O primeiro-ministro admitiu este domingo ficar chocado com o facto de a televisão pública transmitir touradas, mas, apesar disso, garante que não lhe ocorre proibir a sua transmissão. As declarações de António Costa fazem parte de uma longa carta aberta a Manuel Alegre, publicada no jornal Público, onde o chefe do executivo responde a Manuel Alegre. Na passada semana, o histórico socialista, no mesmo jornal, redigiu uma carta aberta ao primeiro-ministro em defesa da tourada.
No documento, Alegre pede a António Costa que “intervenha a favor de valores essenciais do PS: o pluralismo, a tolerância, o respeito pela opinião do outro” e que interceda pela descida de 6% do IVA para todos os espetáculos sem discriminar a tauromaquia.
Esta questão foi suscitada pela ministra da Cultura que admitiu na terça-feira, em sede de especialidade do Orçamento do Estado para 2019, um eventual alargamento dos espetáculos abrangidos pela redução do IVA de 13% para 6%, mas excluiu a tauromaquia por ser uma questão de civilização.
“Quanto à tauromaquia não é uma questão de gosto, é de civilização e manteremos como está”, disse a ministra Graça Fonseca na sua primeira intervenção pública, o que gerou desconforto em alguns setores do PS, que tem nas suas fileiras vários aficionados. Na bancada socialista, houve quem não o escondesse.
Manuel Alegre escreve a António Costa para defender liberdade de gostar de touradas
A resposta do primeiro-ministro
“Choca-me que o serviço público de televisão transmita touradas. Mas não me ocorre proibir a sua transmissão”, escreve António Costa na missiva a Alegre.
Antes disso, o primeiro-ministro lembra frases de Gandhi: “Por respeito pelo pluralismo e amor à liberdade, não subscrevo a frase habitualmente atribuída a Mahatma Gandhi ‘que o grau de civilização de determinada sociedade pode ser medido pela forma como trata os seus animais’. Prefiro pensar que as civilizações também se distinguem pela forma como tratam os animais. Como se distinguem pela forma como valorizam a dignidade do ser humano, a natureza ou se relacionam com o transcendente, por exemplo.”
António Costa segue dizendo que não acredita numa hierarquia de civilizações, nem no exclusivismo identitário, nem no determinismo histórico da evolução civilizacional. Por isso, “afirmar que uma certa opção é uma questão de civilização não significa desqualificar o oponente como incivilizado”, escreve Costa, acrescentando que “o diálogo de civilizações exige respeito mútuo, tolerância e a defesa da liberdade”.
Por isso, não me receie como ‘mata-toureiros’, qual versão contemporânea de ‘mata-frades’. Prefiro conceder a cada município a liberdade de permitir ou não a realização de touradas no seu território à sua pura e simples proibição legal e considero extemporâneo um referendo sobre a matéria”, sustenta António Costa.
O chefe do Executivo faz ainda uma analogia com o consumo do sal ou do açúcar, afirmando que, apesar de o Estado não o proibir, “deve informar os cidadãos dos riscos que o seu consumo comporta para a saúde e tem o dever de promover a educação para uma alimentação saudável. E quando o faz não atenta contra a liberdade de escolha alimentar de cada um”.
“Como homem da Liberdade [Manuel Alegre] tem também de respeitar os cidadãos que, como eu, rejeitam a tourada como manifestação pública de uma cultura de violência ou de desfrute do sofrimento animal”, defende o chefe do Executivo.
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A terminar a carta, o primeiro-ministro afirma: “Bem sei que o novo politicamente correto é ser politicamente ‘incorreto’… mas então prefiro manter a tradição e defender o que acho certo, no respeito pela liberdade dos outros defenderem e praticarem o contrário.”
Na sua carta, Manuel Alegre diz apoiar esta solução governativa, mas confessa que, por vezes, sente a sua “liberdade pessoal ameaçada”.
“Não por causa do que se passa no mundo. Mas porque o diabo se esconde nos detalhes. Está no fundamentalismo do politicamente correto, na tentação de interferir nos gostos e comportamentos das pessoas, no protagonismo de alguns deputados e governantes que ninguém mandatou para reordenarem ou desordenarem a nossa civilização”, defendeu o histórico socialista na passada semana.