O Sindicato dos Trabalhadores do Espetáculo, do Audiovisual e dos Músicos convocou uma concentração para esta segunda-feira à tarde, em Lisboa, em defesa do aumento da despesa pública na Cultura para 1% do previsto no Orçamento do Estado.

“A Cultura sai à rua! 1% por todos e para todos” é a palavra de ordem do Sindicato dos Trabalhadores do Espetáculo, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE), para a concentração marcada para as 17h00, no Rossio, em Lisboa.

“Ao quarto ano de legislatura de um governo que usou a Cultura como bandeira eleitoral, a proposta de Orçamento do Estado [para 2019] permanece no mesmo patamar da última década: 0,25% do OE, cerca de 250 milhões de euros”, escreve o sindicato, na convocatória do protesto.

Este valor, de acordo com a estrutura, está “muito longe do consensual 1% que permitiria a discussão e acção políticas consequentes, uma aproximação aos deveres constitucionais, nunca cumpridos pelo Estado, e a construção de um Serviço Público de Cultura”.

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Para o CENA-STE, “sufocar a Cultura e a Arte não é uma inevitabilidade, é uma opção política”, que consiste em “manter em estado de emergência permanente o conjunto das estruturas, atividades e setores profissionais que asseguram o cumprimento de um dos quatro vetores fundamentais da Constituição”.

“A cada orçamento, o Governo demonstra que não está com a Cultura”, razão pela qual se chega ao fim de cada legislatura sem que consiga “corresponder à exigência de um horizonte e de um compromisso, apesar de ter as condições parlamentares e políticas para o fazer”, conclui a estrutura sindical. O CENA-STE lembra que, em abril, obrigou o Governo a reagir, numa alusão às concentrações realizadas em várias cidades portuguesas, e que, passado este tempo, tudo continua igual, conclui o sindicato.

A exigência de um valor para a Cultura equivalente a 1% da despesa total dos ministérios é uma reivindicação antiga dos agentes do setor. Segundo a proposta de Orçamento do Estado, cuja votação final global está marcada para dia 29 de novembro, os organismos e entidades culturais tuteladas pelo Ministério da Cultura, dispõem de um total de 244,8 milhões de euros, para despesa em 2019, mais 28,1 milhões de euros do que a previsão para 2018 (216,7 milhões de euros), traduzindo um aumento de 12,9%.

No total, incluindo o setor da comunicação social, o Ministério da Cultura deverá dispor de 501,3 milhões de euros para gastar em 2019, o que se traduz num aumento de 20,5 milhões de euros (4,3%), face à estimativa de despesa para 2018.

Em julho deste ano, o primeiro-ministro, António Costa, no seu discurso sobre o Estado da Nação, na Assembleia da República, disse que a Cultura teria o maior orçamento de sempre em 2019, reforçando o apoio à criação e à recuperação do património.

No mês anterior, numa audição na comissão parlamentar da Cultura, Juventude e Desporto, o então ministro Luís Filipe Castro Mendes adiantou a existência de um reforço, no próximo orçamento, admitiu que “1% [do Orçamento do Estado] para a Cultura é o objetivo” para o qual a ação governativa se encaminha, mas também reconheceu que dificilmente esse valor seria atingido “nesta legislatura”.

O programa orçamental da Cultura em vigor (2018), apresenta um valor consolidado global de 216,7 milhões de euros, de dinheiro disponível para despesa, incluindo todas as fontes de financiamento, entre receitas gerais, consignadas ou receitas próprias.

A despesa efetiva para 2018, com os diferentes ministérios, é de 66,9 mil milhões de euros (excluindo encargos financeiros), o que deixa a Cultura entre os 0,2 e os 0,3 por cento, caso execute a despesa total prevista (216,7 milhões). Tomando como referência este valor de despesa de 2018, 1% do orçamento remeteria para a casa dos 600 milhões de euros.

A esta reivindicação, junta-se outra mais exigente, a de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) para a Cultura, que tem estado presente em agentes do setor e, em particular, nos argumentos do Bloco de Esquerda, que, em julho, reclamou a inscrição desta relação, argumentando que o setor tem representado de 3% a 5% da riqueza produzida no país.

A concretização desse sonho de 1% do PIB para a Cultura, situaria as transferências para o setor em redor de 1,9 mil milhões de euros, tomando como referência o valor gerado, por todos os bens e serviços, em 2017 (cerca de 193 mil milhões de euros, a preços correntes). Na passada sexta-feira, o PCP apresentou no parlamento uma proposta de aditamento ao Orçamento de Estado para 2019, para ver inscrito o objetivo de se atingir o patamar mínimo de 1% da despesa pública para Cultura.

BE apela a “um movimento social de pressão” para obter 1% para a Cultura

A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua apelou esta segunda-feira à criação de “um movimento social de pressão” para se alcançar 1% do Orçamento do Estado para a Cultura. A deputada falava na manifestação da Plataforma Cultura em Luta, tendo afirmado que esta legislatura podia ser “o momento” para se alcançar aquele desígnio, pois havia “uma maioria parlamentar que podia ter feito a diferença, mas era preciso que o Governo quisesse”.

A deputada Ana Mesquita, do Partido Comunista Português (PCP), outro partido que apoia no parlamento o atual Governo, lembrou que, desde o início da legislatura, os comunistas sempre exigiram 1% para a Cultura. Mariana Mortágua, por seu lado, disse que, se as propostas de alteração ao Orçamento do Estado, apresentadas pelo BE e pelo PCP, fossem aprovadas – e algumas são coincidentes – poderá vir a ser “superado o exigido 1% para a Cultura”.

A reativação do programa de apoio à rede de museus municipais e o aumento de investimento no Arquivo Nacional da Imagem em Movimento (ANIM) são propostas de alteração ao Orçamento do Estado avançadas por ambos os partidos.

Em declarações à agência Lusa, Mariana Mortágua justificou a sua presença na manifestação “por solidariedade, para dar força e para que a mobilização se faça e se consiga melhores resultados”. Questionada sobre o poder negocial do BE com o Governo nesta matéria, a bloquista referiu que o peso do seu partido no parlamento é 10%, numa maioria parlamentar em que o Partido Socialista (PS) tem 30% e, quando se fizeram os acordos para esta legislatura, “o PS de alguma forma determinou regras de feitura destes orçamentos”.

Mariana Mortágua recorda que “as regras orçamentais determinadas por Bruxelas” nunca foram aceites pelo BE. A deputada pensa “que há condições para aumentar o financiamento”, mas reconheceu também que o Bloco não conseguiu impor essa vontade, porque o PS é maioritário neste contexto.

O BE apresentou, como propostas de alteração, a reativação do programa ProMuseus, de apoio aos museus municipais, de aumento do financiamento do ANIM e de criação de um fundo de apoio ao cinema e às salas independentes de exibição.

Nos anos anteriores, as propostas de alteração do BE foram chumbadas com os votos do PS, PSD e CDS. Se, neste orçamento, voltar a acontecer, “e o PS insistir em não dar passos maiores e em não aprovar estas propostas, ele próprio está a tornar públicas quais são as suas posições e as suas prioridades”.

Ana Mesquita, por seu turno, realçou à Lusa que o PCP é o único partido nesta legislatura que apresentou uma proposta no sentido de a Cultura ter 1% do Orçamento do Estado. A deputada comunista disse que o seu grupo parlamentar sempre alertou o Governo para a necessidade da criação de “um serviço público de cultura estruturado e coerente”.

“O que nós exigimos ao Governo é que sejam dados passos concretos nesse sentido”, declarou. “Temos todas as condições para o fazer. Nós vamos apresentar esta proposta de 1% para a Cultura e fica muito bem definido quem defende 1% para a Cultura, e vai votar a favor, e quem não está interessado em fazer esse caminho, e tem receio, porque acha que é muito rápido, quando, na verdade, temos todas as condições para o fazer”.

O PCP propôs a reativação do programa ProMuseus de apoio aos museus municipais, o aumento do financiamento do ANIM, a dotação de cinco milhões de euros para apoio às artes, verbas para a renovação dos fundos documentais das bibliotecas públicas e a reativação das itinerâncias culturais das bibliotecas.

Entre os participantes na concentração desta segunda-feira da Plataforma Cultura em Luta, estava o encenador Tiago Rodrigues, diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), que se afirmou “solidário com um aumento substancial para a Cultura em Portugal” – e que se juntou à manifestação, também para cumprimentar muitos colegas.

O encenador considerou “importante o diálogo que tem acontecido, o debate em praça pública”, e referiu que, “cronicamente, o financiamento para a Cultura em Portugal é francamente insuficiente, há muitas décadas”. Tiago Rodrigues afirmou que é “fundamental a capacidade de diálogo com o poder político, e que isso tem sido um facto”, considerou que “é normal em democracia que estas expressões de descontentamento aconteçam”.

Tiago Rodrigues reconheceu que houve um “aumento significativo no orçamento artístico” do TNDM, e “um menos significativo no que são os custos de estrutura”, mas que corresponde a diálogo que houve com a tutela, nomeadamente os ministérios da Cultura e o das Finanças.

Entre os manifestantes estiveram a atriz Paula Guedes, o artista Tiago Ivo Cruz, o diretor da Fundação José Saramago, Sérgio Letria, o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira, e o secretário-geral da CGTP-Intersindical, Arménio Carlos.