Quando as pessoas fizerem as contas ao que “perdem” com este Orçamento do Estado para 2019, “já será tarde: o voto já está na urna“, avisou esta terça-feira Cecília Meireles, numa conferência no ISCSP. Na opinião da deputada do CDS-PP este é um Orçamento “eleitoralista”, mas não pela razão enunciada minutos antes por um deputado do PS, Fernando Anastácio — que o orçamento só seria eleitoralista no sentido em que “satisfaz as pessoas”. “O Orçamento é eleitoralista, sim“, considera Cecília Meireles, “não porque satisfaz as pessoas, mas sim porque engana as pessoas“.

Esta foi uma das trocas mais acesas de um debate organizado, nesta terça-feira, pelo núcleo de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP). Pelo segundo ano consecutivo, o ISCSP convidou deputados dos maiores partidos para uma breve discussão sobre o Orçamento do Estado que está em discussão. Além de Cecília Meireles e Fernando Anastácio, participaram Margarida Balseiro Lopes, do PSD, Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, e Paulo Sá, do PCP.

Sendo o debate numa faculdade, uma das principais medidas do Orçamento do Estado em discussão foi a descida do valor da propina máxima em 212 euros (para 856 euros), trazida para a discussão pelo Bloco de Esquerda. “As propinas são das mais altas da Europa e isso não é suposto acontecer quando os rendimentos dificilmente são os mais altos da Europa”, atirou Mariana Mortágua.

Em contraponto, Margarida Balseiro Lopes considera que essa é uma das “medidas que parecem simpáticas, mas que, na realidade, não serão tão simpáticas”. Porquê? “Porque há uma redução da propina máxima mas, ao haver a redução da propina máxima, isso faz com que o limiar de elegibilidade de atribuição de bolsas de estudo desça 3%. Em termos práticos, aquilo que vai fazer é que milhares de alunos bolseiros, que antes tinham acesso à bolsa, vão deixar de receber”, explicou a deputada do PSD.

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Mas “os jovens e as famílias destes jovens só vão aperceber-se disto no próximo ano [letivo] quando levarem uma nega dos serviços de ação social”, acusou a deputada do PSD, que, contudo, considerou positivas algumas medidas do Orçamento do Estado, como os aumentos das pensões e o passe único nos transportes para as duas principais cidades do país.

Mariana Mortágua acautelou, porém, que “tudo isto vai ser discutido na especialidade” e que é possível, segundo a deputada bloquista, assegurar que esse efeito sobre a ação social nas universidades não se verifica. A deputada considerou, também, demagógico que se possa dizer que vamos baixar as propinas também para os “filhos dos banqueiros” que frequentem o ensino público, até porque “os banqueiros são uma espécie em vias de extinção“.

Para as deputadas do CDS-PP e do PSD esta é uma das medidas do Orçamento do Estado que são “enganadoras”. A expressão é de Cecília Meireles, que se insurgiu contra a declaração anterior de Fernando Anastácio, do PS — “tem-se dito que o orçamento é eleitoralista. Bem, só se ser eleitoralista significa que é um orçamento que satisfaz as pessoas, que agrada as pessoas e que as empresas apontam medidas positivas, sem prejuízo de quererem mais”.

Mas Cecília Meireles defendeu que “este orçamento não é eleitoralista porque ‘satisfaz’ as pessoas, é eleitoralista porque engana as pessoas”. “Satisfazer as pessoas todos os orçamentos querem fazer, em todos os governos. A questão é: podemos discutir muita coisa, mas os números não mentem: a carga fiscal aumentou” nos anos desta governação.

Um exemplo dos “enganos” que este governo promove é a questão do IRS. “Se não há uma alteração das tabelas de taxas de IRS é evidente que o IRS não vai baixar”, porque o que este governo “ardilosamente” fez foi “pegar nas tabelas de retenção da fonte em 2018 e reter mais do que o necessário para que as pessoas pagassem mais durante o ano mas, depois, tivessem um reembolso maior do que esperavam porque pagaram mais do que deviam”, isto é, já em meados de 2019, perto das eleições europeias.

Já no Orçamento que está em discussão, para 2019, em que não há nenhuma mexida nos impostos, “o governo vai manipular as taxas de retenção na fonte”, avisou a deputada, “diminuindo as percentagens que se retêm todos os meses, para criar a ilusão de que o IRS está a baixar e, depois na primavera de 2020, quando apresentarem a declaração, vão receber um reembolso mais pequeno”. Mas aí, diz Cecília Meireles, “quando as pessoas se aperceberem disso, na altura de entregar o IRS de 2019, já é tarde: o voto já está na urna” (uma referência às eleições legislativas de 2019). Além disso, onde existem aumentos automáticos com a taxa de inflação, algumas pessoas podem perder salário por não haver atualização das tabelas, avisou a deputada centrista.

Cecília Meireles também criticou que este Orçamento do Estado, tal como os anteriores, sacrifique o investimento público: “aquilo que nós estamos hoje a investir hoje vai-se sentir daqui a 20 ou 30 anos, designadamente em educação, com o crescimento potencial que o país terá nessa altura”. O deputado do PS Fernando Anastácio tinha dito, momentos antes, que “temos de reconhecer que o ano de 2016 foi um ano difícil do ponto de vista do investimento público, mas temos vindo a crescer no investimento público de forma sustentada — temos de reconhecer que poderia ser melhor mas é o possível dentro das disponibilidades existentes”.

Fernando Anastácio diz que o PS “espera já em 2019 ter um investimento público em números superiores aos de 2015”.