Se é daqueles que circula em veículo eléctrico, é bom que saiba que, após inúmeros avanços e retrocessos, finalmente amanhã, dia 1 de Novembro, a energia com que recarrega a bateria do seu carro vai deixar de ser “à borla” nos postos de carga rápida (PCR). O que é um aborrecimento para os clientes particulares, mas uma profunda chatice para as empresas – como a Uber e similares – cujos condutores viabilizaram até aqui os seus negócios à custa da energia paga pelas empresas que ganharam o contrato de exploração dos PCR, mas ainda não tinham autorização para cobrar. Ainda que o problema persista no caso dos postos normais, ou de baixa potência, pois a regulamentação para passarem a ser pagos não deverá surgir antes de Janeiro de 2020, o que leva a que uma parte considerável esteja desligada ou a funcionar em condições deficientes.

Se é fácil anunciar o início do período de pagamento nos PCR, o que deverá garantir as condições necessárias para que a rede deste tipo de postos de maior potência – para já 50 kW, mas em breve 150 kW e até 350 kW, com chegada da rede Ionity – possa crescer, é muito mais difícil explicar como tudo se vai processar.

Confuso, muito confuso. Mas só de início

É necessário reter que, para o fornecimento de energia eléctrica a veículos automóveis em PCR, criou-se um sistema que ‘assusta’ qualquer um e exige alguma agilidade de cálculo para conseguir saber, antes da operação, quanto é que é que vai pagar. Para começar, vai-lhe ser debitada a energia que carregou, sendo que esta é fornecida por um Comercializador de Energia para a Mobilidade Eléctrica, ou CEME, com quem tem de estabelecer um contrato, para que este lhe forneça um cartão, sem o qual não consegue abastecer em lado nenhum. E o nosso conselho é que estabeleça um contrato com os quatro CEME (EDP Comercial, Galp Power, Prio.E e GRCApp (ou eVaz Energy, sendo este o único que cobra uma taxa pelo cartão).

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Além da energia que abastece, tem ainda de pagar pela utilização do PCR, cobrada pelo Operador do Posto de Carga (OPC), sendo que estes, para “facilitar” a vida ao utilizador, optam nuns casos por cobrar por minuto que o carro está parado no posto, ou pela quantidade de energia que transfere para a bateria. Mas espere, uma vez que, além do que ter de pagar ao CEME e ao OPC, tem ainda de suportar uns impostos. Nada menos do que quatro, da Tarifa de Acesso à Rede ao IVA (a 23%), passando pelo Imposto Especial de Consumo (que é de 0,001€/kWh) e pela taxa de Gestão de Rede, que felizmente e por enquanto, é grátis.

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É claro que se esta descrição parece uma complicação, a realidade é que, com a prática, vai ser tão fácil quanto abastecer de gasolina ou diesel, tanto mais que a factura chega-lhe no final do mês com o valor a pagar e um descritivo, que só lê quem quer.

Entre a pechincha e a loucura. Cada um cobra o que quer

Consciente que o preço do abastecimento de energia depende do CEME que está a utilizar, mas também (e sobretudo) do OPC a que está ligado, não é fácil determinar por quanto lhe vai ficar recarregar a bateria do seu carro eléctrico. Para o fazer, socorremo-nos de um estudo levado a cabo pela Associação de Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE), que se deu ao trabalho ciclópico de ponderar todas as variáveis – embora contemple apenas os seis OPC que considerou mais representativos, a saber Cepsa, EDP, Galp, KLC, Mobiletric e Prio.E – para encontrar o custo da energia necessária para percorrer 100 km num veículo com um consumo de 15 kWh (por cada 100 km), carregado em tarifa bi-horária e em período fora do vazio (sim, também há mais estas variáveis, similares aos tarifários lá de casa.)

Ora as tabelas publicadas pela UVE revelam que, entre os CEME, a Prio.E é quem vende a energia mais barata, a 1,97€ os 15 kWh, contra os 3,45€ da EDP e da eVaz, com a Galp a cobrar 3,48€, valores a que é necessário juntar o IVA e as restantes taxas, com estas últimas a provocar algumas alterações, como vai constatar quando analisarmos os valores totais.

Em termos do serviço cobrado pelos OPC, é igualmente fácil de verificar que a Prio.E é a mais barata, pois não está a cobrar a utilização dos postos. A EDP propõe um valor ‘simpático’ para o abastecimento de 15 kWh (estimado pela UVE em 30 minutos, valor que varia obviamente consoante o veículo utilizado), com um custo de 1,50€ (mais IVA), não muito longe dos 1,59€ da Mobiletric. Mais cara é a Galp (2,92€) e a KLC (3,00€), mas nada que se compare com a Cepsa, que cobra 4,50€ para carregar 15 kWh em 30 minutos, tornando-se economicamente menos interessante.

A UVE realizou os cálculos, tendo em linha de conta os quatro CEME e seis dos OPC (Cepsa, EDP, Galp, KLC, Mobiletric e Prio), sendo fácil perceber quem é o mais barato e o mais caro

A tabela da UVE (em cima) torna evidentes as diferenças que existem entre os custos totais que implica recarregar um veículo eléctrico (15 kWh/30 minutos) nos quatro CEME e nos seis OPC da amostra, já com as taxas e o IVA incluídos. O mais barato é abastecer num OPC explorado pela Prio.E com electricidade fornecida pela EDP, como CEME, com o cliente a pagar 3,20€ pelo 15 kWh ou 30 minutos, com curta vantagem sobre o binómio Prio.E/Galp (3,44€).

Se os PCR da Prio.E e Mobiletric, além dos propostos pelos restantes OPC não considerados nesta tabela, são interessantes para as zonas urbanas e semi-urbanas, a carga rápida é sobretudo fundamental em auto-estrada, local onde só operam os OPC da Galp, da EDP (instalados nos postos de combustível da Repsol), da KLC (nas bombas da BP) e da Cepsa. Nestas condições, recarregar na EDP é de longe a solução mais barata, com o condutor a pagar 5,05€ pelo 15 kWh/30 minutos se o CEME for a própria EDP, mas apenas 5,28€ se for Galp. Se o OPC for Galp o preço sobe para 6,79€, para a KLC propor 6,89€ e a Cepsa 8,74€, tendo sempre a EDP como CEME para conseguir os valores mais baixos.

Afinal onde é que estão as “borlas”?

Prometemos logo no título que havia “borlas”, no que respeita ao fornecimento de energia em postos de carga rápida, e aqui estão elas. Desejosa de manter o domínio que possui no fornecimento de energia residencial, a EDP oferece aos seus clientes de energia doméstica electricidade gratuita até ao limite de 1.500 kWh ou seis meses, o que significa que não há custos com o CEME até Abril. Estes 1.500 kWh permitem a um veículo eléctrico como o Nissan Leaf ou o Renault Zoe percorrer cerca de 10.000 km.

É claro que perante esta ofensiva do líder do mercado doméstico, a Galp não podia ficar parada, pois também ela quer atrair os utilizadores dos veículos eléctricos para passarem a abastecer a casa com electricidade da Galp. Isto levou a petrolífera a acompanhar a EDP, oferecendo igualmente 1.500 kWh ou seis meses de energia grátis (enquanto CEME) para quem tenha contrato residencial.

Se EDP e Galp permitem àqueles que já são seus clientes anular durante seis meses os custos com o CEME, a Prio.E oferece os custos com o OPC, o que significa que o condutor de um veículo alimentado por bateria apenas tem de suportar a energia de que necessita. Como vê, há algumas hipóteses de reduzir a factura, sendo de esperar que o mercado funcione e que, depois destas promoções, surjam outras.

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De notar que tudo isto está correcto, mas apenas se considerarmos todos os veículos eléctricos que não os Tesla, pelo menos quando estes carregam na rede específica da marca americana, montada e suportada por ela própria. Sendo igualmente postos de carga rápida, mas funcionando a 120 kW em vez dos 50 kW da rede nacional de PCR, sempre que recorram às cinco estações de recarga que já existem no nosso país, com oito pontos de carregamento cada, os Tesla vão continuar a não pagar energia. E, mesmo quando a marca conseguir resolver o imbróglio legal para se tornar num comercializador de energia, os seus clientes pagarão apenas 0,24€ o kWh, o que significa que os tais 15 kWh custarão apenas 3,60€.

Eléctrico mais barato do que gasóleo, ou nem por isso?

Esta é a pergunta fundamental, pois se os custos para se deslocar num veículo eléctrico – e suportar as suas maiores limitações de autonomia e de tempo de recarga – não forem inferiores aos dos modelos com motor de combustão, não será fácil cativar a maioria dos condutores que ainda não aderiram à mobilidade eléctrica.

É bom ter presente que os veículos eléctricos são mais sensíveis ao ritmo de condução do que os rivais que queimam derivados do petróleo, pelo que considerando sempre uma velocidade contida, um Leaf ou um Zoe pode necessitar de 15 kWh de energia, contra 6 litros de gasolina ou 4,5 de gasóleo numa viatura de dimensões similares. Isto significa que, na nossa simulação, percorrer 100 km a gasolina implica desembolsar 9,66€, contra 6,66€ se o motor for a gasóleo. Comparando com os valores da tabela da UVE, temos que o custo de utilizar um veículo eléctrico, recarregado num PCR, oscila entre os 3,20€ num OPC da Prio.E e os 5,05€ num OPC da EDP.

Se a diferença de custos existe e favorece os eléctricos, ela é mínima. A explicação é que os PCR não foram concebidos para cargas normais, mas sim para situações de emergência, ou em viagem. Um veículo eléctrico, até para não sobrecarregar a rede eléctrica de que se abastece, deve carregar em casa e durante a noite. Nestas condições, com tarifa bi-horária e pagamento por transferência bancária, é fácil atingir 0,095€/kWh, ou 0,11€ com IVA, o que baixa para 1,65€ os 15 kWh que necessitamos para percorrer 100 km. É manifestamente um valor mais baixo do que o conseguido pelos motores a gasóleo.

Como nem todos os condutores podem recarregar a bateria em casa, ou até mesmo no local de trabalho, existem os postos de carga públicos, de baixa potência (de 3,6 a 22 kW), necessariamente com custos superiores às recargas domésticas, mas inferiores aos PCR, quando a energia também passar a ser cobrada nestes pontos de carregamento, o que se prevê que deva acontecer no início de 2020.