Um muro comprido e baixo separa a rua alcatroada de um mar de vinhas. Duas das parcelas que alcançamos a olho nu são das mais antigas do Alentejo — os registos remontam a 1901 e 1903 — e ainda produzem. Trabalhada a uva e transformado o bago em vinho, dão origem a algumas das referências da Tapada do Chaves, marca clássica da região que recentemente ganhou outro fôlego.

Em junho do ano passado, a Fundação Eugénio de Almeida (FEA), que detém a Cartuxa, adquiriu a marca de vinhos Tapada do Chaves, com décadas de história e um peso considerável na afirmação do Alentejo enquanto região produtora de vinhos de qualidade. A Tapada do Chaves passou de mãos há pouco mais de um ano — foi comprada à Sociedade Agrícola e Comercial do Varosa, que detém as Caves da Murganheira — e já tem o que mostrar: Tapada do Chaves Tinto Reserva 2013 (33,95 euros), Tapada do Chaves Vinhas Velhas 2008 (75 euros) e Tapada do Chaves Tinto Vinhas Velhas 2010 (99 euros) são as referências que se encontram no mercado. Todos eles vinhos elegantes e com um elevadíssimo potencial de guarda. De referir que o branco 2017 acabou de ser lançado (tem uma semana de uma vida; 26,95 euros).

1988

O ano marca a demarcação oficial da região vitivinícola do Alentejo, tendo para isso contribuído o prestígio de marcas como José de Sousa, Esporão, Mouchão, Quinta do Carmo e também Tapada do Chaves.

“Sempre olhámos para a Tapada do Chaves como tendo uma identidade muito própria e nunca quisemos confundi-la com a FEA. São dois projetos com um cariz muito próprio” diz ao Observador José Mateus Ginó, presidente do Conselho Executivo da FEA. Está sentado numa cadeira antiga numa sala possivelmente ainda mais antiga, no edifício que mora virado para as vinhas da tapada, na encosta de São Mamede. Estamos em Frangoneiro, nos arredores de Portalegre, num monte dominado por vinhas que, ainda em dias de extremo calor, como aquele em que o Observador visitou o projeto, mostram-se envolvidas por um verde vivo cheio de força.

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A Tapada do Chaves existe desde o início do século XX.

1961

A primeira garrafa da marca Tapada do Chaves data de 1961, embora haja produção de vinho conhecida na propriedade desde o início do século XX. “Desde que há vinhas na tapada, há produção de vinho na tapada, mesmo quando ainda não existia lógica de marca e de vinho engarrafado”,  diz José Mateus Ginó, presidente do Conselho Executivo da Fundação Eugénio de Almeida e administrador da marca em questão.

A história da marca faz-nos recuar ao início do século XX, quando um tal de senhor Chaves plantou nesta propriedade — que também pode ser chamada de tapada — os primeiros vinhedos. Em 1920, o pedaço de terra é adquirido por Joaquim da Cruz Baptista, que acrescenta outras parcelas de vinha ao terreno cultivado. Cerca de 40 anos depois começa a exploração comercial da marca que ganha maior entusiasmo com Getrudes Fino, filha de Joaquim, que ajuda a impulsionar a fama dos vinhos já conhecidos na restauração lisboeta de referência. A marca teve os seus altos e baixos, com a queda de notoriedade a acentuar-se nos últimos anos. O resgate é agora orquestrado pela FEA que, após a compra, encontrou uma propriedade em condições para começar de imediato a labora. A adega — onde a totalidade dos trabalhos é feita por gravidade — estava bem conservada e a vinha em condições produtivas. “Não houve nenhuma alteração de fundo”, assegura Ginó.

Atualmente, a viticultura é biológica, ainda que sejam precisos esperar três anos para obter a respetiva certificação. A esta vertente mais sustentável da agricultura juntam-se cuidados biodinâmicos, isto é, preparados e infusões que ora tratam as plantas, ora previnem algumas doenças. Ginó esclarece que as práticas biológicas e biodinâmicas espelham apenas um caminho em que acreditam e não devem ser usadas como bandeira de promoção. De tão antigas que são, a capacidade produtiva de algumas vinhas está naturalmente condicionada. Existem 32 hectares dedicados por completo aos vinhedos (menos de 10 são castas brancas) num total de 60. Na tapada, os solos são de granito e há vinhas a 570 metros de altitude, ao contrário do que acontece em Évora, coração da Cartuxa, onde a altura máxima ronda os 300 metros. A cargo da enologia está Pedro Baptista, o mesmo homem por detrás do famoso Pêra Manca — vinho de topo que, juntamente com o Barca Velha, é um dos mais caros em Portugal.

O que está na garrafa de vinho é o que sai da vinha”, garante o enólogo ao Observador.

Há quatro referências à venda no mercado, incluindo o Tapada de Chaves Tinto Reserva 2013.

Nesta tapada, as castas fernão pires, arinto, alva, tamarez e assario, nas brancas, e trincadeira, aragonez, castelão, tinta francesa e grand noir, nas tintas, são reis e rainhas sem grande concorrência. Todos os vinhos com o selo Tapada do Chaves envelhecem sobretudo em barricas de carvalho português e resultam de blends, sendo que a gama de preços vai dos 27 aos 99 euros. Os novos donos da tapada herdaram todo o espólio da marca, fator decisivo para que, atualmente, tenham uma coleção bastante interessante. Aliás, na salas anexas à adega estão expostas várias garrafas e prémios, que permitem não só perceber os diferentes anos de colheita, como a evolução dos rótulos.

Numa jogada interessante de marketing, a imagem dos vinhos Tapada do Chaves sofreu alterações profundas de maneira a regressar à sua identidade original: “Achámos que era importante devolver à Tapada, do ponto de vista estético e visual, aquilo que fez dela uma marca”, garante Ginó. O rótulo atual — o nome da marca surge sobre um fundo branco, inspirado nos cadernos de outros tempos — é para ser mantido durante muitos anos. É muito idêntico ao original. Tem uma nota de atualidade, mas remete sem margem de dúvidas para a fundação da marca. Também por respeito a outros tempos, a rotulagem é feita sobretudo à mão.

Os rótulos são produzidos manualmente

De assinalar a reestruturação da distribuição dos vinhos que, entretanto, abandonaram todas as prateleiras de supermercado para se concentrarem nas cartas de restaurantes (uma vez mais). “Não é natural, normal e desejável encontrar estes vinhos no supermercado. Se isso acontecer, é certamente um processo que aconteceu à revelia da nossa vontade. Estamos a fazer um trabalho cirúrgico”, explica ainda o presidente do Conselho Executivo da FEA e administrador da Tapada do Chaves. Enquanto marca, nunca teve uma exposição muito grande e assim deverá manter-se por vontade dos novos donos. O projeto é de dimensão contida e no ano cruzeiro, que Ginó garante estar muito próximo, é estimado que sejam produzidas entre 180 mil a 200 mil garrafas. Parte da recuperação do negócio passa por voltar a conquistar o mercado brasileiro e chegar à Europa Central.

A Tapada do Chaves mora há muitos anos num Alentejo atípico, que abandonou as tradicionais planícies que se alongam a caminho do horizonte a favor de cenários mais verdejantes e de um clima mais fresco. É uma região de fusão, que cola a altitude à amplitude térmica e cuja combinação de fatores (incluindo a orografia envolvente) permite uma maturação lenta das uvas. Os vinhos, diz quem os produz, são de “boutique”.