O antigo clássico lisboeta, conhecido sobretudo pelo bacalhau, está uma vez mais de portas abertas. Depois de meses de futuro incerto, a Antiga Casa Faz Frio encontrou um novo rumo: o interior foi remodelado, está mais arejado e luminoso, e os elementos que emprestavam alma e carisma ao restaurante de outros tempos não mudaram de sítio. Os compartimentos de madeira, agora pintados de verde, continuam visíveis, o chão de laje centenária é o original e as mesas e os bancos já cá estavam antes de nós, ainda que com algumas alterações.

A remodelação, diz-nos Jorge Marques, à frente do espaço, saiu mais cara do que construir tudo de raiz, mas, nesta equação, não pesou necessariamente o dinheiro, antes a vontade de dar nova vida à Antiga Casa Faz Frio sem desvirtuar as memórias a ela associada. Afinal, são cerca de 150 anos de uma história intrinsecamente ligada ao coração lisboeta, com o restaurante centenário a marcar presença numa das principais artérias do Príncipe Real.

© Jorge Simão

Em 2017 foram muitas as notícias de um possível encerramento do restaurante, agora, Jorge Marques, de 26 anos, confirma a realidade alternativa: “Ninguém foi expulso daqui. Houve foi uma alteração de gerência”, diz, garantindo que este é “um negócio de família”. Admite que ao início encontrou resistência, com algumas pessoas a dizerem que iam destruir o espaço. A ideia nunca foi essa: “Uma das coisas que levo comigo é que há muita gente que vende produtos, eu quero vender histórias”. As obras começaram em janeiro e prolongaram-se durante nove meses, dado o tempo que o zelo e o cuidado levam. Foi preciso garantir “condições sanitárias e de serviço” e não fugir às recomendações do projeto Lojas com História, da Câmara Municipal de Lisboa, cuja placa está à porta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Desde o dia zero que as obras foram feitas com o consentimento das Lojas com História e tudo passou pela Câmara Municipal de Lisboa. Nada foi feito à socapa. No princípio ainda pensámos em alargar o espaço dos compartimentos por uma questão de conforto, mas as senhoras à frente do projeto disseram logo que isso ia desvirtuar o espaço. Foram elas que nomearam os apontamentos que fazem deste um espaço com história: os azulejos à entrada, do lado direito de quem entra, o marinheiro feito por Mário Cesariny, a vitrine, etc”, conta Jorge Marques.

A carta, que leva a assinatura de Mateus Freire — trabalhou com o chef Vítor Claro e passou pelos restaurantes Tágide e Fortaleza do Guincho — foi refeita a pensar também no que antes era servido à mesa na Antiga Casa Faz Frio. É por isso que todos os dias, pela hora do almoço, há um prato de bacalhau à escolha. No couvert encontramos pão fresco, feito diariamente, azeitonas temperadas e manteiga trabalhada na cozinha. Nas entradas destaca-se a meia desfeita, os pastéis de bacalhau (que estão para chegar), os croquetes ou a salada à Faz Frio. As tábuas são de queijo, de enchidos e de paleta. Nos pratos principais há propostas como massada de peixe para duas pessoas (32 euros), peixe assado com puré de cebola e legumes (16 euros), carne de porco à Faz Frio com xerém de ameijôas (15 euros) ou ensopado de borrego com hortelã (16 euros). No que às sobremesas diz respeito, tanto gerente como chef recomendam o pastel de nata, também ele caseiro.

© Jorge Simão

A carta de vinhos, criada para a acompanhar a bebida, é propositadamente curta e dominada pela mestria de Sandra Tavares da Silva, responsável pelos rótulos da Quinta da Chocapalha que constam na lista e também por outros da empresa duriense Wine & Soul, que pertence à mesma enóloga e ao seu marido, Jorge Serôdio Borges. A representar o Alentejo estão referências como Dona Maria e nos Vinhos Verdes destaque para o Soalheiro, incluindo o Terramatter  — com tempo, Jorge Marques quer trazer mais vinhos naturais. Cocktails é coisa que não falta, bem como opções de whisky, rum, licor e aguardente.

O Faz Frio já foi cenário de tertúlias, porto de muitos marinheiros e palco de animados serões ao som de guitarras. Em 2018, renasceu como um espaço para relembrar o passado e celebrar o presente. À mesa, com certeza. Um restaurante tipicamente português, onde a tradição se saboreia sem pressas”, lê-se na página de Facebook do restaurante.

A preferência é pelos produtos da estação, o desperdício zero é tema para levar a sério e a comida portuguesa sofre uma reinterpretação — os pratos estão “atualizados”, afirma Jorge Marques, que detesta o adjetivo “modernizados”. A apresentação é definitivamente diferente e alguns dos produtos são cozinhados a baixa temperatura. Na cozinha ainda há testes a serem feitos e à carta vão chegar outros pratos, como o arroz valenciano, a paella, que tanta fama aqui ganhou. O mesmo acontece ao nível do serviço na sala de refeições. Na verdade, o antigo restaurante que se fez novo está em soft opening. Jorge Marques, que desde os 18 anos trabalha nesta área e acumulou experiência nos restaurantes Dinner by Heston, em Londres, e no Maaemo, na Noruega, além de ter sido gerente de Food & Beverege num hotel nos Estados Unidos, não sabe precisar quando tudo entrará nos eixos, mas garante que em 2019 estarão definitivamente abertos.

Apesar de ser conhecida como “Antiga Casa Faz Frio”, na ementa e nos individuais de papel que cobrem as mesas está escrito apenas “Faz Frio”. Talvez assim seja porque o restaurante tem outra aura e de antigo só sobra o que é história e histórico. De qualquer das formas, é preciso acrescentar que, por cá, já não faz frio: a portas das traseiras que, em tempos estava sempre aberta não fosse a polícia política encontrar, numa realidade pré-25 de Abril, grupos com mais de três pessoas numa das salas privadas, e que gerava corrente de ar, está agora selada. A da frente já está aberta.

Nome: Faz Frio
Morada: Rua Dom Pedro V 96, Lisboa
Tel.: 21 581 4296
Horário: Às terças, quartas e aos domingos, das 12h às 00h; quintas, sextas e sábados, das 12h às 02h.