A Comissão Europeia está numa posição delicada no seu ‘braço de ferro’ com Itália devido ao plano orçamental para 2019, mas não lhe restam grandes alternativas senão recomendar a abertura de um procedimento, concordam analistas ouvidos pela Lusa.

Na quarta-feira, o executivo comunitário vai emitir os seus pareceres sobre os planos orçamentais de todos os Estados-membros da zona euro, aguardando-se com particular expectativa a opinião sobre o projeto de orçamento de Itália, já que, face à insistência do Governo italiano em manter as grandes linhas do documento “chumbado” por Bruxelas, a Comissão poderá desencadear a abertura de um procedimento por défice excessivo e eventuais sanções.

Com eleições europeias no horizonte (no final de maio de 2019), a eventual abertura de um procedimento por défice excessivo a Itália poderá ser muito pouco popular e reforçar a popularidade (e populismo) do atual Governo “antissistema” italiano, concordam dois analistas ouvidos pela Lusa, que ainda assim estimam que não resta outro caminho à Comissão Europeia senão ativar a vertente punitiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), já que a violação das regras é demasiado flagrante.

“O desvio relativamente às metas é muito maior do qualquer coisa que tenhamos visto nos anos mais recentes, não tem paralelo”, observa Grégory Claes, do ‘think tank’ Bruegel, grupo de reflexão especializado em economia, referindo-se designadamente ao défice de 2,4% do PIB que o Governo italiano assume no seu orçamento, o triplo do estimado pelo anterior executivo (0,8%), e que, segundo as previsões da Comissão, poderá chegar mesmo aos 2,9% em 2019 e 3,1% em 2020 com a estratégia orçamental traçada.

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Segundo este analista, outra diferença de vulto é a atitude das autoridades italianas, pois outros Estados-membros que tiveram no passado o problema do défice — e apontou como exemplos França, Portugal e Espanha — “ao menos esforçavam-se por cumprir”, enquanto o Governo liderado por Giuseppe Conte desafia abertamente Bruxelas e “nem tenta utilizar a flexibilidade prevista no PEC”.

“Já fui muito crítico no passado das posições da Comissão, mas considero que a Comissão tem aplicado as regras de forma muito mais sensata e flexível do que o fez durante a crise”, aponta. Assim, e face à recusa de Roma em respeitar a recomendação do executivo comunitário — quando pediu um plano orçamental revisto — e não aproveitar a flexibilidade que tem sido dada por Bruxelas, Claes estima que “não resta outra solução à Comissão que não seja recomendar (ao Conselho) a abertura de um procedimento por défice excessivo”, por muito impopular que essa medida seja.

Este analista admite que “a Comissão está numa posição muito delicada”, já que a eventual imposição de sanções pode reforçar os nacionalismos em vésperas de eleições europeias, mas, insiste, uma atitude passiva perante tão flagrante violação das regras também poderia alimentar discursos populistas noutros Estados-membros (incluindo aqueles que tiveram de aplicar políticas de austeridade) e ser uma “machadada” na credibilidade da Comissão e do PEC. A solução, aponta, pode passar por protelar um pouco todo o procedimento, já de si demorado, e eventuais sanções, sublinha, nunca acontecerão antes de maio.

Também Marta Pilati, do European Policy Center, acredita que a Comissão está “numa posição muito difícil”, pois, por um lado cabe-lhe garantir o cumprimento das regras, sob pena de perder a credibilidade, mas, por outro, se tiver “mão pesada”, vai “alimentar a narrativa do atual Governo italiano” de que Bruxelas impõe austeridade ao país, impedindo-o de crescer, e retira-lhe soberania. “Em Itália, isso irá soar muito mal”, argumenta.

Esta analista acredita que o executivo comunitário vai tentar encontrar até ao último momento algum tipo de compromisso que evite o anúncio, já na quarta-feira, da abertura de um procedimento por défice excessivo, mas, admitiu, esse é um cenário difícil de se concretizar, pois Bruxelas já pediu e insistiu na reformulação do plano orçamental e Roma basicamente ignorou os apelos para elaborar um orçamento conforme as regras, ou pelo menos em não tão flagrante violação.

“Não ficaria surpreendida por isso que a Comissão recomendasse a abertura do procedimento”, conclui Marta Pilati, até porque, como ficou visível na última reunião do Eurogrupo, tem a generalidade dos Estados-membros do seu lado.

Em 23 de outubro passado, a Comissão Europeia tomou a decisão inédita na história do Pacto de Estabilidade e Crescimento de reprovar um projeto orçamental e de o devolver às autoridades italianas, para que submetessem um plano revisto. Na resposta, o Governo italiano o executivo italiano de coligação populista, que inclui o Movimento Cinco Estrelas (M5S) e a Liga, entregou, em 13 de novembro, um projeto de orçamento para 2019 que, assumidamente, continua a não estar em linha com as regras europeias, e a Comissão emitirá o seu parecer final na quarta-feira.

O Procedimento por Défice Excessivo poderá levar, em última análise, à aplicação de sanções que podem corresponder até 0,2% do PIB, o que no caso italiano representa cerca de 3,4 mil milhões de euros.