O governo da Catalunha, liderado por Quim Torra, perdeu a maioria parlamentar que o apoiava, na sequência de um longo diferendo que opôs os dois principais partidos independentistas — Juntos Pela Catalunha e Esquerda Republicana (ERC). A situação abre portas à instabilidade governativa e já levou alguns, como o líder do Partido Popular (PP), a falar na possibilidade de uma moção de censura que derrube a Generalitat e leve a região a novas eleições.

A divisão interna entre os partidos independentistas começou em julho, quando o juiz do Supremo Tribunal de Espanha, Pablo Llarena, impôs a obrigatoriedade de o Parlamento catalão nomear substitutos para os deputados acusados no processo legal relacionado com o referendo pela independência. Os seis estão atualmente detidos ou fugidos no estrangeiro, como é o caso do antigo presidente da Generalitat Carles Puigdemont.

Seguiram-se mais de dois meses de negociação entre a ERC e o Juntos, que resultaram num acordo para substituir os seis homens em causa — Oriol Junqueras e Raül Romeva, da ERC, bem como Carles Puigdemont, Jordi Sànchez, Jordi Turull e Josep Rull, do Juntos Pela Catalunha. Só que, como explica o El Periódico, depois de Junqueras e Romeva escreverem uma carta a pedir a substituição, o Juntos disse ter mudado de ideias.

A ERC começou então a pressionar os independentistas do Juntos para que apresentassem os seus substitutos. Nessa batalha, contou com o apoio dos assessores jurídicos do parlamento catalão, que defendiam que a ordem do juiz Llarena deveria ser cumprida e os deputados em causa substituídos, e do presidente do Parlamento, Roger Torrent (também ele da ERC).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Juntos Pela Catalunha, por seu turno, tentavam pressionar a ERC e Torrent a desobedecer à ordem jurídica — o que não veio a acontecer. Quando o Juntos apresentou no parlamento uma proposta para que os quatro deputados em causa pudessem manter o sistema atual — delegar o seu voto em outros deputados —, a ERC aliou-se ao Partido Socialista da Catalunha (PSC) e votou para classificar o texto como “não tendo efeitos jurídicos”.

Esta terça-feira, a rutura foi consumada no plenário. Os quatro deputados do Juntos enviaram uma carta onde deixaram clara a sua posição (e do partido): “Assumiremos a decisão e os nossos direitos deixarão de ser contabilizados.” A decisão é determinante, porque significa que a coligação independentista perde assim quatro deputados — o que se traduz numa perda da maioria parlamentar que detinham até agora. Dos 66 deputados com que contavam, subtraem-se agora os quatro do Juntos e um quinto deputado da ERC, Toni Comín. Comín está fugido em Bruxelas e é alvo de um recurso judicial ainda a ser analisado, apresentado pelo Ciudadanos, razão pela qual não pode ser para já substituído.

Na prática, tal significa que os independentistas têm agora 61 deputados. Mesmo contando com o apoio dos deputados da CUP, partido de extrema-esquerda da qual o Juntos e a ERC dependem, ficam-se pelos 65, aquém dos 68 necessários para ter maioria absoluta na câmara. O fim dessa maioria traduziu-se automaticamente na sessão do plenário desta terça-feira: sem os votos necessários, os independentistas não conseguiram aprovar uma proposta sobre a autodeterminação da Catalunha, um voto de reprovação do Rei pelas suas declarações sobre a independência catalã e um texto contra a “perseguição política e existência de presos políticos”.

Moção de censura à vista? Talvez não — para já

Com a perda da maioria dos independentistas no parlamento, o líder espanhol do PP, Pablo Casado, aproveitou para instar os líderes do Ciudadanos e do Partido Socialista (PSOE), Albert Rivera e Pedro Sánchez, a derrubarem o governo catalão.

“Estamos perante uma oportunidade histórica e não podemos deixá-la passar. Este é o momento para apresentar uma moção de censura”, declarou Casado no Congresso espanhol.

Essa, contudo, não parece ser a vontade dos partidos em questão, pelo menos para já. De acordo com o La Vanguardia, tanto o Ciudadanos como os socialistas catalães estão cautelosos, temendo que uma moção de censura possa unir os independentistas na próxima campanha eleitoral e prejudicar nas urnas os partidos que os derrubaram. “A estratégia”, escreve o jornal, “é esperar, assinalar as diferenças entre as principais forças independentistas, e que, pouco a pouco, a debilidade parlamentar leve o governo de [Quim] Torra a um final abrupto.”

Para além disso, explicou o vice do Ciudadanos José Manuel Villegas, a matemática não ajuda: é certo que os independentistas perderam a maioria, mas os restantes partidos, mesmo que se unissem todos, também não a têm. Isto porque, com cinco deputados a menos, os partidos não independentistas somam apenas 65 deputados — aquém, à mesma, dos 68 necessários para uma maioria absoluta. Soma-se a toda esta incerteza a posição do Catalunha, Sim Podemos (coligação que inclui o Podemos espanhol): embora contra a independência, o partido é favorável à realização de um referendo e pode pontualmente apoiar os independentistas em algumas matérias.

“Se nalgum momento virmos a oportunidade de retirarmos os separatistas das instituições, ninguém duvide que a aproveitaremos”, promete Villegas. “A moção [de censura] neste momento serviria para alinhar temporariamente o separatismo em oposição à moção e serviria para quem dissimulassem a crise.” Por outras palavras, o objeto das forças unionistas é o de tentar cozer os independentistas em fogo lento e ir-lhes dando lenha para se queimarem no parlamento. Resta saber como é que o Juntos Pela Catalunha e a ERC, a atravessar um momento de profunda divisão, conseguirão reagir a isso.