Aqui Estamos Nós tem um dedicatória especial. É o primeiro livro que Oliver Jeffers escreveu para o filho Harland, enquanto procurava uma forma de lhe explicar “o sentido de tudo isto”. “Estas são as coisas que eu acho que precisas de saber”, resume o autor nessa dedicatória. Uma forma modesta de apresentar todo um programa de como viver neste planeta por vezes louco chamado Terra, escrito e ilustrado de forma ao mesmo tempo direta e comovente.

O livro nasceu das primeiras palavras que Jeffers disse ao então recém-nascido quando chegou da maternidade — “bom, filho, aqui estamos. É aqui que tu vives, esta é a tua casa” — e funciona também como uma visita guiada não ao apartamento da família em Brooklyn, nos Estados Unidos, mas “ao grande globo, a flutuar no espaço, onde nós vivemos”. A partir do sistema solar, o ilustrador faz um zoom na Terra e detém-se, claro, nas pessoas: “pessoas de todas as formas, tamanhos e cores. 7327450667 — e continua a aumentar”.

No estilo bem-humorado do ilustrador premiado, autor de uma dúzia de livros infantis antes deste, há muitas setas a identificar tudo, do fundo do mar à neve no cume das montanhas pontiagudas. Afinal, Jeffers está a explicar coisas tão essenciais como a diferença entre o dia e a noite a alguém para quem é tudo novo. Nesse processo, torna-se quase tudo novo para nós também — um dos efeitos mais maravilhosos de quem é pai e volta a viver as primeiras vezes com um filho.

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Uma apresentação dos animais que vivem connosco na Terra. © Oliver Jeffers

Voz ativista contra as armas nos Estados Unidos, o aquecimento global e a administração Trump, ao mesmo tempo que escrevia Aqui Estamos Nós e descobria a paternidade, Oliver Jeffers andava a fazer posts nas redes sociais sobre a ascensão da xenofobia. Como revela na curta-metragem de Bas Berkhout sobre o seu trabalho, inevitavelmente essas coisas também começaram a entrar no livro, “mas de forma positiva”: “Estamos todos aqui, este é o único sítio onde as pessoas vivem, não há outro”, diz o autor, ele próprio de origem irlandesa e emigrante nos EUA. Dessa forma, Aqui Estamos Nós é um livro cheio de esperança e de mensagens importantes, ditas de uma forma simples: respeitar a diferença. Tratar bem os animais. Usar bem o tempo. Deixar apontamentos para as outras pessoas. Ser gentil. Tomar conta do planeta pois “é tudo o que temos”.

“Sempre evitei demasiado sentimentalismo nos meus livros mas desta vez montei o cavalo da moral e sou sentimental sem pedir desculpas”, diz Jeffers no mesmo documentário, lembrando também a frase de Nelson Mandela: “ninguém nasce com ódio, aprende a odiar”. O livro surgiu das tais primeiras palavras que disse ao filho enquanto lhe mostrava a casa — “esta é a cozinha, é onde preparamos a comida. A comida é que o tu comes. Tu não sabes nada, pois não?” — mas também da brutal revelação (e responsabilidade) de que aquele pequeno cérebro iria começar naquele momento a processar tudo à sua volta. Harland tem agora três anos e meio, Jeffers já teve mais uma menina e lançou dois outros livros nos EUA. Em 2017, quando foi publicado na edição original, Aqui Estamos Nós foi considerado livro do ano pela revista Time, na categoria infanto-juvenil. A obra chega a Portugal na coleção Orfeu Mini e é muito mais do que um livro essencial na biblioteca infantil: devia estar à cabeceira de todos nós — pais, terráqueos, humanos.