladas mais famosas do mundo para a mesa do primeiro restaurante madeirense a receber uma estrela Michelin, a Nespresso Dinning Experience aterra no Funchal. Mais do que uma seleção criteriosa do café a servir no final da refeição, o desafio lançado ao chef francês Benoît Sinthon envolve uma experiência completa. Passando pela sobremesa e pelos pratos principais, até chegar aos aperitivos, o café é, durante uma semana, o ingrediente comum. Enquanto bebida, regra geral quente, é mais do que consensual, no prato, misturado com dezenas de outros sabores, ganha outro caráter, torna-se menos fácil e o seu amargo de boca exige afinações ao milímetro. Ainda assim, nada que um chef com duas estrelas não consiga concretizar com distinção.

Ao centro, o chef Benoît Sinthon, há 14 anos no Cliff Bay e há 20 em Portugal, com a equipa, duas horas antes do início do jantar © Henrique Seruca

“Quando procuramos o amargo, a intensidade, o sabor torrado e a cereais, o café dá-nos esse mote. É muito interessante mas, tal como o chocolate, tem de ser muito doseado, não pode haver fantasias. É preciso encontrar o equilíbrio certo e isso demora. Houve testes de dez dias, todos os dias”, explica o chef do Il Gallo d’Oro ao Observador. Benoît Sinthon, responsável pela conquista da primeira estrela Michelin da Madeira, neste mesmo restaurante, em 2009, e por lhe ter somado uma segunda em 2016, fala em pesquisa. Uma pesquisa que resultou num menu de cinco pratos e noutras tantas entradas que serviu aos convidados no jantar de apresentação da iniciativa, na passada quarta-feira.

Com vista para o mar e no complexo de varandas e terraços do hotel Cliff Bay, o café começou por ser servido sob disfarce, diluído num creme de mascarpone, por sua vez envolto numa tira de lardo (um toucinho italiano) temperada com especiarias. Estamos num hotel de cinco estrelas (sete se somarmos as atribuídas pelo Guia Michelin), mas a receita está ao alcance do comum mortal, uma forma relativamente simples de surpreender os amigos da próxima vez que o jantar for lá em casa.

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O aperitivo da noite, feito com café, mascarpone e lardo e servido num dos copos de café desenhados pela Riedel © Henrique Seruca

São sete horas da tarde, mas o chef e a equipa começaram a preparar o menu ainda a manhã ia a meio. Entre os produtos que acompanham o ingrediente estrela, são muitos os que são originais da ilha — o maracujá, a banana, o inhame, o bolo de mel, a pitanga e a pimpinela, mais conhecida como chuchu, surgem nas várias miscelâneas de sabores. Se algumas receitas foram criadas de propósito para a ocasião, outras sofreram apenas ajustes e viram o seu paladar reequilibrado. Benoît Sinthon, que, coincidência ou não e assim de repente, até dá ares a George Clooney, recorda uma das primeiras vezes em que levou o café para dentro da cozinha, sem contar com as sobremesas claro, porque aí há toda uma conversa sobre os encantos dos tiramisu. Era um foie gras com ginjas e café. A combinação, surpreendente, terá sido a base para uma derivação que agora é adaptada ao menu da Nespresso Dinning Experience.

Por estes dias, o foie é servido com geleia de café, bolo de mel, banana e sorbet de maracujá. Não contente, o chef juntou-lhe pérolas, adicionadas ao prato já na mesa e fumegantes de tão geladas. Um reforço de café e de maracujá que faz deste o prato mais intrigante para o palato, em toda a experiência. Segue-se o carabineiro, sucesso da carta do Il Gallo d’Oro. Como o próprio Sinthon diz, incluí-lo neste menu “é como pôr o Cristiano Ronaldo a jogar como ponta de lança”. Leitão é o prato que se segue, sempre com um vinho à altura. No que toca à garrafeira, as escolhas são uma viagem por Portugal, uma viagem que começa com um vinho da madeira, passa pela região dos vinhos verdes, pela Bairrada e chega ao vinho do Porto.

O foie gras servido com geleia de café, bolo de mel e banana, sorbet de maracujá e pérolas geladas de café e maracujá © Henrique Seruca

O paralelismo entre vinho e café torna-se cada vez mais flagrante e natural, à mesa, pelo menos para os mais perspicazes, e à conversa com o chef. Benoît gosta de beber cafés intensos e sem pitada de açúcar, mas na hora de cozinhar é preciso fazer outras escolhas. “O café que gosto de beber é difícil de trazer para a cozinha. Quanto mais intenso, mas complexo é equilibrar um prato. Este é mais equilibrado. Tem intensidade, tem o toque dos cereais mas sem estar demasiado apurado e o amargo não é demasiado forte. É como um vinho que tem Touriga Nacional, sempre mais consensual”, explica.

No primeiro prato, o das famosas pérolas geladas, foi usado um café que cresce no sopé do Kilimanjaro. Mais uma vez, tal como no vinho, o café está cheio de especificidades, da altitude a que cresce, dividindo-se em duas categorias — Arábica, no caso das culturas em altitudes superiores a 600 metros, e Robusta, proveniente de terrenos mais próximos do nível do mar –, à torra, podendo esta ser lenta, preservando as notas olfativas do grão, ou rápida e intensa, deixando o café com um sabor mais forte.

Depois de cozinha durante 20 horas, o leitão, estrela da carta do chef, é posto em caixas de madeira com pinho. Não é fumado, apenas levemente aromatizado antes de servir © Henrique Seruca

Questionado sobre os países onde se bebe o melhor café, o chef não tem dúvidas. Na verdade, ninguém tem. Portugal e Itália podem ser unânimes e liderar as preferências (enquanto isso, a Finlândia é o maior consumidor de café da Europa, com mais de 10 quilos anuais per capita), mas foi na sua terra natal, na Provença, que Benoît aprendeu a gostar da bebida. “Desde cedo que tenho memórias do café e a primeira é da minha mãe acordar, a pô-lo a fazer e de eu, ainda na cama a dormir, sentir o cheiro”, conta. A imagem da cafeteira italiana marcou-lhe a infância, mas a adolescência levou-o a descobrir outras formas de fazer café. Morou nos Alpes enquanto frequentava a escola de hotelaria. Aos fins de semana, costumava ir para a discoteca mais próxima e, no regresso, a padaria da família de um dos amigos era paragem obrigatória. Aí, o café já não fervia sobre o fogão, pingava lentamente através de um filtro. A acompanhá-lo, croissants acabados de sair do forno, só para dormir melhor.

“Comecei a beber sempre desse café. Até que, num verão, fui trabalhar para o restaurante do irmão de um amigo. Lavava vidros, era barman e tirava cafés, tudo para poder comprar a minha primeira mota. Aí, habituei-me a beber café de máquina, expresso. E, como em França começávamos sempre a trabalhar na cozinha às sete e meia da manhã, precisava de café para despertar para o dia todo”, recorda.

A elaboração do menu e a confeção dos pratos da Nespresso Dining Experience ficou a cargo do chef Benoît Sinthon e da restante equipa do Il Gallo d’Oro © Henrique Seruca

Conversa puxa conversa e o chef Benoît é, de facto, um conversador e peras. Mas a sobremesa não tarde e chega com cafeína e dose dupla. Na taça (uma belíssima prova de como este restaurante também conquistou os peritos do Guia Michelin pelas loiças), uma espécie de panna cotta de chocolate negro com gelado e creme de café, nougatine estaladiça e chantili de mascarpone com vagem de baunilha. A acompanhar, um café servido a rigor, em copos desenhados pela austríaca Riedel para a Nespresso, em 2015. Podem parecer preparados para receber licor, mas foram criados em duas versões — uma com o bocal mais aberto e outra com um bocal mais fechado — para receber cafés mais leves e aromáticos e para os mais intensos e fortes.

Para fechar a noite, fiquemo-nos pela segunda tipologia, já que o chef escolheu encerrar o repasto com um café nepalês que a Nespresso fornece, em exclusivo, a restaurantes de topo como este. Um café que, em si, é um caso de estudo, sobretudo por crescer numa zona que já está fora da faixa equatorial (que vai até 23 graus a sul e 23 graus a norte da linha do Equador) onde a espécie encontra condições favoráveis. Junto aos Himalaias, o café encontrou um clima especial — sol tórrido durante e vento frio durante a noite. As primeira sementes vieram do atual Myanmar, no final dos anos 30. Durante 40 anos, a cultura de café no Nepal passou despercebida e não teve grande expressão. No fim da década de 70, foi o próprio governo a estimular pequenos produtores e a importar sementes da Índia. Hoje, o café nepalês continua a ser produzido em pequenas quantidades, mas com características bem marcadas. Não admira, por isso, que não possa ser vendido em todas as lojas. É assim, uma raridade.

Não é feita de plástico, mas sim uma reprodução de uma cápsula Nespresso feita pelo chef, em chocolate. O bombom foi servido no fim do jantar © Henrique Seruca

Na manhã seguinte, não surgiram queixas de noites passadas em claro. Talvez a cafeína se tenha diluído nos restantes ingredientes ou até mesmo nos vinhos que, generosos ou não, fizeram jus à magia da alta cozinha. Nos dias que se seguem, durante uma semana, o menu da Nespresso Dinning Experience está disponível no Il Gallo d’Oro. O preço é de 150€ por pessoa, sem vinhos (para incluir os vinhos, o extra é de 78€). Afinal, não é uma, são duas estrelas Michelin, mais umas quantas bicas.

O Observador viajou até ao Funchal a convite da Nespresso.