O Estádio de Wembley, em Londres, esteve muito perto de ser vendido. Shahid Khan, um bilionário norte-americano que é dono do Fulham e da equipa de futebol americano Jacksonville Jaguars, apresentou uma proposta de 600 milhões de libras pelo estádio nacional de Inglaterra há mais de um ano e as conversações com a Football Association (FA) começaram em abril – mas agora, seis meses depois, decidiu desistir do negócio.

A história tem vários capítulos. A ligação de Shahid Khan, que fez fortuna com uma empresa que vende peças de carros, com Wembley começou ainda antes da proposta de compra. Desde 2013 que os Jacksonville Jaguars disputam uma partida por época em Wembley – algo que se revelou muito lucrativo tanto para a equipa como para a FA, dona do estádio – e a proposta de Khan tinha como principal motivação a extensão da presença da NFL e dos Jaguars em Londres nos próximos anos. O acordo prévio entre o empresário e a FA, que até já tinha sido aprovado pela administração do organismo que regula o futebol inglês, previa a manutenção da gestão do Club Wembley (o clube de membros do estádio, avaliado em 300 milhões de libras) por parte da federação e o investimento dos 600 milhões de libras na construção e reparação de infraestruturas ligadas ao futebol infantil e não profissional.

Terá sido este o motivo principal para a aceitação generalizada da venda por parte da sociedade inglesa. Apesar de Wembley ser um ícone do futebol inglês, os adeptos do país consideraram mais importante o investimento nos relvados em más condições, nos balneários degradados, e nas instalações precárias onde milhares de crianças por todo o país jogam futebol. Mas é preciso acrescentar à história um outro fator: o novo Estádio de Wembley, inaugurado em 2007 e construído no mesmo sítio onde estava o velhinho Wembley, demolido entre 2002 e 2003, custou 757 milhões de libras. E, deste total, apenas 161 milhões correspondem à contribuição do Ministério do Desporto. Conclusão? A FA, organismo cronicamente em dificuldades financeiras, ainda deve 140 milhões de libras relativos à construção do novo estádio. A injeção de dinheiro através da venda seria, obviamente, uma ótima notícia para os cofres do futebol inglês.

Mas a opinião dos adeptos ingleses não se manteve a favor durante muito tempo. Além de um comunicado do porta-voz de Theresa May, onde o Governo britânico alertava para a importância da opinião dos adeptos nesta decisão, terá sido uma declaração do vice-presidente executivo da NFL a virar de vez o azimute da generalidade da sociedade inglesa. Na semana passada, Mark Waller considerou como válida a hipótese de Wembley ser a casa permanente de uma equipa da NFL a partir de 2022 e não deixou de lado a possibilidade de organizar o Super Bowl em Londres. Os representantes de Shahid Khan apressaram-se a desvalorizar estas declarações – ressalvando que uma decisão destas teria de ser incluída no acordo prévio com a FA e isso não acontecia. O empresário norte-americano esclareceu ainda, já que esta era uma das preocupações capitais dos adeptos ingleses, que iria manter o histórico Wembley no nome do estádio, apesar de não ter descartado a forte probabilidade de ao mítico nome ser acrescentado o nome de um patrocinador: “Wembley vai ficar. Isso, para mim, é sagrado”, disse Shahid Khan em entrevista ao The Guardian.

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Shahid Khan comprou os Jacksonville Jaguars em 2011 e o Fulham em 2013

“Eu adoro Wembley enquanto estádio, enquanto instituição. Mas acho que é pouco utilizado. O legado de Wembley enquanto templo do futebol inglês é importante. Queremos que isso se mantenha assim e acrescentar outros eventos, como jogos da NFL. Acho que precisa de investimento e modernização”, acrescentou o empresário, cuja fortuna está avaliada em cerca de 5,2 mil milhões de libras.

Depois desta entrevista, a opinião pública voltou a ficar do lado de Khan. A verdade é que Wembley é, de facto, pouco utilizado, e a venda do estádio nacional de Inglaterra a uma empresa privada faria com que a seleção inglesa tivesse de começar a disputar os jogos em casa nos estádios dos clubes um pouco por todo o país pelo menos de setembro a janeiro, durante a temporada da NFL, já que os Jacksonville Jaguars teriam privilégios na utilização do estádio. Ora, para os adeptos, que há décadas têm de se deslocar a Wembley se quiserem ver a seleção dos Três Leões, isto significava ter Harry Kane, Marcus Rashford e Raheem Sterling a brilhar em Stamford Bridge, Old Trafford ou Anfield Road.

Mas esta quinta-feira, a uma semana da reunião decisiva onde os 127 membros da FA iriam votar a venda – e já depois do conselho de administração ter aprovado a proposta e do presidente do organismo ter incentivado o voto a favor -, Shahid Khan recuou. O empresário norte-americano explicou em comunicado que, depois das notícias que davam conta de várias vozes oposicionistas entre os membros da FA, acredita agora que “a proposta está a tornar-se mais divisiva do que seria de esperar” e que, por isso mesmo, decidiu retirar a proposta de compra do estádio de Wembley. Ainda assim, Khan ressalva que o interesse permanece e que, caso os membros da FA decidam tomar uma decisão unânime, sabem onde encontrá-lo.

Por agora e provavelmente durante os próximos anos, Wembley vai continuar a pertencer à FA e a receber os jogos da seleção nacional inglesa – para além de ser a casa provisória do Tottenham, enquanto o novo Tottenham Hotspur Stadium não está pronto. A perder ficam os relvados, os balneários e os clubes dos torneios de domingo. Mas há soluções: até porque, como recorda o The Guardian, a Premier League só está a contribuir para a FA com 3,6 dos 5% prometidos relativos aos direitos televisivos dos clubes.