Começou com Jiang Bingyao, passou por Gao Hongbo, esteve em Xi Zhikang. O Shanghai SIPG tentava com técnicos nacionais responder à hegemonia do Guangzhou Evergrande, nunca conseguiu e virou-se para os estrangeiros. Primeiro foi Sven-Goran Eriksson, depois André Villas-Boas. A diferença para o grande adversário na Liga chinesa era cada vez menor mas nem por isso deixava de ser uma diferença, aquela diferença que separa campeões e segundos classificados. Em dezembro, Vítor Pereira foi ocupar o cargo deixado em aberto pelo antigo chefe de equipa técnica no FC Porto. Chegou, viu e venceu – depois de sete títulos consecutivos tendo nomes como Lee Jang-soo, Marcelo Lippi, Fabio Cannavaro e Luiz Felipe Scolari no comando adversário, o português de 50 anos conseguiu comandar as Águias Vermelhas ao primeiro Campeonato da sua história.

Mesmo sem Hulk (por um provável problema físico de última hora), o Shanghai SIPG fez a festa esta quarta-feira na penúltima jornada, derrotando em casa o Beijing Rehne por 2-1 com golos de Akhmedov (com um fantástico remate na gaveta) e Wu Lei, o melhor marcador do Campeonato que tem mais golos sozinho do que Hulk e Óscar juntos, reduzidos por um autêntico míssil do avançado Diop. No entanto, o título tinha sobretudo sido carimbado nos dois últimos encontros de loucos com outras tantas vitórias para os comandados de Vítor Pereira: contra o Shandong Luneng, Wu Lei e Hulk (bis) davam uma vantagem de 3-0 ao intervalo, Graziano Pellè deixou tudo em aberto para os instantes finais com dois golos mas Wu Lei carimbou o 4-2 final; no sábado, no terreno do Guangzhou Evergrande, o Shanghai SIPG acabou por levar a melhor num jogo com constante alternância no resultado (2-3 ao intervalo), vencendo o campeão em título por “anormais” 5-4.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Depois de acabar a (modesta) carreira de jogador, sempre em clubes não profissionais, Vítor Pereira começou por treinar nas camadas jovens (Padroense e FC Porto) antes de assumir o primeiro conjunto sénior, neste caso a Sanjoanense, em 2005. Foi na época seguinte para o Sp. Espinho antes de voltar à formação dos dragões e assumir o comando do Santa Clara. Apesar de ter ficado por duas vezes à beira da subida de divisão, foi aí que se começou a destacar e mereceu de novo a confiança do FC Porto, desta vez para ser adjunto na equipa técnica de André Villas-Boas, em 2010/11.

Foi uma temporada de sonho para os azuis e brancos, com a conquista de Campeonato, Taça de Portugal, Supertaça e Liga Europa, mas o sucesso teve uma outra face e o treinador principal fez o mesmo caminho de José Mourinho, trocando o Dragão pelo Chelsea. Numa decisão tomada na altura como um risco, Pinto da Costa apostou em Vítor Pereira para segurar na equipa e manter o trabalho que tinha sido feito até então. Nunca houve propriamente uma grande empatia entre o novo treinador e a maioria dos adeptos mas a verdade é que, nas épocas seguintes, o FC Porto tornou-se tricampeão nacional, tendo ganho ainda mais duas Supertaças. Em 2013, foi rendido por Paulo Fonseca e rumou ao estrangeiro.

Acredito muito na competência e no perfeccionismo. E como sou um lutador, sabia, já há uns anos, que chegaria onde cheguei. Como sei que hoje estou aqui e chegarei mais longe, ganharei uma Liga dos Campeões. Sei que vou lá chegar. Assumo isso: um dia, vou ganhar a Liga dos Campeões (…) Vou treinar até já não poder mais, de certeza absoluta. Seja onde for, onde Deus me quiser levar”, destacou em entrevista ao DN numa altura em que tinha ainda o futuro indefinido no Dragão.

Com a devida distância temporal, o que fica dessa passagem são os títulos e o memorável encontro frente ao Benfica em maio de 2013, quando Kelvin apontou no período de descontos o golo que acabaria por decidir o Campeonato – e que se percebe até pelo espaço nobre que tem no Museu do clube tratar-se de um momento que tão cedo não será esquecido. Todavia, dois meses antes, na sequência do afastamento das competições europeias, Vítor Pereira tinha começado a ser contestado. Deu a volta, saiu por cima e assinou pelo Al-Ahli da Arábia Saudita, onde chegou apenas à final da King Cup. Ainda assim, ficaram na memória as conferência de imprensa acesas no país, batendo o pé perante o facto de estar “condicionado” sobre os temas que podia falar.

“Meu amigo, eu falo do que quiser. Falo do que quiser, se não quiserem vou-me embora. É a primeira vez que alguém me diz a mim o que posso ou não dizer. Queres ser polícia? Posso ou não dizer a verdade sobre o que vi no jogo? Ok! Eu vi isto no jogo: uma má decisão de um árbitro, um mau profissional de futebol e uma reação infantil de um jogador da minha equipa. Para mim, isto foi o jogo. Obrigado a todos! Eu digo a verdade, as minhas palavras vêm do coração!”, disparou. 

Em janeiro de 2015, recebe o primeiro convite que o faz regressar à Europa e conquista a dobradinha no Olympiacos, depois de substituir o espanhol Michel no comando e ter enfrentado duas invasões de campo em jogos contra Panathinaikos e AEK Atenas. “Gostei muito e fiquei cheio de medo quando apareceu um mascarado. Cheio de medo, lembrei-me dos meus tempos de criança quando aparecia o fantasma. Venho cá jogar, não posso ver o relvado? Como está a baliza? Ah, ok… Gesto? O gesto foi feito quando ele entrou para dizer que não tenho medo, sou homem. Entendes? Nao tenho medo de nada”, comentou na conferência mais recordada depois de um desses episódios. Tudo apontava para que continuasse na Grécia mas aceita um novo desafio na Turquia, pelo Fenerbahçe. Durou um ano, numa saída que colocou mais tarde o Tribunal Arbitral do Desporto ao barulho – num plantel com nomes como Van Persie, Fernandão, Nani, Raul Meireles, Markovic, Diego, Bruno Alves ou Kjäer, não foi além do segundo lugar do Campeonato a cinco pontos do Besiktas e perdeu a final da Taça com o Galatasaray.

Em seis meses na Grécia, Vítor Pereira ganhou Campeonato e Taça e mudou-se para a Turquia (SERGEI SUPINSKY/AFP/Getty Images)

Se aventura turca não correu bem, a última antes de rumar ao Shanghai SIPG foi ainda pior: contratado a meio da temporada pelo TSV 1860 Munique, não evitou a descida de divisão num conjunto que já estava no escalão secundário. Agora, veio a redenção. E, já agora, o quarto Campeonato ganho nos últimos sete anos em três países, o que faz de Vítor Pereira – um adepto do futebol do Barcelona, de Cruyff e do AC Milan de Sacchi – o terceiro técnico português a conseguir tal feito depois de Artur Jorge (Portugal, França e Arábia Saudita) e José Mourinho (Portugal, Inglaterra, Itália e Espanha).