“Pedro Costa: Companhia” é uma viagem pelas obras do autor através da sua estética, das suas influências criativas e dos vários artistas que ao longo da carreira do cineasta dialogaram com ele. A arquietura expositiva, da responsabilidade de José Neves, é desafiadora e obriga-nos a olhar várias vezes para o mapa que nos situa nos corredores escuros, nos halls estreitos que se precipitam para um ponto de fuga, que tanto pode ser a natureza morta de Picasso, um excerto de Trás-os-Montes, de António Reis e Margarida Martins Cordeiro ou uma galeria cheia e luz com quadros de João Queiroz, Karl Schwieig ou Maria Capelo.

Na visita de imprensa feita na manhã da inauguração, apontada para as 22h desta sexta-feira, a exposição ainda estava a ser montada. “Vamos ver o Pedro Costa a afinar as peças”, dizia-nos Marta Almeida, diretora adjunta do museu, enquanto nos ajudava a serpentear guindastes, cabos, escadotes e obras dispostas no chão à espera de ocupar o seu definitivo lugar.

Não foi isso que nos impediu de ter uma primeira perceção do objeto final desta mostra, envolvente de um modo tenso, obscuro, onde somos constantemente interpelados por personagens que nos enchem com a sua voz, como o caso de Ventura em Alto Cutelo, nos fitam de películas centradas em rostos com uma grave intensidade emocional, das fotografias de Walker Evans ou do retrato “Portrait d’un noir”, de Theodore Géricault, exibido logo à entrada num olhar que nos prepara para uma experiência absolutamente submersível.

Uma obra do pintor espanhol Pablo Picasso, está patente na exposição (Foto: RUI FARINHA/LUSA)

Nos vários pontos de contacto e de diálogo que podem ser encontrados ao longo de toda a ala esquerda do Museu, vestida de negro para esta produção, há uma constante leveza de formas e uma sensação de infinito profundo que pode muito bem ser o cerne crítico e criativo de Pedro Costa como o âmago mais íntimo do espectador. Na secção número 8 levitamos entre “As Filhas do Fogo”, projetadas em cinco telas acrílicas suspensas no ar, e as esculturas em ferro “As tuas mãos” de Rui Chafes; na 14 são as fotografias de Paulo Nozolino que prolongam a instalação de vídeo “Minino Macho, Minino Fêmea”, ambas obras da coleção de Serralves; na 24, do piso de baixo, contornamos fotografias de Jacob Ribs expostas em três filas de colunas desalinhadas, espécie de bosque negro com árvores humanizadas, e que nos antecipam a entrada na última secção expositiva, a ampla sala 25 com “Sweet Exorcist” de Pedro Costa. Toda a exposição faz-se de contrastes: luz e sombra, amplitude imensa e corredores apertados, como se o artista estive a induzir o seu público a um estado inquieto de dúvida e de suspense antes de lhe desvendar a plenitude do seu olhar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A única peça que está geograficamente apartada do resto das obras é a da galeria A, de Chantal Akerman. Lá reside “Femmes d’Anvers en Novembre”, projetada em grande plano na parede do fundo e em planos mais pequenos na parede da direita. À esquerda “The End of a Love Affair”, onde a câmara de Pedro Costa fita um homem inquieto num quarto, à janela, como se estivesse à espera da personagem feminina de Chantal, tão próxima como inatingível.

Durante o fim de semana há sessões com os filmes de Pedro Costa

No final da visita, sem que Pedro Costa quisesse falar à imprensa, Marta Almeida reforçou a honra de ter novamente o cineasta com uma produção em Serralves (a primeira foi em 2005, lado-a-lado com a escultura de Rui Chafes) e a abertura do museu ao cinema, destacando a programação paralela que vai acompanhar a exposição. Durante o fim-de-semana haverá quatro sessões de cinema com a exibição de “O Nosso Homem” (2010), “Cavalo Dinheiro” (2014), “Casa de Lava” (1994) e “Juventude em Marcha” (2006), as primeiras duas com apresentação de Pedro Costa e João Fernandes, as seguintes por Nuno Crespo e José Neves, respetivamente. Já no dia 28 será a vez de “No Quarto de Vanda” (2000), apresentada pelo crítico e ensaísta António Guerreiro.

De fora ficou a polémica sobre a demissão de João Ribas, com Robert Mapplethorpe atento atrás de nós, na ala direita do Museu. “Penso que não, que isso não trará um impacto negativo nesta e noutras exposições futuras”, disse a atual responsável pelo departamento artístico do Museu, escusando-se a falar se já há ou não uma data definida para o concurso que ditará o sucessor de João Ribas à frente da direção de Serralves: “Estou focada na concretização da programação”, afirmou.

Mais informações aqui.