Foi em setembro do ano passado que Joana Vaz, Carolina Castro e Tomás Fandinga, alunos do 12.º ano da Escola Secundária Quinta do Marquês, em Oeiras, decidiram ir mais além numa das obras lecionadas na disciplina de Português. Queriam fazer uma leitura mais apelativa da obra através de uma ferramenta que ainda não existia. Por isso, pegaram no livro de José Saramago, “O ano da morte de Ricardo Reis”, e transformaram-no numa aplicação com dois roteiros para percorrer e conhecer a Lisboa de um dos heterónimos de Fernando Pessoa.

A ideia, conta Joana, surgiu quase como uma necessidade: “Encontrámos uma falha, porque como era o primeiro ano em que esta obra era estudada, apenas existiam os típicos resumos, mas nada mais do que isso”, explicou ao Observador. Assim foram dados os primeiros passos da “1936”, a app vencedora da quarta edição do Apps for Good, um programa anual que pretende ensinar os alunos e professores a utilizarem as novas tecnologias para fazer a diferença na sua comunidade.

Apesar de ainda ser um protótipo, os caminhos da “1936” já estão definidos: primeiro, o utilizador escolhe entre os dois roteiros ou informações adicionais sobre a obra. De seguida, surge um mapa com o percurso e o tempo que o utilizador vai demorar a percorrê-lo. Em cada local, há uma página que explica o que está a ser visto, o que era antes e que importância tem para a obra, juntamente com fotografias. O Hotel Bragança, por exemplo, foi onde Ricardo Reis esteve hospedado e é o primeiro local que surge num dos roteiros.

Durante o ano letivo, o grupo de alunos de Ciências e Tecnologias teve a tarefa de desenvolver este projeto. Além deles, fizeram-no também mais cinco grupos da mesma escola, com ideias diferentes, juntamente com quatro turmas que aprenderam os conteúdos do programa do Apps for Good, que fornece aos professores uma formação presencial e mais cinco formações online creditadas — através de uma plataforma com todos os conteúdos — para ajudar os alunos a iniciarem o produto e construírem uma app.

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O protótipo da app “1936”, desenvolvido pelos três alunos.

A impulsionadora da ideia nesta escola foi Fátima Santana, que inscreveu a instituição no projeto e apresentou-o “não como uma obrigação, mas como um desafio”. A professora de Aplicações Informáticas diz ter “juntado o útil ao agradável” ao aplicar a matéria da sua própria aula aos conteúdos deste programa. Já a professora de Português foi quem fez o “desabafo da dificuldade de recursos e do desafio que tinha em mãos com o estudo da obra de José Saramago”, tendo ajudado em tudo o que estava relacionado com o conteúdo da aplicação.

Joana, Carolina, Tomás e os restantes alunos tiveram de cumprir prazos, fazer muita pesquisa e aprender a programar. O facto de terem uma disciplina de informática ajudou, porque “havia sempre três horas da semana” em que tinham que se dedicar à ideia. Quando decidiram que iam seguir para a competição — que é opcional – com a “1936”, o desafio foi maior. “Já tínhamos acabado os exames, tivemos de voltar à escola durante vários dias, incluindo aos sábados”, conta Joana, que entrou este ano no Ensino Superior, no curso de Engenharia e Gestão Industrial.

Para já, o intuito da aplicação é conduzir a uma aprendizagem imersiva, porque convida o leitor da obra a escolher um de dois roteiros que caracterizam a obra, a posicionar-se geograficamente nesse ponto e, com isto, há também algumas explicações sobre os locais”, explicou Fátima Santana.

No dia da final do Apps for Good, que se realizou em setembro na Fundação Calouste Gulbenkian, o grupo teve dois minutos para apresentar a aplicação e mais dois para responder às questões do júri. Como o tempo era escasso, foi necessário delinear uma estratégia. Os alunos decidiram focar-se no problema e na razão para a aplicação ser necessária, ao invés de explicar apenas como ela funciona. “Fomos vestidos de Fernando Pessoa para mostrar que com a nossa aplicação qualquer um pode vestir a pele de Ricardo Reis”, explicou Joana.

“No fundo, o nosso projeto é uma pequena empresa”

O Apps for Good chegou a Portugal em 2014, quando o CDI (Center of Digital Inclusion) foi convidado pela Direção-Geral da Educação a aplicar o projeto educativo que tinha no Reino Unido. O objetivo do programa, explica João Baracho ao Observador, é ensinar os alunos e professores a fazerem uso das novas tecnologias ao desenvolverem aplicações para smartphones ou tablets que possam fazer a diferença na sua comunidade.

O objetivo macro é também ser uma ajuda para alterar o modelo educativo, isto porque nós defendemos o modelo educativo em que o professor é menos líder e mais facilitador”, acrescenta o diretor executivo do CDI Portugal.

Para Fátima Santana, além de ser um desafio, é também uma aprendizagem em simultâneo para os professores. “É ir além da sala de aula. É ver a lista de conteúdos e pensar ‘aquilo não é só um conteúdo para cumprir na aula’. É dizer aos alunos que o trabalho de casa é irem para casa discutir ideias com os familiares, por exemplo”, explica, acrescentando que o projeto serviu também para mostrar aos alunos que “tudo o que existe por detrás de uma aplicação, que facilmente se instala, tem de ser estruturado, devidamente organizado e estar apelativo”.

A professora de Aplicações Informáticas diz também que a experiência permite “transpor a posição de aluno para profissional”. E Joana, a aluna, explica: “Não só desenvolvemos outras competências, como também nos deu alguma imaginação e obrigou-nos a pensar e a superar as dificuldades. No fundo, o nosso projeto é uma pequena empresa. É muito diferente de outros trabalhos, porque não é o típico ‘hoje vou entregar, amanhã corrijo e depois esqueço’”.

“Fomos vestidos de Fernando Pessoa para mostrar que com a nossa aplicação qualquer um pode vestir a pele de Ricardo Reis”, explicou Joana.

O Apps for Good não recebe apenas alunos e professores da área tecnológica. Até porque, refere João Baracho, o programa tem quatro níveis de tecnologia, ou seja, “pode ser um professor, por exemplo, de educação física ou de história ou alunos que são de artes, todos podem entrar”. Ao todo, já participaram 232 escolas, cerca de 6698 alunos e 571 professores.

Para o responsável do CDI, um dos aspetos mais interessantes no programa é o facto de “os alunos trazerem ideias, muitas vezes, de problemas que detetaram em casa, na sua zona”, explica. Mas, há também outras equipas, principalmente as do interior, que vão às empresas, aos centros de idosos e aos centros veterinários e clínicas para prestar apoio e ver que problemas há para combater. “E isso é muito importante, porque é o contacto com a economia real, um dos nossos pilares”, sublinha.

Depois do programa, apesar de não haver um apoio monetário, as equipas que continuarem a desenvolver o projeto vão sendo convidadas para eventos e feiras onde podem conseguir financiamento para o seu produto. No caso da “1936”, os objetivos passam agora por deixar de ser apenas um protótipo, dar um passo em frente com a possibilidade de incluir áudio e tradução para outros idiomas na app, bem como apresentar o projeto a mais pessoas, de forma a conseguirem investimento.

(Texto editado por Ana Pimentel)