Sabiam que Donald Trump é um Hitler em potência? E que com ele na Casa Branca, os EUA arriscam-se a ficar na mesma situação da Alemanha quando Hitler subiu ao poder nos anos 30? E que os eleitores de Donald Trump são um conjunto de supremacistas brancos, grunhos e malucos por armas? Estas são algumas das brilhantes revelações feitas em “Fahrenheit 11/9” por Michael Moore, que não consegue melhor do que recorrer à mais gasta e barbuda vulgata esquerdista anti-Trump para explicar a sua eleição. A verdade é que já ninguém liga a Moore e à sua cruzada radical, nem sequer nos EUA, onde este documentário capotou nas bilheteiras, com apenas seis milhões de dólares de receitas. Muito, muito longe dos 120 milhões de “Fahrenheit 9/11”, rodado em 2004, durante a presidência de George W. Bush e em cima da intervenção militar dos EUA no Afeganistão e no Iraque.

[Veja o “trailer” de “Fahrenheit 11/9”]

Há também um efeito de saturação anti-Trump que ajudou ao fracasso de “Fahrenheit 11/9”. Moore é agora apenas um entre muitos outros liberais e extremistas a atacar violentamente Trump ou a gozar com ele, dos jornais às televisões, e a sua fúria “agit prop” dissolve-se no meio da dos outros. Além de Donald Trump, o filme tem ainda outro alvo: as elites instaladas, privilegiadas e envelhecidas do Partido Democrata, que fazem tudo para impedir o advento de caras novas com ideias arejadas e muito à esquerda dentro do partido, e sabotaram a nomeação de Bernie Sanders para candidato a presidente dos EUA, escolhendo antes Hillary Clinton, a representante do “sistema”.

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[Veja uma entrevista com Michael Moore]

Moore aparece aqui como apoiante do coração de Sanders, mas no seu filme anterior, “Michael Moore in Trumpland” (2016), o registo do seu “one man show” com o mesmo título e outro fracasso de bilheteira, o realizador cola-se Hillary Clinton depois da candidatura de Sanders ter falhado. E agora, em “Fahrenheit 11/9”, volta a virar o bico ao prego, a dar palmadinhas nas costas de Bernie Sanders (que entrevista com ar compungido) e a apontar um dedo acusador a Hillary, essa mulher deplorável e vendida ao capital, que cobra uma pequena fortuna para falar em público e nem sequer sabia o nome dos “rappers” que actuavam nos seus comícios de campanha.

[Veja o “trailer” de “Michael Moore in Trumpland”]

Como só tem banalidades propagandísticas, maniqueístas e catastrofistas para dizer, Michael Moore preenche uma boa parte de “Fahrenheit 11/9” com uma história sobre a contaminação com chumbo do rio da sua vila natal de Flint, no Michigan (por culpa do governador  Republicano do estado, claro, embora o realizador omita que os outros nomes ligados ao escândalo eram do Partido Democrata). O caso só por si daria outro filme e está aqui a acrescentar à gordura e à prolixidade do documentário e a salientar o desleixo com que foi feito, ainda maior do que o costume em Moore, e que os seus admiradores e apoiantes confundem com “arrojo formal” ou “estilo de cinema de guerrilha” . Numa das suas típicas encenações “de choque”, Michael Moore pega num camião-tanque cheio de água para ir regar a residência do governador. Mas como ficou ao portão, o jacto da mangueira nem a meio do jardim chega, e Moore acaba molhado porque está vento. Quase temos pena dele.

[Veja uma sequência do filme]

https://youtu.be/OVs6TCqubHk

No resto deste primário, trapaceiro e disperso “Fahrenheit 11/9” , Michael Moore mostra-se desiludido com Barack Obama (só agora é que que soube que ele foi o candidato a presidente dos EUA mais financiado pela Goldman Sachs?), baba na gravata por meia-dúzia de activistas enre o castiço e o lunático e adolescentes imberbes que ele vê serem o futuro da esquerda nos EUA, abre outra chaveta para aplaudir a greve dos professores da Virginia Ocidental por melhores salários e assim acrescentar mais palha ao filme, desdobra-se em ataques e acusações avulsas, faz as suas fatigadas e manipuladoras montagens de imagens aleatórias, fora de contexto, prontas-a-indignar e pensadas para assustar, e deixa no ar um vago apelo à insurreição popular.

E tudo isto sem perceber que a eleição de Donald Trump, a carta mais fora do baralho de um sistema político americano gasto, desacreditado e desligado dos eleitores, foi, precisamente, uma clara, espontânea e esmagadora manifestação dessa mesma insurreição dos EUA profundos contra as elites instaladas, arrogantes, afastadas dos valores tradicionais e dos cidadãos anónimos, e politicamente correctas até à ameaça das liberdades mais elementares. Elites essas a que Michael Moore, o proletário “fake” e revolucionário de YouTube, finge – muito mal – não pertencer.