Da parte dos treinadores, existe uma ideia mais ou menos generalizada de que esta Liga das Nações não faz sentido. Porque é uma competição com um formato meio “esquisito”, porque coloca os jogadores com encontros de maior intensidade do que havia na era dos simples particulares entre grandes competições, porque é mais uma prova que aumenta a sobrecarga dos atletas. De certa forma, têm razão. Da parte dos selecionadores, o que se ouve mais é uma perspetiva quase diametralmente oposta. Porque só com este nível competitivo é possível verdadeiramente ir testando os jogadores antes dos maiores certames, porque é mais um troféu que eleva a “reputação” das seleções (e quando mete taças pelo meio, não há quem não queira ganhar). De certa forma, faz sentido. Mas também existe um reparo: ainda assim e apesar de tudo, há pouco tempo de trabalho extra jogos dos clubes.

“Nunca estou totalmente realizado. Tenho tido uma carreira interessante, é verdade, mas nunca estou totalmente realizado. Continuo a querer mais e mais, ser melhor treinador e isso é muito importante. Acho que ainda não estou no fim da linha”, dizia Fernando Santos na véspera do encontro, dia em que comemorou não só 64 anos como quatro no comando da Seleção. Estava descontraído, com sorrisos à mistura, orgulhoso de um percurso que teve como ponto alto a conquista do Europeu de 2016. E tinha um grande objetivo – centrar atenções nos jogadores à disposição sem pensar na ausência de Ronaldo. Sobretudo, claro está, nas unidades ofensivas, “porque se Portugal só se preocupasse em defender, não era campeão da Europa”, como destacou. E foi por aí que a Seleção tem um encontro de grande qualidade esta noite em Chorzow.

Pepe foi capitão na ausência de Ronaldo, festejou o triunfo mas vai falhar o próximo jogo por castigo (JANEK SKARZYNSKI/AFP/Getty Images)

Se Fernando Santos já se queixa do pouco tempo de trabalho e preparação que tem antes dos jogos, pior terá ficado com uma avaria que atrasou em cerca de três horas a viagem da comitiva nacional para a Polónia. Não fez propriamente mossa a nível de treinos, mas chateia sempre. E foi com algum atraso também que a equipa entrou. Com as linhas nacionais muito juntas e até mais recuadas do que seria de esperar sem bola, Klich e Krychowiak (parece ter perdido fulgor nos últimos tempos mas é um craque em qualquer equipa) nunca conseguiram construir com qualidade, os centrais polacos mostraram as fragilidades na saída e a alternativa foi sempre alargar o jogo à profundidade de Lewandowski e Piatek, quase sempre bem controlada pelo setor defensivo. No entanto, lá na frente, a facilidade com que conseguia chegar ao último terço não tinha continuidade.

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Ficha de jogo

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Polónia-Portugal, 2-3

2.ª jornada do grupo C da Liga A da Liga das Nações

Silesian Stadium, em Chorzow (Polónia)

Árbitro: Carlos Del Cerro (Espanha)

Polónia: Fabianski; Bereszynski (Kedziora, 46′), Glik, Bednarek, Jedrejczyk; Zielinski, (Błaszczykowski, 63′), Krychowiak, Kurzawa (Grosicki, 64′); Lewandowski e Piatek

Suplentes não utilizados: Szczęsny, Drągowski, Pietrzak, Goralski, Milik, Linetty, Kadzior, Szymanski e Kaminski

Treinador: Jerzy Brzeczek

Portugal: Rui Patrício; João Cancelo, Pepe, Rúben Dias, Mário Rui; William Carvalho, Rúben Neves, Pizzi (Renato Sanches, 74′); Rafa (Danilo, 84′), Bernardo Silva (Bruno Fernandes, 90′) e André Silva

Suplentes não utilizados: Cláudio Ramos, Beto, Cédric, Neto, Kevin Rodrigues, Sérgio Oliveira, Hélder Costa e Éder

Treinador: Fernando Santos

Golos: Piatek (18′), André Silva (31′), Glik (43′, p.b.), Bernardo Silva (52′) e Błaszczykowski (77′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a André Silva (37′), Klich (48′), Krychowiak (62′), William Carvalho (67′), Pepe (74′) e Mário Rui (78′)

Trocado por miúdos, o jogo explicava-se numa frase: sem velocidade na frente, era complicado Portugal marcar; sem ideias na construção, era complicado a Polónia marcar. E é aqui que entra o habitual desbloqueador – as bolas paradas. Com destinos diferentes: enquanto aos 7′ André Silva desviou a rasar a trave no primeiro poste após um canto trabalhado com cruzamento de Mário Rui, Piatek, a saltar mais alto do que Cancelo cá atrás na sequência de um canto, inaugurou o marcador aos 18′ perante os protestos de Rui Patrício que chocou com Lewandowski na pequena área quando se tentava fazer à bola.

Chorzow estava em festa com o golo do seu novo wonderboy, um avançado que leva 14 golos em dez encontros oficiais esta época e que faz esquecer o habitual companheiro do eterno capitão Lewandowski, Milik. Mas se a Polónia tem um jogador em destaque neste arranque de temporada, Portugal tem dois. Três. Quatro. Cinco. Os mesmos que começaram a aparecer de forma mais incisiva quando a equipa colocou coletivamente a quinta velocidade e abriu uma autoestrada demasiado evidente no lado esquerdo da defesa contrária com as combinações entre a locomotiva João Cancelo e Bernardo Silva.

Pouco depois da meia hora de jogo, e numa jogada onde o vagabundo Pizzi foi adensar ainda mais a superioridade nacional pela direita e ganhou espaço para ir cruzar atrasado à linha, André Silva voltou a revelar a veia goleadora deste início de época e tocou de primeira para o empate (31′). Pouco depois, e para fugir um bocado à rotina, Rafa galgou metros pela esquerda em posse, cruzou para o amortecimento de André Silva e Pizzi rematou de primeira para defesa de Fabianski; a seguir, numa jogada que teve início em Rui Patrício após canto da Polónia, Portugal chegou de forma vertiginosa à frente mas o tiro de Rafa na área saiu também à figura. A reviravolta parecia inevitável e nasceu dos pés de outro wonderboy, Rúben Neves: passe longo do médio do Wolverhampton procurando a profundidade de Rafa, receção orientada do avançado do Benfica a tirar o guarda-redes da frente e autogolo de Glik num último esforço antes do toque para a baliza deserta (43′).

Os últimos 20 minutos de Portugal na primeira parte tinham sido uma espécie de rolo compressor em termos táticos perante uma Polónia com debilidades mais visíveis sobretudo a nível de meio-campo do que tinha revelado na frustrante participação no último Mundial da Rússia, mas as coisas não melhoraram depois do descanso. Pelo contrário: se a Seleção já jogava à vontade, começou a passear à vontadinha, escolhendo ritmos de jogo e chegando com ainda maior facilidade ao último terço. Foi assim que Bernardo Silva, um mágico que também sabe vestir o fato de operário como se viu no recente Liverpool-City, agarrou a bola na direita, foi fazendo a diagonal para dentro e voltou a marcar de fora da área… dois anos depois.

Com grande mérito à mistura, Portugal tinha o jogo ganho perante a incapacidade da Polónia em criar perigo, ao ponto da grande referência, Lewandowski, não ter sequer feito um remate à baliza de Rui Patrício. E houve espaço para o brilho dos wonderboys com destaque para João Cancelo, bem como para a regeneração de outros elementos com início de temporada mais discreto como William Carvalho, médio que está a ter uma adaptação complicada ao Betis e à Liga espanhola (a imprensa local não tem sido nada meiga com o antigo jogador do Sporting, apelidado no último fim de semana de “tartaruga”…). Nem mesmo o golo de Blaszczykowski, a reduzir a desvantagem, beliscou a estabilidade da Seleção, que só não chegou ao quarto, ao quinto ou mesmo ao sexto golo porque Kedziora salvou uma bola de Renato Sanches em cima da linha; porque Fabianski fez a defesa da noite também a remate do médio do Bayern; e porque Bruno Fernandes, acabado de entrar, falhou de baliza aberta.

Quatro anos depois, Fernando Santos dá-se ao “luxo” de entrar em campo com uma equipa onde estão apenas três dos atletas mais utilizados durante o seu reinado na Seleção (Rui Patrício, Pepe e William Carvalho) e arrancar uma exibição de grande qualidade num terreno sempre complicado, mesmo assumindo o período de transição que a Polónia vive. Em termos práticos, o triunfo significa que Portugal está apenas a uma vitória de alcançar a fase final da Liga das Nações na sua edição de estreia; em termos mais globais, confirma que o lado “resultadista” tantas vezes apontado – às vezes sob forma de crítica sem grande sentido, porque quase não existem seleções que nos últimos quatro anos tenham perdido apenas duas vezes em jogos oficiais… – pode ser acompanhado por nota artística. Mesmo sem contar com o principal artista de todos.

Hoje, Portugal jogou, sem complextos, o que sabe. Com isso, todos os milhares e milhares de Silvas são felizes. Em especial os três que ocuparam esta noite um ataque sem Cristiano Ronaldo: Rafa, Bernardo e André.