O provérbio diz que em equipa que ganha não se mexe. Ora, esta noite, no Estádio da Luz, Rui Vitória precisava de ganhar. O Benfica chegava ao jogo com o Ajax depois de três derrotas consecutivas, logo, algo precisava de mudar. O treinador dos encarnados tinha saído do último jogo sob assobios, lenços brancos e pedidos de demissão, logo, algo precisava de mudar. Em caso de derrota, o Benfica estava afastado da Liga dos Campeões, logo, algo precisava de mudar. E, por contradição óbvia e direta do provérbio anteriormente descrito, o treinador do Benfica mudou.

Tirou Pizzi – que já tinha sido substituído ao intervalo do jogo com o Moreirense -, tirou Rafa e decidiu dar a titularidade a Jonas, que regressou à Liga dos Campeões, em detrimento de Seferovic. Gabriel entrou no onze e coexistiu com Gedson, apoiados por Fejsa, criando uma linha de meio-campo formada por três jogadores, e apostou em dois alas bem abertos, Cervi na esquerda e Salvio na direita. Lá atrás, nenhuma surpresa: André Almeida, Rúben Dias, Jardel e Grimaldo. Um 4-3-3 com três elementos atacantes rápidos, de explosão e construção mas três elementos intermédios com maior propensão defensiva, o que deixava antever alguma dificuldade de ligação defesa-ataque – aquele que tem sido um dos principais problemas do Benfica nos últimos jogos. Do outro lado, poucas surpresas face ao jogo de Amesterdão: Neres saltava do banco e trocava diretamente com o dinamarquês Dolberg.

O Benfica entrou no jogo tal qual como tinha feito há duas semanas na Johan Cruyff Arena. Forte, dinâmico, a provocar desequilíbrios e com vontade de chegar rapidamente à área adversária. Ao primeiro minuto, Grimaldo mostrou aquilo que Rui Vitória disse, com toda a certeza, na palestra pré-jogo: o objetivo era fazer golo. E, por isso, não tinham ainda passado 60 segundos e Grimaldo estava a rematar do meio da rua à baliza de Onana. O jogo, totalmente partido e sem grande restrições ou amarras táticas, estava bom para os picos de Cervi e de Salvio; do outro lado, o Ajax não conseguia corresponder de forma produtiva e via todos os contra-ataques – a única forma ofensiva que ia implementando – destruídos pela primeira linha de pressão encarnada.

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Ficha de jogo

Benfica-Ajax, 1-1

4.ª jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões

Estádio da Luz, em Lisboa
Árbitro: Gianluca Rocchi (Itália)
Benfica: Vlachodimos, André Almeida, Rúben Dias, Jardel, Grimaldo, Fejsa, Gedson (Pizzi, 74’), Gabriel, Salvio (Rafa, 48’), Jonas (Seferovic, 55’), Cervi
Suplentes não utilizados: Svilar, Alfa Semedo, Krovinovic, Castillo
Treinador: Rui Vitória
Ajax: Onana, Mazraoui, De Ligt, Blind, Tagliafico, De Jong (Wober, 85’), Schöne, Ziyech, Van de Beek, Neres (Dolberg, 73’), Tadic
Suplentes não utilizados: Lamprou, Kristensen, Huntelaar, Labyad, De Wit
Treinador: Erik ten Hag
Golos: Jonas (28’), Tadic (60’)
Ação disciplinar: cartão amarelo a Tagliafico (33’), Jonas (38’), De Ligt (41’), Jardel (69’), Van De Beek (71’), Tadic (83’)

Antes ainda da meia-hora, Onana quase ofereceu o primeiro ao Benfica: o guarda-redes do Ajax recebeu a bola, trocou os pés, tentou fintar Jonas e acabou a aliviar para fora. Passou o perigo, pensou, enquanto limpava a gota de suor que tinha aparecido quase instantaneamente na testa. Mas Onana devia ter feito a pesquisa devida na Wikipédia e ter percebido que o apelido de Jonas é inevitável. E, se não tinha sido à primeira, iria ser à segunda. Salvio assumiu o lançamento de linha lateral que o Benfica ganhou depois do alívio de Onana, deu três passos atrás, encheu os braços de força e colocou a bola na área; Onana saiu em falso, deixou a baliza desprotegida e Jonas inevitável estava lá, no coração da área, a disparar à matador e a colocar o Benfica na frente do marcador.

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Os encarnados não tiraram o pé do acelerador, muito longe disso – podiam até ter ampliado a vantagem logo a seguir, novamente por Jonas -, mas os holandeses perceberam que era preciso fazer mais, muito mais, para não sair de Lisboa com o saco vazio de pontos. Ainda antes de Gianluca Rocchi apitar para o descanso, Ziyech de livre direto e Van De Beek numa recarga depois de um remate de fora de área deixaram Vlachodimos com suores frios e Rui Vitória a agradecer aos céus pelo intervalo.

No regresso ao relvado, o treinador do Benfica sofreu em menos de dez minutos dois socos no estômago: Salvio ressentiu-se da lesão da primeira parte (torceu o pé ao esforçar-se para chegar a uma bola) e pediu para sair e Jonas, parcos minutos depois, caiu no relvado a queixar-se da zona da virilha e também pediu para ser substituído. Entraram Rafa e Seferovic – que, por muito que Rui Vitória queira, não são Salvio e Jonas. Os encarnados caíram de rendimento e não souberam responder às investidas do Ajax, sempre preferencialmente pela esquerda do ataque, orquestradas pela magia de Ziyech e a assertividade de Schöne. Assim como Jonas havia feito com Onana, Tadic avisou Vlachodimos uma vez: respondeu de cabeça a um cruzamento in extremis de Neres e obrigou o guarda-redes do Benfica a uma defesa apertada. No lance seguinte, não falhou. Ziyech soltou mais uma pincelada nas obras de arte que costuma desenhar e lançou Tadic, que dominou a bola em corrida a entrar na grande área, evitou Vlachodimos e aproveitou a passividade dos centrais do Benfica para empatar o jogo.

Até ao final da partida, o jogo foi tirado a papel químico do de dia 23 de outubro em Amesterdão. Muita velocidade, muita intensidade, muita vontade de chegar ao golo mas pouco discernimento, pouca organização, pouca disciplina tática. Rui Vitória ainda lançou um Pizzi que pouco ou nada fez e Erik ten Hag lançou um Dolberg que só serviu para inscrever o nome na ficha de jogo. O Benfica podia ter marcado, assim como o Ajax, mas a falta de eficácia de parte a parte tornou um jogo que podia ter sido interessante e produtivo num festival de pólvora seca.

Rui Vitória e o Benfica somaram o quarto jogo sem ganhar, a pior série do clube desde 2011/12, afastaram-se ainda mais dos oitavos de final da Liga dos Campeões e não conseguiram confirmar a Liga Europa: os encarnados precisam de vencer os próximos jogos, com Bayern e AEK, e esperar que o AEK não some mais do que um ponto nas duas partidas que ainda restam, logo, basta que o Ajax empate com alemães e gregos para que o Benfica seja eliminado. O pontapé na crise fica adiado para domingo, na visita ao Tondela.