A Primeira Guerra Mundial, que antes de ser primeira era só Grande Guerra porque ainda ninguém imaginava que ia haver uma Segunda, começou em 1914 e acabou em 1918. Este domingo, dia 11 de novembro, assinala-se o centenário do armistício do conflito que terá feito quase 20 milhões de mortos. Numa altura em que a mulher tinha ainda um papel social reservado, restrito e quase omisso, nem todas se conformaram com esse fado. Umas foram espias, outras estiveram nas trincheiras em nome do jornalismo, algumas decidiram defender a pátria na frente de batalha e outras salvaram milhares sem sair de um laboratório.

De Marie Curie a Mata Hari, estas são as breves histórias de dez mulheres que tiveram um impacto incontestável na I Guerra Mundial – e que afastaram a ideia de que a guerra é uma coisa de homens.

Mata Hari

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Chamava-se Margaretha Geertruida Zelle e era holandesa. Mata Hari, uma figura icónica do imaginário da belle époque, era presença assídua nos bailes mais bem frequentados e uma femme fatale que não passava despercebida junto dos homens mais poderosos. Seduziu políticos, militares e diplomatas e de todos eles soube segredos. Numa altura em que a informação privilegiada era um bem bastante estimado, foi contratada pelos alemães enquanto informadora. Em outubro de 1917, pouco mais de um ano antes do final da Grande Guerra, foi denunciada e entregue aos franceses, que a assassinaram perto da fortaleza de Vicennes. Diz a lenda que negou ser vendada, olhou os assassinos nos olhos e ainda lhes mandou um beijo antes do tiro que lhe tirou a vida.

Maria Bochkareva

Alistar-se no exército russo, enquanto mulher, já era uma decisão arriscada. Mas alistar-se no exército russo durante um conflito de escala mundial requereu uma coragem acrescida. Maria Bochkareva, conhecida como Yashka, era um elemento importante nas fileiras russas, foi condecorada três vezes e a principal fundadora do Batalhão da Morte de Mulheres, o primeiro exclusivamente feminino. Em junho de 1917, Yashka e as companheiras do batalhão foram chamadas à cidade bielorrussa de Smorgon para apoiar um exército cansado, desgastado e desmotivado numa investida: descobriram uma brecha nas fileiras inimigas e venceram a batalha. Anos depois, quando escreveu as memórias, descreveu os anos passados junto dos soldados como “um inferno de enganos e abusos”: “Noite atrás de noite, obrigavam-me a ficar acordada. Algumas vezes tive de morder alguns destes homens para poder aguentar”, contou.

Dorothy Lawrence

Acabada de atingir a maioridade, Dorothy pegou na bicicleta e pedalou até à frente ocidental de guerra, em Calais, França. A jovem inglesa tinha o sonho de ser jornalista e queria relatar o dia-a-dia nas trincheiras. Quando chegou à frente de combate, o acesso aos soldados e aos momentos mais mundanos da vida na frente de combate foi-lhe recusado – não só por ser jornalista mas também por ser mulher. Mas Dorothy não tinha ido até Calais para desistir. Com a conivência de alguns soldados e depois de ter conseguido roubar uma farda, disfarçou-se de homem e assumiu o nome Denis Smith. Durante dez dias, fez parte da 51.ª Divisão da Companhia Tuneladora de Engenheiros Reais, mas acabou por se entregar e revelar a fraude por receio de ser descoberta e prejudicar os colegas que a tinham encoberto. Esteve durante alguns meses recolhida num convento e teve de assinar uma declaração onde jurava nunca contar a história aos jornais. Só a contou décadas mais tarde, quando escreveu o livro de memórias “A sapadora Dorothy: A única mulher soldado britânica”.

Edith Cavell

Era apenas uma enfermeira inglesa a trabalhar num hospital belga. A Grande Guerra – e as tropas aliadas – descobriram-na numa posição estratégica para dar abrigo aos soldados aliados no hospital de Bruxelas, que pertencia à Cruz Vermelha, mas também para os ajudar a fugir para a Holanda, país neutro no conflito. Estima-se que Edith Cavell e as restantes enfermeiras tenham ajudado mais de 200 franceses, britânicos e belgas a fugir. Quando foram desmascaradas pelas tropas inimigas, Edith confessou e foi condenada à morte por fuzilamento.

Milunka Savić

Tal como Dorothy Lawrence, também Milunka Savić fingiu ser um homem para se alistar no exército. Mas se a primeira o fez pela paixão pelo jornalismo, Milunka Savić fê-lo por amor ao irmão. Quando a carta do exército sérvio chegou a casa dos Savić a exigir a presença imediata do irmão de Milunka na defesa da Sérvia na 2.ª Guerra dos Balcãs, decidiu que ia tomar o seu lugar, rapou o cabelo, vestiu roupa de homem e arranjou uma maneira de ocultar o peito. Na altura em que descobriram que era, na verdade, uma mulher, já era sargento. A ascensão meteórica na carreira militar tornou-a um dos líderes sérvios mais importantes na I Guerra Mundial, garantiu-lhe a Cruz de Guerra de França e o posto de mulher com mais condecorações militares da história. De todas as histórias, façanhas e feitos, destaca-se o aprisionamento de 43 soldados búlgaros na frente de batalha da Macedónia.

Elizebeth S. Friedman

Não era matemática, não era engenheira, não era cientista. Era poeta, escritora e entusiasta de Shakespeare. Em 1916, por obra do acaso, foi contratada pelo milionário George Fabyan para trabalhar no seu laboratório; foi aqui que conheceu William Friedman, com quem casaria logo no ano seguinte e que a introduziu ao mundo da descodificação e da criptoanálise. Tornou-se a primeira mulher criptoanalista dos Estados Unidos e uma peça importante no departamento dos Serviços Secretos norte-americanos que se dedica a decifrar mensagens, códigos e linguagem encriptada. Ainda que a incursão na descodificação tenha acontecido no decorrer da I Guerra Mundial, foi na Segunda que Elizebeth Friedman concluiu a sua grande missão: a descoberta de uma rede de espionagem nazi na América Latina.

Ecaterina Teodoroiu

Assim como Milunka Savić, também a integração de Ecaterina Teodoroiu na frente de combate foi motivada por um irmão. A romena era professora até ao início da Grande Guerra, altura em que foi obrigada a começar a trabalhar como enfermeira para apoiar os soldados aliados. Quando o irmão morreu em combate, Ecaterina decidiu que era a sua vez de representar a família Teodoroiu no exército romeno. Juntou-se ao 18.º Regimento de Infantaria de Gorj e assumiu um papel, mais do que combativo e de grande poderio, estratégico. Era a desenhadora dos movimentos do batalhão, uma inteligente estratega e a grande líder das dezenas de homens que tinha quase às suas ordens. Chegou a ser capturada pelas tropas alemãs, acabando por conseguir fugir, e morreu durante a batalha de Mărășești.

Marie Curie

Marie Curie é uma das exceções entre todas estas mulheres que tiveram alguma influência no curso da I Guerra Mundial. Se a grande maioria esteve, de uma forma ou de outra, ligada ao exército, em contacto com soldados ou mesmo presente nas trincheiras, Marie Curie estava no laboratório. Quando o conflito começou, em 1914, a polaca naturalizada francesa já tinha dois prémios Nobel: um da Física, em 1903, em conjunto com o marido Pierre e com o físico Henri Becquerel, e outro da Química, em 1911, a solo. Nos anos em que a guerra devastou a Europa, tornou-se uma pioneira no campo da radioatividade e estudou a aplicação dos raios x em hospitais de campanha – sem recursos, condições ou pessoal com experiência. Tornou-se diretora do serviço de Radiologia da Cruz Vermelha francesa e criou o primeiro centro de radiologia militar em território francês. O número de pessoas que salvou – com os seus estudos, experiências e métodos inovadores – nunca poderá ser quantificado.

Rosa Luxemburg

Judia, de origem polaca, foi uma teórica do mais radical marxismo alemão. Quando estalou a I Guerra Mundial, afastou-se dos companheiros do SPD – partido do qual era militante há alguns anos – e opôs-se à participação social-democrata na discussão do conflito. Foi detida várias vezes e chegou a liderar uma revolução gorada no centro de Berlim. Foi presa já depois do final da guerra, em 1919, num hotel da capital alemã, em conjunto com o companheiro Karl Liebknecht, com quem tinha fundado o jornal “A Bandeira Vermelha”. Pouco depois de serem detidos, foram ambos assassinados.

Dorothie Feilding

Filha privilegiada de uma família aristocrata inglesa, Dorothie foi atirada para perto da frente de combate quando a guerra começou. Em Bruxelas, era condutora da ambulância que transportava os soldados feridos em batalha para os hospitais. A coragem e a relação próxima que mantinha com todos – colegas, soldados e superiores – valeram-lhe múltiplas condecorações, incluindo a Medalha de Valor da Grã-Bretanha, a primeira atribuída a uma mulher durante a 1.ª Guerra Mundial. Nas memórias que publicou anos após o armistício, Dorothie também detalhou as dificuldades de não ser homem em zonas de conflito e contou as vezes em que teve de controlar e conter os ímpetos sexuais dos soldados.