É interessante ver como algumas páginas da Wikipédia são rapidamente atualizadas sempre que há um acontecimento importante: a morte de uma figura pública ou a atribuição de um prémio Nobel, por exemplo. Normalmente, a página já existe e basta acrescentar a informação nova. Mas o caso de Donna Strickland, laureada com o Nobel da Física esta terça-feira, foi diferente: teve de ser criada uma página de raiz. Não que estivesse completamente ausente da Wikipédia, desde novembro de 2008 que era citada na página de Gérard Mourou, com quem agora partilhou o prémio, mas uma página própria não tinha sido autorizada. Donna Strickland e Gérard Mourou foram pioneiros na criação de impulsos laser ultra-curtos e de alta intensidade.

Em maio de 2014, um utilizador tentou criar uma página para Donna Strickland, mas foi eliminada porque, alegadamente, o autor tinha violado os direitos de autor e copiado a informação de outra página na internet sem autorização. Segundo a revista norte-americana The Atlantic, em maio deste ano, outro utilizador terá tentado criar uma página para a investigadora canadiana, que chegou a ser presidente da Sociedade Ótica Americana, em 2013. “As referências desta submissão não mostram que o sujeito [ou assunto] se qualifica para um artigo da Wikipédia”, terá escrito um dos editores do site.

E como é que uma pessoa se qualifica para ter uma página na Wikipédia? “Cobertura significativa (e não apenas menções de passagem) sobre o sujeito [ou assunto] em fontes secundárias publicadas e fidedignas que sejam independentes do sujeito”, escreveu um utilizador no Twitter, aparentemente citando o editor da Wikipédia. O Observador verificou o histórico de criação e edição da página de Donna Strickland, mas não encontrou estas referências.

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[Veja no vídeo como ao fim de 55 anos uma mulher voltou a ganhar um Nobel da Física]

Donna Strickland foi a terceira mulher a ser laureada com o prémio Nobel da Física desde que foi implementado em 1901. A primeira laureada na Física foi Marie Curie, em 1903, e, 60 anos depois, Maria Goeppert Mayer. Posto de outra forma, em 209 cientistas distinguidos com o prémio Nobel da Física, apenas três foram mulheres. Nos restantes prémios a proporção é pouco melhor, o que tem levantado cada vez mais preocupações de desigualdade de género e discriminação das mulheres cientistas. Nem a própria Donna  Strickland tinha noção que eram só três laureadas. “Só isso, a sério? Pensava que tinham existido mais”, disse a investigadora quando foi questionada por um jornalista durante o anúncio do prémio. “É claro que devemos louvar as mulheres em Física porque nós estamos aqui”, continuou. Sinto-me honrada por ser uma dessas mulheres.”

Duas cientistas que ficaram fora do Nobel da Física, mas que ninguém esqueceu

Reconhecendo a possibilidade de um enviesamento, o Comité do Nobel recomendou que, para as nomeações de 2019, os investigadores convidados para fazerem as nomeações tivessem em consideração uma diversidade em três indicadores: género, área geográfica e tópico, conforme noticiou a Nature News. O vice-presidente do Conselho de Diretores da Fundação Nobel, Göran Hansson, também lamenta a grande diferença entre o número de mulheres e homens a quem foram atribuídos prémios Nobel. E justifica, ao The Atlantic: “Em parte isso deve-se ao facto de termos de voltar atrás no tempo para identificar as descobertas. Temos de esperar até que tenham sido verificadas e validades antes de atribuirmos o prémio. Havia uma discriminação ainda maior das mulheres na altura. Havia muito menos mulheres cientistas há 20 ou 30 anos.”

Ainda que esta afirmação faça sentido, isso não justifica que porque é que há mulheres como Lise Meitner que ficaram fora dos prémios. A investigadora austríaca foi nomeada, pelo menos, 29 vezes para o Nobel da Física e 19 vezes para o Nobel da Química, mas viu Otto Hahn ganhar um prémio Nobel da Química sozinho, em 1944, pelo mérito de um trabalho que tinham desenvolvido em conjunto, numa parceria de cerca de 30 anos.

Porque a representatividade das mulheres na ciência aos olhos do público — e na Wikipedia — é ainda pequena, Jessica Wade dispôs-se a, durante o ano de 2018, criar uma página para uma mulher cientista em cada dia. A investigadora em Física no Imperial College de Londres, que também já tem uma página na Wikipedia, têm-se dedicado a ir às escolas mostrar às meninas que também podem ser cientistas e que há um lugar para elas na Física.