Artigo atualizado às 19h36 com mais informação sobre a vida do “gangster” de Boston

James “Whitey” Bulger, antigo líder do grupo de crime organizado Winter Hill Gang, um dos grandes rivais da família Patriarca que durante anos foi chamada “a máfia de Boston”, foi assassinado esta terça-feira numa prisão de alta segurança da Virgínia, afirmou o FBI, citado pelo The Boston Globe.

O gangster nascido em Boston mas de ascendência irlandesa tinha 89 anos, foi um dos maiores chefes de organizações criminosas dos EUA e inspirou algumas personagens de filmes. Em “The Departed – Entre Inimigos”, a personagem de Frank Costello, interpretada por Jack Nicholson, é inspirada não só no criminoso homónimo (que morreu em 1973) mas também na vida de “Whitey” Bulger. Já o agente do FBI Colin Sullivan, que no filme é interpretado por Matt Damon, é inspirada por John Connolly, polícia do FBI que cresceu com Bulger e tinha com este uma relação próxima.

Também Johnny Depp interpretou uma personagem inspirada na vida deste gangster, no filme “Black Mass”. Aqui, a inspiração foi mais direta — a personagem de Depp (protagonista e ator principal do filme) é assumidamente inspirada na história de Bulger, já que o filme é uma adaptação do livro “Black Mass: The True Story of an Unholy Alliance Between the FBI and the Irish Mob”, que retrata a ligação de “Whitey” Bulger a John Connolly.

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O FBI vai conduzir uma investigação relativamente à morte de James Bulger. Não serão divulgadas mais informações neste momento”, referiu uma porta-voz do departamento de justiça norte-americano, Stacy Bishop.

O estabelecimento prisional da Virgínia em que o gangster de ascendência irlandesa foi encontrado morto deu mais alguns detalhes sobre o caso, referindo que Bulger foi encontrado às 8h20 (12h20 em Portugal) e que “foram iniciadas medidas de salvamento de imediato”. Não foi possível salvar o recluso, pelo que Bulger foi declarado morto ainda no local, pelo examinador médico da prisão.

Assassinado um dia depois de transferência de prisão

O antigo líder da organização criminosa Winter Hill Gang cumpria uma pena de prisão perpétua, condenado por 11 homicídios. Tinha chegado esta segunda-feira à prisão em que foi encontrado morto esta terça-feira, 30 de outubro. Bulger tinha sido transferido depois de cumprir parte da pena numa prisão da Flórida e de passar por uma cadeira da cidade de Oklahoma, durante um curto período. O jornal escocês The Herald refere que, apesar de Bulger ter “problemas médicos que são públicos”, desconhecem-se as razões para esta última transferência de cadeia.

Segundo o The Boston Globe, três pessoas afirmaram, sob condição de manterem a sua identidade anónima, que um outro preso com ligações à máfia de Boston estava a ser investigado como suspeito do crime, que aconteceu na penitenciária de Hazelton.

O site noticioso WV News tinha noticiado que um recluso homem fora assassinado durante a noite na prisão de segurança máxima em que Bulger estava detido. A informação foi avançada ao site por uma fonte que estava a par do assassinato de um homem, mas que desconhecia a identidade da vítima. Agora, presume-se que o homem assassinado terá sido Bulger.

Esta não é a primeira morte reportada registada este ano na prisão de Hazelton. Em setembro, um recluso morreu numa luta no interior da prisão. Em abril, tinha morrido outro prisioneiro, também numa altercação violenta. Os casos já originaram dúvidas sobre a segurança no interior desta prisão. A congressista Eleanor Holmes Norton pediu mesmo ao inspetor do departamento de justilça norte-americano General Michael Horowitz para abrir uma investigação formal para averiguar “as condições alegadamente chocantes que os reclusos enfrentam” em Hazelton.

James “Whitey” Bulger foi capturado em 2011, em Santa Mónica, na Califórnia, depois de 16 anos de buscas. Em 2013, um tribunal federal de Boston condenou-o a prisão perpétua por envolvimento em 11 homicídios, ocorridos nas décadas 1970 e 1980. Nesses anos, Bulger “liderou uma organização criminosa que estava envolvida em jogo ilegal, extorsão e tráfico de droga, aponta ainda o The Boston Globe.

Como o FBI lhe permitiu ascender no crime e ganhar uma fortuna

Filho de uma imigrante irlandesa, Jane Veronica “Jean” McCarthy, e de um canadiano, James Joseph Bulger Sr, James Bulger nasceu no sul de Boston, numa família de classe baixa. Os crimes começaram antes mesmo da vida adulta: depois de abandonar a escola com 15 anos, acabou por alistar-se na Força Aérea, durante a década de 1940, já depois de uma série de pequenos crimes e passagens por centros de detenção juvenis.

A vida militar, porém, não lhe enchia as medidas. Serviu quatro anos na Força Aérea mas acabou dispensado por vários problemas com a lei e por ter alegadamente desertado em algumas situações. A paciência dos militares esgotou-se e da Força Aérea, James Bulger passou para as ruas, onde começou a operar no crime organizado. Bastaram quatro anos desde a saída das forças militares (saiu em 1952) para aterrar numa prisão federal, por assalto à mão armada e assalto a um camião. Seguiu-se uma estadia longa na cadeia, de nove anos, com passagens por estabelecimentos prisionais de Atlanta, Alcatraz (São Francisco) e Leavenworth (Kansas).

Saído da prisão em 1965, James Bulger, que durante a juventude já ganhara da polícia a alcunha de “Whitey” (que odiaria) pelo cabelo loiro, voltou rapidamente ao crime. Não levaria muitos anos a ganhar proeminência nas ruas de Boston, chefiando uma organização, o Winter Hill Gang, que controlou a cidade e redondezas durante duas décadas.

Ironicamente, a proeminência de Bulger no mundo do crime deve-se, em parte, à ação da própria polícia, que o permitiu. Tornando-se um informador do FBI, Bulger fez um acordo que lhe foi vantajoso durante mais de uma década: em troca de informação que permitiu à polícia prender alguns dos grandes chefes de organizações criminosas dos Estados Unidos, James Bulger pôde cometer todos os crimes que quis. Só o homicídio lhe estava vedado, embora Bulger tenha estado envolvido em mais de uma dezena deles durante este período, o que só se veio a saber mais tarde.

Durante os anos 1970 e 1980, a vida correu bem a Bulger: o tráfico de droga, a extorsão a outros traficantes e o negócio das armas — tudo crimes que podia cometer, em troca de informação cedida ao FBI, num acordo de proteção obscuro — ter-lhe-ão rendido uns bons milhões de dólares (estima-se que perto de 30). Em 1990, tudo mudou: o acordo foi revertido e os amigos corrompidos de Bulger no FBI não conseguiram evitar que fosse finalmente acusado de alguns crimes, como obstrução à justiça, extorsão e tráfico de drogas. Conseguiram, porém, outra coisa, que o manteve fora da cadeira durante anos: foi avisado um dia antes do mandato de captura por um agente do FBI com quem crescera, John Connoly, e fugiu com a namorada Catherine Greig.

Durante 16 anos, esteve fugido, tornando-se um dos dez mais procurados do FBI. Foi encontrado em Santa Mónica, na Califórnia, num apartamento junto a uma praia. Vivia com a namorada, com quem fugira uma dezena e meia de anos antes, e foi encontrado com passaportes falsos, armas e 800 mil dólares em dinheiro vivo. A captura aconteceu em parte graças a uma campanha da polícia, muito publicitada, que permitiu obter informações que levaram à detenção.

“Seguimos todas as postas. Explorámos todas as possibilidades… O resultado é que capturámos um dos dez fugitivos mais procurados pelo FBI, um homem conhecido em Boston e em todo o mundo”, anunciou na altura da detenção o agente especial do FBI, Ricahrd DesLauriers. Neste momento, Catherine Greig, a namorada de “Whitey”, continua a cumprir uma pena de prisão, que terminará em 2020.