“Já pedi desculpa ao Roger na rede, ele disse que estava tudo bem. Faz parte das regras parar o jogo. Peço desculpa, não quis chatear ninguém”. Foi assim que Alexander Zverev pediu desculpa ao público que o assobiava no O2 Arena, em Londres, no passado sábado, depois de ter vencido Roger Federer na meia-final do ATP Finals. Nos últimos pontos do tie break, o alemão de 21 anos interrompeu a partida depois de um apanha bolas atrás de Federer ter deixado cair uma bola, obrigando à repetição do ponto, que Zverev resolveu com um ás. 24 horas depois, o jovem tenista aparentemente frágil que tinha pedido desculpa ao público vencia o número 1 do mundo em dois sets na final do torneio.

Alexander Zverev conhece Novak Djokovic e Rafael Nadal desde os quatro anos, Roger Federer desde os cinco. O alemão nasceu e cresceu no meio do mundo do ténis e não foi nem o primeiro nem o segundo elemento da família mais próxima a decidir ser tenista profissional – foi, na verdade, o quarto. Os pais de Sascha, como é normalmente tratado, são ambos russos e foram ambos tenistas. Em Sochi, onde nasceram na década de 60 e onde se conheceram, não existiam courts de ténis interiores: Alexander e Irina decidiram então mudar-se para Moscovo para treinar durante o ano e começaram a jogar no CSKA Moscovo, o clube que era habitual e carinhosamente apelidado de “Clube do Exército Vermelho”. Alexander chegou a ser o número 1 do ranking russo, Irina número 4 da classificação feminina, e muitos consideravam que o casal tinha qualidade suficiente para chegar aos lugares cimeiros do ténis internacional.

Contudo, o regime russo constrangia a carreira desportiva dos atletas e estes raramente eram autorizados a disputar jogos no estrangeiro. Em 1990, já após a queda do Muro de Berlim e na reta final da União Soviética, Irina viajou até à Alemanha para participar num torneio; Alexander acompanhou a mulher enquanto treinador. O casal foi convidado para se mudar para terras germânicas e começar a trabalhar num clube de ténis – recusaram a primeira oferta mas aceitaram a segunda, no ano seguinte, quando regressaram para o mesmo torneio. A ideia inicial era ficar um ano. Um ano em Hamburgo transformou-se em dois, dois em três e três em dez. O casal russo, que quando se mudou para a Alemanha já era pai de Mischa, acabou por requerer cidadania alemã e dava aulas de ténis de forma permanente.

A família Zverev: Alexander Sr, Alexander Jr, Irina e Mischa

Mischa, atualmente com 31 anos, foi o primeiro a nascer no seio de uma família onde se respira ténis. Quando Sascha nasceu, em 1997, o irmão estava já a caminho de se tornar o melhor júnior alemão. Foi ao acompanhar o irmão em torneios por todo o mundo que o agora número 5 do ranking ATP conheceu Djokovic, Nadal, Federer e Murray. “São eles que me contam as primeiras vezes que nos conhecemos, porque na verdade eu não me lembro. Eles dizem: ‘Ah, eu lembro-me daquele torneio de júniores em Itália. Jogámos mini ténis contigo'”, contou Zverev numa entrevista ao The Economist. Quando conheceu Roger Federer, durante um Masters de Hamburgo, pediu-lhe um autógrafo e uma fotografia. “Se trabalhares muito, talvez um dia joguemos um contra o outro”, disse-lhe o suíço.

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Os pais de Sascha, por motivos óbvios, encorajaram os dois filhos a seguir-lhes as pisadas mas “nunca os obrigaram”. E se Mischa era já uma promessa confirmada, Sascha era o diamante em bruto que precisava muito de ser lapidado. “Conheci o Sascha quando ele tinha cinco anos. Os pais diziam-me: ‘O Mischa é bom mas o Sascha vai ser fantástico!'”, contou Boris Becker, antigo número 1 do mundo, vencedor de Wimbledon por três vezes e, à altura, treinador da equipa de Hamburgo onde o filho mais velho dos Zverev treinava. A competitividade entre os dois irmãos, sempre saudavelmente alimentada pelos pais, foi um dos motivos que levou Alexander a tentar ser sempre melhor. “Somos muito competitivos um com o outro. Em tudo aquilo que fazemos juntos tem de haver algum tipo de competição, nem que seja na PlayStation“, revelou em 2017, numa entrevista ao The Independent.

Durante o verão, na casa da família em Hamburgo, os dois irmãos montavam uma rede no jardim e construíam as linhas do court com pedras, folhas e tudo aquilo que encontrassem. Criavam o próprio torneio de Wimbledon e os jogos só terminavam quando Alexander ganhasse. “Ele não entendia nem aceitava perder”, explica Mischa, para depois admitir que chegou a perder jogos de propósito, para poder ir dormir. Alexander e Mischa são faces completamente opostas da mesma moeda: se o mais velho cedo percebeu que tinha de se dedicar por completo ao ténis, o mais novo jogou ténis, futebol e hóquei ao mesmo tempo e dividiu a energia frenética que teve desde criança pelas três modalidades (ainda que o principal hobbie seja atualmente o basquetebol, onde é fã incondicional dos Miami Heat). Só quando viajou com os pais até à Flórida para participar num torneio e foi eliminado na segunda ronda é que percebeu que “apesar de ser o melhor”, precisava de trabalhar mais. Desistiu do futebol, desistiu do hóquei e, a partir daí, o foco estava no ténis.

Com Roger Federer, que conhece desde criança

O pai, Alexander Zverev Sr., foi a partir dessa altura o treinador principal de Sascha. “Tinha uma maneira muito soviética de fazer treino físico. Íamos para a pista e corríamos 15 voltas, tínhamos de as acabar em menos de 30 minutos. Depois fazíamos exercícios de sprint e corridas de 400 metros e às vezes no fim dos treinos ainda fazíamos outra vez as 15 voltas em menos de 30 minutos. Eu não gostava mas tinha visto o meu irmão fazer o mesmo por isso achei que era normal, que era o que toda a gente fazia”, recordou o tenista. O pai estabeleceu uma filosofia de ténis rápido, com sprints e pancadas fortes que permitissem conquistar pontos o mais depressa possível. A tática tinha resultado com Mischa, que era mais forte, mais baixo e mais musculado; Sascha, mais alto do que ditam as regras convencionais do ténis, mais fraco, mais magro, falhava muitas vezes.

Foi em 2012, depois de Alexander ser eliminado na segunda ronda do Orange Bowl, na Flórida, que o tenista se juntou ao pai e ao irmão para jantar com Patricio Apey, um agente desportivo com fama de andar atrás de novos talentos e que tinha descoberto Andy Murray. O empresário chileno ofereceu-se para representar Zverev e no ano seguinte convenceu Jez Green, o preparador físico de Murray, a treinar com o alemão. Green aceitou mas colocou condições: “Disse-lhe que se quisesse ter alguma hipótese, se tivesse aspirações de chegar ao top 5 ou assim, precisava de ter um físico que nunca falhasse. Isso significava remodelar completamente o corpo dele. E disse-lhe que esse processo demorava cinco anos”, explicou o preparador físico ao The Economist.

O processo envolvia fortalecer o corpo de Zverev, torná-lo mais resistente às mudanças de direção e evitar as recorrentes lesões que tinha — e transformar o metro e noventa e oito do alemão, pouco habitual num tenista, um ponto a favor ao invés de uma fragilidade. Foi em maio de 2017, precisamente cinco anos após o início do treino com Jez Green, que o jovem alemão teve a maior vitória da carreira e aquela que o catapultou para a linha da frente do ténis internacional. Na final do Open de Itália, um dos torneios Masters 1000, o oponente era Novak Djokovic. Zverev nunca tinha estado numa final a este nível; Djokovic já tinha estado em 44. O alemão venceu em dois sets e tornou-se o tenista mais novo a conquistar um Masters desde que o próprio Djokovic ganhou em Miami em 2007 — além disso, talvez mais importante do que isso, a vitória em Itália levou Alexander Zverev para o top 10 do ranking ATP, algo que nenhum tenista com 20 anos conseguia desde 2008. No final do jogo, encontrou o sérvio na rede, abraçou-o, colocou o rosto junto ao dele e deu-lhe um beijo no ombro.

Alexander Zverev surpreende Djokovic, vence o ATP Finals e impede o sérvio de fazer história

Este domingo, Alexander Zverev voltou a vencer Novak Djokovic: desta vez, na final do ATP Finals, em Londres. O alemão de 21 anos derrotou mais uma vez o sérvio com apenas dois sets e conquistou o mais importante título da carreira. Atualmente na 8.ª posição do ranking mundial e com o super campeão Ivan Lendl como treinador, Zverev é — ao lado de Dominic Thiem, Nick Kyrgios e Borna Coric — o grande herdeiro da geração de ouro composta por Nadal, Federer, Murray e Djokovic que venceu 53 dos 63 Grand Slams que aconteceram desde 2003. “Este tipo tem grandeza escrito por todo o lado”, disse o comentador da BBC quando o alemão ganhou em Itália. E parece que a grandeza está a chegar.