O dia começou al fresco, já na reta final do calendário do Portugal Fashion. Depois de se terem estreado na Semana da Moda de Paris, em setembro, Marta Marques e Paulo Almeida pisaram, pela primeira vez, a passerelle portuense. A céu aberto e com o Cais de Gaia ao fundo, a dupla Marques’Almeida interpretou o ser português, à sua maneira, claro. Já Katty Xiomara recolheu-se no interior da Sala Poente da Alfândega do Porto. Foi, muito possivelmente, o desfile mais longo do dia, com a criadora a explorar todas as possibilidades que os seus estampados gráficos, detalhes desportivos, sobreposições de organza e bordados tinham para oferecer. “BeBold” foi um show de cor, mas também de volumetrias. Ora cheias, ora retas, Xiomara alternou as silhuetas e deu forma ao conceito da mulher que se multiplica em diferentes corpos e personalidades.

Nuno Baltazar, nome que se seguiu, deixou a sala a abarrotar. O sentido de oportunidade de “Tatuagem” não foi tudo, mas deu força ao que o próprio designer considerou ser uma “coleção de intervenção”. Inspirado pela forma como os poetas e músicos brasileiros reagiram à opressão da ditadura no país, entre 1964 e 1985, mandou a música (em concreto, “Cálice” de Chico Buarque) e as artes à frente, o vestuário do próximo verão seguiu-lhes as pisadas. O desfile foi um crescendo. Dos primeiros coordenados, com silhuetas de influência militar e obedientes a uma paleta de caquis, beges, verde seco, preto e amarelo mostarda, Baltazar fez a coleção evoluir na direção de uma explosão de cor.

Nuno Baltazar © João Porfírio/Observador

Foi então que o vermelho, o púrpura e o laranja irromperam, numa revolução apoiada pela fluidez da seda e pelo brilho do lurex. “É uma chamada de atenção para as pessoas e para os próprios artistas. É importante que não se esqueçam de que temos essa obrigação, de falar sobre o que é fundamental, sobre o que não estão bem. Esta é a minha forma de dizê-lo, é a minha voz e faço questão de fazê-la ouvir”, refere Nuno Baltazar ao Observador. “O trabalho feito nas cinturas era como se estivessem ali as duas mãos da censura a agarrar, a prender, a segurar. As camadas de peças simbolizavam o que é escondido numa altura em que não se poder falar livremente. Depois, a força da palavra, da poesia, da cultura que floresce com a cor e com a leveza”, explica.

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Nuno começou a desenhar esta coleção há meses, quando não lhe passava pela cabeça que o desfile viria a acertar em cheio no período entre voltas eleitorais. “Quando tive de escrever o texto de apresentação da coleção é que percebi que tinha estado a trabalhar um tema que parecia tão longínquo, mas que, de repente, ficou tão atual”, conta.

O criador destaca o último ano como tendo sido especialmente trabalhoso. Mudou a loja e o atelier para a Rua do Bolhão e está prestes a lançar a loja online da marca. Foi entre coisas que dão trabalho que começou a desenhar esta coleção. “Comecei a pensá-la ainda no outro atelier, mas desenvolvi-a no novo. Quando comecei, ainda estava só na Elis Regina e no Chico Buarque. Esta componente mais política veio à medida que o meu raciocínio criativo e a minha pesquisa me foram levando”, conclui. Elis fechou, presente e imortal, como aparece sempre soa “Como Nossos Pais”.

No mesmo dia, o calendário do Portugal Fashion deu lugar ao habitual desfile das marcas de calçado e acessórios. Ambitious, Fly London, J. Reinaldo, Nobrand, Rufel e The Baron’s Cage apresentaram propostas para o próximo verão, tal como fizeram as marcas Meam e Concreto.

Storytailors e Alves/Gonçalves: dois verões made in Lisboa

Habituados a desfilar em Lisboa, data que o Portugal Fashion riscou do calendário na sequência do protocolo assinado com a ModaLisboa, os Storytailors subiram até à invicta. Na mala, trouxeram “222”, uma coleção que dá continuidade à da estação anterior, incluindo peças que, através de fechos, podem ser conjugadas entre si. Ao engenho têxtil, a dupla João Branco e Luís Sanchez acrescentou uns pós encantados. O desfile começou com linhos suaves e estivais e evoluiu para uma espécie de baile de debutantes numa estação espacial, impressão sustentada pelo uso (e abuso) de jerseys metalizados em grandes saias de cauda. Futurismo e romantismo embrenharam-se, sublinhando uma vez mais o caráter gender fluid das peças.

Alves/Gonçalves, outra dupla lisboeta que rumou ao Porto para projetar o próximo verão. Para a alfândega, trouxeram aquilo a que Manuel Alves e José Manuel Gonçalves chamam “silhuetas com formas amplas”. Os materiais de acabamento brilhante e metalizado foram o prato forte da noite, que ainda ia a meio. Os plissados deram corpo aos materiais fluidos, que voavam durante a marcha das manequins pela passerelle, o movimento veio com o foil. Entre azuis, verdes, vermelhos — todos igualmente elétricos –, pretos e brancos, o arquétipo de mulher escândalo deu-se a conhecer ao Norte. Por explicar ficou o padrão de bolas que apareceu na reta final do desfile. Uma coisa é certa, no Porto ou em Lisboa, Alves/Gonçalves será sempre Alves/Gonçalves, sem variação de pronúncia.

Alves/Gonçalves © Ugo Camera

Neste último dia da 43ª edição do Portugal Fashion, Luís Buchinho confirmou a velha máxima que diz que o melhor fica sempre para fim. O criador chegou de Paris há menos de um mês, onde apresentou uma coleção inspirada no gyotaku, técnica utilizada por pescadores japoneses para imprimir peixes em papel. Ainda assim, no Porto, o power foi outro. Além de peças inéditas, o cenário de armazém, a força da batida e a passada confiante do casting de modelos reafirmaram a força do criador, um dos grandes nomes fortes da moda nacional.

Pé de Chumbo e Luís Onofre completaram o o calendário deste último dia de Portugal Fashion. A marca de Alexandra Oliveira manteve-se fiel à sua linguagem própria, partindo da “palhinha” e da cestaria para dar um toque especial ao verão de 2019. A seda, o algodão e a ráfia foram os principais materiais usados, Cuca Roseta esteve lá e abriu e fechou o desfile… a cantar. Luís Onofre brincou aos índios e aos cowboys, mesmo ao estilo do Velho Oeste. Entre botas texanas e stilettos e sandálias em tons de areia, mostrou estar à vontade com saltos de qualquer altura.

Luís Onofre © Ugo Camera

Com a celebração de 30 anos de carreira de Júlio Torcato, chegou ao fim a 43ª edição do Portugal Fashion. Numa edição em que cerca de 35 mil pessoas passaram para a Alfândega do Porto, o calendário esteve especialmente preenchido. Além dos desfiles, o espaço Brand Up expôs as criações de mais de 50 marcas designers nacionais, incluindo três nomes do portefólio de criadores da ModaLisboa — Imauve, Duarte e Patrick de Pádua. Na última quinta-feira, quando esta iniciativa abriu as portas ao público numa espécie de dia aberto, mais de 4000 pessoas passaram pela área de exposição. Destaque ainda para a presença de buyers, jornalistas e stylists estrangeiros. A organização assegura que cerca de 50 marcaram presença. O protocolo assinado entre as duas plataformas nacionais irá garantir o intercâmbio de designers daqui em diante. A par de novidades que daí possam advir, a próxima edição do Portugal Fashion, em março de 2019, já tem garantido um novo espaço dedicado, em exclusivo, à moda infantil. O sector está em crescimento