Os múltiplos avisos por causa do furacão Leslie funcionavam como uma espécie de convite obrigatório para passar a noite em casa, de comando de TV na mão e com o som mais alto para evitar ouvir aquele vento de abanar árvores que marcou este sábado. No entanto, e por coincidência de calendários, quem gosta de desporto não tinha propriamente muitas opções por parar: alguns jogos de escalões mais baixos da Liga das Nações e pouco mais. Depois, havia Holanda-Alemanha. E ainda bem.

Ronald Koeman teve aquela primeira parte de sonho frente a Portugal num particular em março, que foi o seu segundo encontro no comando da seleção holandesa, e foi somando a partir daí alguns resultados interessantes com empates diante de Itália e Eslováquia e um triunfo diante do Peru. No primeiro jogo oficial, a contar para esta Liga das Nações, derrota por 2-1 com a campeã mundial França em Saint Denis. Ainda assim, ficaram alguns bons apontamentos, longe de se resumirem ao golo de Ryan Babel que empatou a partida a meio da segunda parte. Os mesmos que, esta noite, se confirmaram.

Passemos os olhos pelo filme do que se passou depois do golo inaugural, entre os 30 e os 40 minutos. E em duas jogadas em específico: na primeira, Cillessen, um guarda-redes de enorme qualidade que se encontra na sombra de Ter Stegen no Barcelona (que é suplente de Neuer na Alemanha), viu os dois centrais abrirem numa reposição, não teve medo de colocar no corredor central em Frenkie De Jong, em três/quatro toques nasceu um ataque rápido com o lateral Dumfries quase como extremo e só um corte de Ginter ao segundo poste evitou o golo de Babel; pouco depois, Depay veio recuperar uma bola ao seu meio-campo, deu de calcanhar em Babel e tudo acabou com um remate muito perigo de Wijnaldum. Esta Holanda ainda está longe daquela Laranja Mecânica que se tornou símbolo dos maiores romancistas do futebol, mas tem uma nova geração de grande qualidade, capaz de chegar de novo às fases finais das principais competições internacionais de seleções.

Babel, agora de cabelo vermelho, é a face da experiência nesta nova geração comandada por Koeman (EMMANUEL DUNAND/AFP/Getty Images)

É certo que a Mannschaft, a grande desilusão do último Mundial após ter ficado na fase de grupos quando tentava revalidar o título ganho no Brasil, atravessa uma fase de menor fulgor. Exemplo paradigmático disso é Kimmich, o polivalente do Bayern que fez falta na lateral direita mas também desiludiu assumindo um papel mais central no meio-campo. No segundo tempo, as entradas de Leroy Sané e de Draxler mexeram com as dinâmicas ofensivas da equipa, mas o conjunto de Joachim Löw está longe daquele poderio demonstrado em anos recentes. Algo que, em Amesterdão, ficou de novo bem patente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Num jogo que começou equilibrado, os dois primeiros remates com algum perigo até pertenceram aos germânicos, por Müller e Uht, que assumiu esta noite a posição mais avançada no ataque (16′ e 18′). No entanto, de forma progressiva, a Holanda acentuou a qualidade de posse e circulação e conseguiu destacar a velocidade e capacidade técnica do trio Babel, Depay e Bergwijn, um ala de 21 anos com muitos movimentos interiores que tem sido um dos melhores na Eredivisie até ao momento com quatro golos e outras tantas assistências no PSV e que fez esta noite a estreia. Muita qualidade à solta, que veria um defesa central inaugurar o marcador à passagem da meia hora. Logo ele, o “criticado” de Ronald Koeman.

“Já lhe disse abertamente que não está a jogar bem. Conheço-o bem e sei que é normal um defesa ter alguns percalços, facilitar em algumas jogadas, mas há coisas que não podem acontecer. Não pode dar um metro ao avançado, sobretudo com a qualidade do Giroud”, disse o técnico, recordando a derrota em França. “, explicou aos jornalistas, numa alusão ao golo de Giroud que garantiu a vitória da França frente à Holanda (2-1). “Na segunda-feira, quando chegou à concentração, percebeu de imediato o que pensei da exibição dele no domingo [nd.r. Liverpool-Manchester City]. Ia custando o jogo à equipa com um penálti depois de um desarme muito mal feito que não pode acontecer”, acrescentou. Apesar dos reparos, apostou em Van Dijk. E deu-lhe mesmo a braçadeira de capitão. Num canto, após remate de Babel à trave, foi o defesa mais caro da história a fazer o 1-0.

Van Dijk, que tinha ouvido alguns reparos de Koeman esta semana, inaugurou o marcador após canto (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)

A Alemanha surgiu um pouco melhor após o intervalo mas foi a partir das substituições que essa maior pressão em busca do empate se adensou. Tudo porque o que uns passaram a ter a mais, outros já tinham a menos: velocidade nas alas, com Sané e Draxler (e mais tarde Brandt) e mudarem por completo o ataque da Mannschaft e a dupla Bergwijn sem gasolina no tanque (por isso foram rendidos por Quiny Promes e Groeneveld). E seria o ala do Manchester City a ter a melhor oportunidade, com um remate ao lado isolado na área com um passe magistral de Kimmich – que entretanto subira no terreno e na influência.

Ainda houve um lance que deixou muitas dúvidas com Ginter na área da Holanda, mas o bom bloqueio que o setor defensivo contrário foi dando (Matthijs de Ligt, que voltou a ser observado pelo Barcelona na Johan Cruyff Arena, é um craque aos 19 anos) acabou por frustrar por completo as hipóteses germânicas de alcançar o empate. E ainda haveria um prémio para o espetáculo Depay nos 90 minutos já no final do encontro, concluindo da melhor forma uma saída rápida com assistência de Quincy Promes (87′). Antes, o avançado do Lyon tinha feito uma jogada desde o meio-campo a ganhar a alemães até ver o remate ser travado por Neuer; depois, ainda galgou mais uns 50 metros com a pressão de Boateng e acertou na trave. Seria Wijnaldum, numa grande jogada a sentar Boateng, a fazer o 3-0, mas é Memphis Depay que lidera esta nova geração que conseguiu um dos melhores resultados de sempre num duelo com muita história no futebol mundial.

Eu show Memphis: avançado foi o melhor em campo e um constante problema para os adversários (EMMANUEL DUNAND/AFP/Getty Images)

Desde 2002, Holanda e Alemanha tinham jogado cinco vezes entre si, com duas vitórias para os germânicos e três empates. Longe vão os tempos em que este era um dos duelos mais aguardados pelos amantes de futebol, como aconteceu na meia-final do Europeu de 1988 (2-1 para a Holanda) ou nos oitavos do Mundial de 1991 (2-1 para a Alemanha). Ponto comum? Ronald Koeman, então central, a marcar. É nas mãos deles que se encontra a geração com todos os argumentos para colocar a Laranja nos grandes palcos como há algum tempo não acontece e, para já, esse caminho tem sido feito com resultado.