A situação político-militar na República Centro-Africana (RCA) está em degradação contínua e o conflito, que parecia uma guerra civil, está a ser internacionalizado e a ganhar características semelhantes ao da Síria, alertou esta terça-feira uma organização não-governamental (ONG).

Num relatório colocado no sítio na internet desta ONG, a Enough Project, em que salientou a importância da internacionalização do conflito, a analista Nathalia Dukkan escreveu que este “não tem fim à vista” e que “o país se tornou ingovernável” e está a “afundar-se numa crise estrutural”.

Dado o predomínio da violência como argumento político, aos atores políticos tradicionais é colocada a opção: “Ou saem de cena ou participam na violência”, sintetizou.

No documento em que detalha 18 grupos armados que disputam o poder e os recursos naturais do país, Dukkan avançou que “o empresariado político-criminoso enraizou-se profundamente, sendo uma atividade florescente”.

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Por outro lado, a proliferação destes grupos, que atraem jovens das áreas rurais e mercenários dos países vizinhos, juntamente com o tráfico transnacional de armas e recursos naturais, “apresenta riscos muito elevados para toda a região da África Central”.

A autora relativiza, por outro lado, a leitura de guerra religiosa que, por vezes, é feita para descrever o conflito na RCA.

“À primeira vista, o conflito apresenta todos os sintomas de uma guerra entre comunidades étnicas e religiosas”, adiantou, para de imediato questionar esta leitura.

“Usada como arma de guerra, a violência sectária pretende dividir e incitar o ódio entre comunidades. Na ausência do Estado de Direito, os atingidos procuram proteção junto dos mesmos atores que alimentam o crescendo de tensões. Estes ‘protetores’ procuram, de facto, uma base popular de legitimidade. [Para tal] exploram uma espécie de solidariedade étnica ou religiosa para recrutar jovens combatentes e obterem fundos”, contrapôs.

A analista da Enough Project, ONG criada e dirigida por John Prendergast, salientou no seu texto a internacionalização do conflito, em resultado da confluência das agendas de vários Estados estrangeiros e dos “medos paranoicos” da equipa presidencial com um eventual golpe de Estado.

Classificando o Presidente Faustin-Archange Touadéra como impopular no seu país e na África Central, Dukkan diz que este está agarrado ao poder, que espera manter com uma cooperação militar e económica com o eixo Sudão-Rússia-China.

No documento, detalhou a crescente influência russa no país, desde janeiro de 2018. Até agora, os russos forneceram armas, colocaram instrutores militares, apontaram um conselheiro especial do presidente (Valery Zakharov), que tem a cargo o ‘dossiê’ da segurança, as suas forças especiais garantem a segurança de Touadéra e planeiam formar militares centro-africanos nas suas academias militares, pormenorizou.

Em troca, a presidência da RCA outorgou contratos e concessões mineiras a empresas russas, designadamente à Lobaye Invest, para explorar ouro e diamantes.

Dukkan mencionou também a Sewa Security, criada em 2018, que “parece ser o representante local do muito controverso Wagner Group, por vezes descrito como o exército privativo de Vladimir Putin”.

A luta pela influência na RCA, que envolve os grandes poderes, como China, Estados Unidos da América, França e Rússia, e regionais, como África do Sul, Chade e Sudão, estão a alimentar tensões e instabilidade, sintetiza a analista.

Portugal participa na missão da ONU no país (MINUSCA), que é comandada pelo tenente-general senegalês Balla Keita, o qual já classificou as forças portuguesas como os seus “Ronaldos”.

“Ronaldo é o melhor jogador do mundo e quando as nossas tropas são classificadas de ‘Ronaldos’ isso tem uma leitura muito clara. Sentimos orgulho pela forma como o seu trabalho é reconhecido”, disse o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, à agência Lusa.

Portugal também integra e lidera a Missão Europeia de Treino Militar-República Centro-Africana (EUMT-RCA), comandada pelo brigadeiro-general Hermínio Teodoro Maio.

A EUTM-RCA, que está empenhada na reconstrução das forças armadas do país, tem 45 militares portugueses, entre os 170 de 11 nacionalidades que a compõem.

A República Centro-Africana caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por vários grupos juntos na designada Séléka (que significa coligação na língua franca local), o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.

O conflito neste país, com o tamanho da França e uma população que é menos de metade da portuguesa (4,6 milhões), já provocou 700 mil deslocados e 570 mil refugiados, e colocou 2,5 milhões de pessoas a necessitarem de ajuda humanitária.

O governo do Presidente, Faustin-Archange Touadéra, um antigo primeiro-ministro que venceu as presidenciais de 2016, controla cerca de um quinto do território.

O resto é dividido por mais de 15 milícias que, na sua maioria, procuram obter dinheiro através de raptos, extorsão, bloqueio de vias de comunicação, recursos minerais (diamantes e ouro, entre outros), roubo de gado e abate de elefantes para venda de marfim.