Dar mais informação aos consumidores não significa necessariamente que estes ficarão mais bem informados. E até pode ficar mais caro, porque os custos que vão recair sobre os operadores para cumprir as exigências da fatura detalhada na energia, sobretudo nos postos de combustíveis, dificilmente deixarão de passar para os clientes.

Estes são alertas deixados em pareceres aos projetos-lei que impõe obrigações na fatura de serviços de energia para aumentar a transparência no mercado e que resultaram num diploma único que foi aprovado pelo Parlamento na passada quinta-feira. Os pareceres do regulador, a ERSE, da entidade fiscalizadora do setor dos combustíveis (atual Entidade Nacional para o Setor Energético) e até da DECO (associação de defesa dos consumidores) foram feitos para os projetos-lei apresentados pelo CDS e PS no início deste ano.

O parecer da ENMC, entidade responsável pelo setor dos combustíveis, é talvez o mais crítico em relação às novas obrigações, considerando que, no caso deste mercado, os custos que resultarão da necessidade de adaptar os sistemas de faturação vão parar ao consumidor. De registar que, ao contrário da eletricidade e do gás, onde cada vez mais as faturas são enviadas online e ao ritmo mensal ou bi-mensal, nos combustíveis a fatura é emitida em papel no ato da compra.

A entidade pública, que passou entretanto a chamar-se Entidade Nacional para o Setor Energético, avisa que para cumprir as novas obrigações informativas, o comercializador retalhista terá que promover a adaptação dos sistemas de faturação. Na altura em que foi emitido o parecer (abril) não havia prazo, mas no diploma aprovado esta sexta-feira ficou estabelecido um período de 90 dias. Mas a entidade pública alertava para o impacto económico da implementação de uma fatura com todas as variáveis, afirmando que a influenciência no custo final no litro de combustível em bomba é “significativa, uma vez que o volume de informação solicitado dificilmente será compatível com os atuais formados de fatura utilizados, valor que vai ser necessariamente refletido no custo final ao consumidor”.

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“Considera-se de difícil implementação o replicar o modelo de faturação detalhada que existe para o fornecimento de eletricidade e de gás natural, por se tratarem de serviços públicos essenciais sujeitos a regulação setorial, o que não acontece com o mercado de combustíveis”.

A ENMC  considera, por isso, “muito difícil, senão impossível” garantir a disposição da lei de que os eventuais custos decorrentes da adaptação dos sistemas de faturação não podem ser refletidos nos consumidores. Por isso avisa:

O setor petrolífero, ao contrário da eletricidade e do gás, não é regulado e a formação dos preços é livre. Logo, há componentes do preço que não são determináveis previamente e cuja variação é diária

E este aspeto é fundamental, avisa a entidade, quando está em causa criar uma fatura porque não é possível ter uma fatura padrão que possa refletir a realidade dos preços, dadas as variáveis que influenciam os preços na bomba. Entre os quais o petróleo bruto, mas também o custo do biocombustível, que segue variações dos mercados internacionais.

DECO e ERSE: demasiada informação podem ter efeito contrário

A DECO emitiu dois pareceres, um positivo, mas genérico, sobre o projeto do CDS, e outro mais aprofundado e que levanta dúvidas em relação ao diploma apresentado pelos deputados socialistas que impõe um conjunto vasto de obrigações de informação nas faturas da eletricidade, gás natural e combustíveis. A associação questiona, por exemplo, que algumas destas obrigações informativas estejam na fatura, considerando que deviam ser cumpridas em outros momentos, como era dantes, e no momento de assinar os contratos.

E avisa que a “inclusão de demasiados conteúdos na fatura poderá afastar o consumidor da sua leitura, por esta se tornar demasiado extensa e complexa”. A DECO levanta ainda dúvidas sobre se os elementos relativos à fatura e à situação contratual dos consumidores — que os comercializadores têm de comunicar ao operador logístico de mudança de comercializador — podem extravasar as funções desta nova entidade. Alertam especificamente para o regulamento sobre a proteção de dados.

Num parecer de maio, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) diz ser favorável a ações de informação aos consumidores, mas também avisa que é “fundamental encontrar o equilíbrio certo, que se sabe complexo, entre a informação a transmitir em cada tipo de suporte, incluindo a fatura.” E realça: “informação em excesso não contribui para o esclarecimento do consumidor, antes pelo contrário”.

A ERSE, a quem são apontadas novas competências de fiscalização, alerta para uma cumulação de competências avulsas, mas que por si não são propriamente regulatórias, sem que “venham acompanhadas dos meios necessários ao seu exercício”. Por isso conclui:

“A ERSE concorda com a importância de informar os consumidores sobre as diversas componentes do preço de venda a clientes finais. Todavia, importa ponderar se, do ponto de vista do custo-benefício existirão, ou não, modos mais eficientes do que a utilização da fatura, em especial se se pretender a divulgação de muita informação ou muito variável no tempo”.

A longa lista exigências, uma boa parte das quais já existe nas atuais faturas, é da iniciativa de um projeto-lei do PS, a propósito de uma iniciativa apresentada pelo CDS relativa apenas ao preço dos combustíveis. Esta propunha que as faturas de comercialização dos combustíveis deveria conter informações “simples e explícitas” que facilitem a sua leitura e compreensão, apresentando a decomposição das componentes do preço final, detalhando as taxas e impostos (ISP e taxas associadas, IVA) , mas também quantidade e custos de incorporação de biocombustível.

Com a formulação socialista, as faturas de venda de gás de botija ou garrafa  (GPL) e de combustíveis derivados de petróleo — presumindo-se que se trata de combustíveis — emitidas pelos postos de abastecimento, devem ter estes elementos:

  • Taxas discriminadas
  • Impostos discriminados
  • Quantidade e preço de incorporação de biocombustíveis
  • Discriminação de fontes de energia primária utilizadas e as emissões de CO2 e outros gases com efeito estufa a que corresponde o consumo.
  • Informação sobre meios e formas de resolução judicial e extrajudicial de conflitos, incluindo entidades competentes para esse efeito.
    E é feita a ressalva de que tal não pode constituir um acréscimo do valor da fatura.

O diploma determina que a inclusão destes elementos na fatura não pode constituir um acréscimo do valor da fatura. Estão previstas sanções para incumprimento que podem chegar aos 50 mil euros. Ficou anda consagrada uma disposição transitória que parece apontar para a criação de uma nova entidade para fazer a fiscalização e aplicar as coimas, tarefa que será desenvolvida a título transitório pela Entidade Nacional para o Setor Energético. Ora esta entidade recentemente substituiu a ENMC, precisamente nas funções de fiscalização na área da energia.

Que informação deve, afinal, constar da fatura da luz, segundo o projeto socialista que ficou na versão final? Estes elementos:

  1. Potência contratada
  2. Datas e meios para comunicar leituras
  3. Consumos reais e estimados
  4. Preço da energia ativa
  5. Tarifas de energia
  6. Tarifa de acesso às redes, total e desagregada
  7. Tarifas de comercialização
  8. Período de faturação
  9. Taxas discriminadas
  10. Impostos discriminados
  11. Condições, prazos e meios de pagamento
  12. Consequências do não pagamento
  13. Nos casos em que haja tarifa social, a fatura de indicar o desconto
  14. Contribuição de cada fonte de energia para o consumo no período e emissões de CO2
  15. Sempre que possível, distribuição de de consumo médio pelos duas da semana e pelas horas do dia
  16. Informação sobre o operador logístico de mudança de comercializador Poupe Energia
  17. Informação que permita ao cliente conhecer situação contratual
  18. Informação sobre o direito de reclamação
  19. Meios e formas de resolução judicial e extrajudicial de conflitos

A disponibilização desta informação não poderá traduzir-se num aumento da fatura.

A lista da informação que deve constar na fatura do gás natural é igualmente longa e detalhada e o projeto-lei aprovado exige ainda a emissão de uma fatura anual para os setores do gás e da eletricidade que incluem informação, mas para este período temporal mais longo, a apresentar até 31 de janeiro. A saber:

  • Preços das tarifas e preços que se aplicáveis
  • Composição das tarifas e preços aplicáveis
  • Consumo de energia efetuado, incluindo o médio mensal, de acordo com as regras aprovadas pela ERSE.
  • Contribuição de cada fonte de energia para o total da eletricidade adquirida pelo comercializador no ano anterior.
  • Emissões totais de dióxido de carbono associadas à produção de energia elétrica do consumidor do ano anterior.
  • Emissões totais de dióxido de carbono associadas à produção de energia elétrica do consumidor no ano anterior.
  • Emissões de CO2 e outros gases com efeito de estufa a que corresponde o consumo do ano anterior, no caso do gás natural.